Como 2Pac e Biggie foram de amigos para rivais mortais

Imagem de Lia Kantrowitz para VICE.



A seguir, o conteúdo foi extraído do livro Original Gangstas: The Untold Story of Dr. Dre, Eazy-E, Ice Cube, Tupac Shakur, and the Birth of West Coast Rap de Ben Westhoff.

Tupac e Biggie se encontraram pela primeira vez em 1993, em Los Angeles. Há negócios, o repper do Brooklyn, Biggie pediu a um traficante local que o apresentasse a Tupac, que convidou Biggie e fizeram festa em sua casa. Lá, ele compartilhou com eles “um grande saco de vegetais congelados mais verdes que já vi”, disse um estagiário para o selo de Biggie, chamado Dan Smalls, que fazia parte do grupo.

Tupac ficou chapado e puxou uma “bolsa do exército verde” cheia de armas de mão e metralhadoras. “Então, agora, aqui estamos, neste quintal correndo com armas, apenas zoando”, continuou Dan Smalls para o The Fader. “Felizmente todas estavam descarregadas. Enquanto estávamos correndo, ’Pac entrou na cozinha e começa a cozinhar para nós. Ele estava na cozinha cozinhando uns bifes. Estávamos bebendo e fumando e de repente ’Pac disse, ‘Yo, venham comer.’ E nós entramos na cozinha e ele tinha bifes, batatas fritas e pão, e refrigerantes e ficamos sentados lá comendo e bebendo e rindo. E você sabe, é verdade que teve amizade entre Big e ’Pac.”

“Todos nós pensamos que ele era um traficante”, disse o amigo de longa data de Tupac, E.D.I. Mean, um membro do grupo afiliado de Tupac, Outlaw Immortalz. Tupac deu a Biggie uma garrafa de Hennessy. Biggie dormiu no sofá de Tupac sempre que ele voltava para a Califórnia, e quando Tupac estava em Nova York, ele ia para o bairro de Biggie, pegando-o em uma limusine branca e jogando dados com amigos locais. Um freestyle bate-e-volta em um concerto chamado Budweiser Superfest no Madison Square Garden em 1993, com Biggie agitando as multidões com linhas como, “Oh meu Deus, eu solto merdas como um pombo/ Espero que esteja ouvindo/ Bebendo bebês em seu batismo.”

Apesar da aparição de gala no Garden, Biggie ainda não era muito conhecido fora do Brooklyn. Tupac, até então um repper de platina e estrela de cinema, atuou como mentor. Biggie e outros jovens reppers reuniram-se em estúdios de gravação ou salas de hotel para ouvir a palestra de Tupac sobre como fazer isso no jogo. “Pac tinha potencial para se levantar e ensinar”, disse E.D.I. Mean. “Todo mundo ficou paralisado com esse indivíduo dinâmico e absorvendo toda a informação que poderíamos absorver.” Mas Tupac dedicou atenção especial a Biggie, preparando-o e deixando-o tocar em seus concertos. Biggie até disse que gostaria de ser parte de outro grupo afiliado, chamado Thug Life. “Eu treinei o nigga, ele costumava estar sob mim como meu tenente”, disse Tupac.

Tupac afirmou ter influenciado diretamente o estilo de Biggie. “Eu costumava dizer ao nigga: ‘Se você quer ganhar o seu dinheiro, você tem que atingir as mulheres. Não faça um rep para os niggas’”, disse Tupac. “Elas comprarão seus registros, e os niggas querem o que elas querem.” Como prova de que Biggie atendeu seu conselho, Tupac citou a diferença entre sua faixa inicial, a agressiva “Party and Bullshit” e músicas mais suaves de sua estreia, Ready to Die, como “Big Poppa”, que apelou mais para as mulheres: “Logo que ele compre esse vinho, eu simplesmente arraso por trás/ E pergunto quais são seus interesses, com quem você está?”




Mas antes que Ready to Die saísse, Biggie preocupou-se com a possibilidade de perder seu tiro, considerando que o novo selo para o qual ele estava assinado, Bad Boy — de propriedade de seu gerente Sean “Puffy” Combs — ainda não tinha decolado. As coisas não estavam acontecendo para ele com fugacidade, ele reclamou. Ele pediu a Tupac que assumisse o cargo de gerente, com a esperança de que Tupac pudesse avançar sua carreira na música e cinema tão rápido quanto ele fizera o seu.“Biggie parecia estar usando o mesmo par de Timberlands por um ano, [enquanto] ’Pac estava hospedado no Waldorf-Astoria Hotel e comprou Rolex e namorando Madonna”, disse E.D.I.

Tupac recusou a oferta de Biggie para gerenciar sua carreira. “Não, fique com Puff”, ele disse a Biggie. “Ele fará de você uma estrela.”

Em Nova York para gravar o filme de 1994 Above the Rim, Tupac ficou enredado com um notório grupo de valentões do Queens. Ele estava modelando seu personagem Birdie — um gângster envolvido em programas de basquete juvenis — em um vivido haitiano chamado Jacques “Haitian Jack.” Agnant.

Tupac notou Haitian Jack em um clube de Manhattan, cercado de mulheres e champanhe, e pediu para se envolver. Eles também passaram o tempo em um bar no Queens, onde Jack iria trazer celebridades, incluindo Madonna, Shabba Ranks e o músico jamaicano Buju Banton. (Tupac namorou brevemente Madonna, depois que Rosie Perez os apresentou no 1993 Soul Train Awards em Los Angeles). Biggie, que correu nos mesmos círculos que Haitian Jack e seus associados, advertiu Tupac para manter distância dele, sem sucesso. Tupac gostava da presunção de Jack. Ele introduziu o repper para jóias de alta qualidade e roupas da Versace, bem como os gangstas locais que chamaram os tiros. “Eu amei o respeito e o reconhecimento que recebi em Nova York, e eu acho que ele queria o mesmo respeito”, disse Haitian Jack.

Os dois estavam participando de um clube de Manhattan chamado Nell em Novembro de 1993, onde Tupac conheceu uma mulher de 19 anos chamada Ayanna Jackson. Eles chegaram perto da pista de dança e voltaram para sua suíte no Le Parker Meridien Hotel. Quatro dias depois, ela se encontrou com ele no hotel novamente, apenas para encontrar não apenas Tupac, mas Haitian Jack, o gerente de estrada de Tupac, Charles “Man Man” Fuller e outro homem que não foi identificado. Lá, ela alegou que o grupo a violou e a forçou a praticar sexo oral. Tupac afirmou que ele saiu do quarto quando os outros homens entraram e adormeceram. Ela chamou a polícia, e Tupac, Haitian Jack e Fuller foram presos. A polícia também encontrou armas, que Tupac mais tarde reivindicou que pertenciam a Biggie.

A acusação alegou que Tupac, acusado de abuso sexual, sodomia e posse ilegal de armas, ofereceu Jackson “como recompensa por seus meninos”. Tupac negou isso, mas depois do julgamento disse a Vibe que ele se responsabilizou por “não fazer nada” para proteger Jackson dos outros homens. Antes do início do julgamento, os casos de Tupac e Fuller foram cortados de Haitian Jack; em um acordo que Tupac e seu advogado consideraram muito bom para ser verdade, Jack se declarou culpado de dois delitos menores e evitou a prisão. Acreditando que Haitian Jack era um idiota, Tupac disse a um repórter do Daily News de Nova York que Jack o havia armado tudo. (Ayanna Jackson e Haitian Jack negaram isso.)

Chamar um gangster de renome na imprensa não é mole. Mas, ironicamente, depois de passar tanto tempo com Jack e sua história, Tupac começou a se sentir invencível. Ele ia aonde queria, usando jóias atraentes que valiam milhares de dólares. Seguro em suas credenciais de rua, ele estava convencido de que ninguém iria mexer com ele.

Apoiando sua família extensa e pagando advogados por sua interminável série de processos judiciais, as contas bancárias de Tupac desapareceram. No final de 1994, ele concordou em gravar um verso convidado para um repper chamado Little Shawn, que estava com Puffy e Biggie. O convite veio do gerente de Little Shawn, Jimmy “Henchman” Rosemond, a quem Tupac se encontrou através de Haitian Jack, e Tupac deveria pagar $7,000 dólares.


Tupac começou a se sentir invencível.

Em 30 de Novembro de 1994, Tupac chegou cheio de jóias para o Quad Recording Studios na Times Square. Ele chegou com três associados, nenhum dos quais eram guarda-costas, e encontrou três outros homens que não conhecia, vestindo roupas camufladas. Esta era a moda do Brooklyn — o lar de Biggie —, então Tupac supôs que estavam com ele. Ele sentiu-se melhor sobre a situação quando o repper afiliado de Biggie, Lil’ Cease, gritou para ele que Biggie estava gravando no andar de cima. Puffy também estava lá.

Mas antes que a equipe de Tupac pudesse entrar no elevador, os homens vestidos de camuflado anunciaram e puxaram armas de 9mm e ordenaram para que fossem para o chão. Em vez disso, Tupac puxou sua própria arma. Ele foi baleado, espancado e teve suas jóias roubadas. Ele se fingiu de morto, e os assaltantes partiram, conseguindo chamar o elevador e subiu no andar de cima. Quando as portas se abriram, ele viu um grupo, incluindo Puffy, Biggie e Henchman. Tupac disse que a equipe parecia surpresa e culpada, mas Puffy afirmou que o mostraram “nada além de amor e preocupação.”

Tupac acreditava que o incidente era mais que um golpe aleatório. “Era como se eles estivessem bravos comigo”, ele disse. Ele afirmou ter sido baleado por cinco balas, incluindo tiros na cabeça e através de seu escroto, embora a evidência forense sugerisse que ele provavelmente atirou em si.

Bill Courtney, um policial aposentado do N.Y.P.D. que também trabalhou em casos do hip-hop, acreditava que o assalto a mão armada foi uma resposta aos comentários de Tupac ao Daily News contra Haitian Jack. “Uma mensagem estava sendo enviada a ele para não caguetar”, ele disse.

“Ninguém estava lá para roubá-lo”, disse Henchman à Vibe em 2005. “Eles foram lá para discipliná-lo.”

Puffy e Biggie negaram seu envolvimento no crime, ou qualquer conhecimento prévio disso. Haitian Jack também afirmou que não estava envolvido, e depois de uma condenação separada foi deportado para o Haiti em 2007.



Em 1 de Dezembro de 1994, Tupac chegou a uma sala de tribunal da cidade de Nova York vestindo ataduras e confinado a uma cadeira de rodas e foi declarado culpado de abuso sexual no caso Ayanna Jackson, embora absolvido pela sodomia e pelas acusações de armas. Sentenciado a um mínimo de um ano e meio na prisão, pendente de recurso, sua fiança foi fixada em $3 milhões de dólares.

Incapaz de aumentar a fiança, Tupac serviu a maior parte do tempo na Clinton Correctional Facility, uma prisão de segurança máxima no estado de Nova York. Me Against the World, o terceiro álbum de Tupac, foi lançado logo após o início da prisão. Tupac considerou sua música como algo em segundo plano; ele estava cansado de todo o drama da indústria da música. Mas sua paixão reiniciou depois que um rumor perturbador começou a ganhar força, de pessoas que ele confiava: Biggie sabia antecipadamente sobre o tiroteio do Quad.

“Ele me devia mais do que virar a cabeça e agir como se ele não soubesse que niggas estavam prestes a tirar na minha cabeça”, ele disse mais tarde. E mesmo que Biggie não tivesse armado tudo isso, ele deveria, pelo menos, ter conseguido descobrir quem fez isso. “Você não sabe quem me matou na sua cidade natal, esses niggas do seu bairro?”

Do jeito que Tupac via, seu próprio amigo o traiu — um amigo que Tupac ajudou a conquistar fama e fortuna.



Enquanto estava na prisão, Tupac perguntou a sua esposa Keisha Morris (a quem ele estava casado enquanto estava preso) para transmitir uma mensagem para Suge Knight, o chefe da rotina volátil Death Row Records: Ele estava quebrado e precisava de ajuda. Além das taxas dos advogados e tudo mais, sua mãe estava perdendo sua casa.

“Suge enviou $15,000 e o colocou em seus livros”, disse Reggie Wright, Jr., chefe de segurança da Death Row. Tupac estava jubiloso e enviou a Suge outra mensagem, que gostaria de vê-lo.

Poucos lugares nos EUA estavam mais distantes de Los Angeles do que Dannemora, Nova York, onde Tupac estava preso, mas Suge começou a agir. Além disso, Death Row ofereceu-lhe algo que ninguém mais parecia ser capaz de entregar: liberdade. O advogado David Kerner da Death Row prometeu ajudar Tupac com seu caso e começou a trabalhar para levá-lo a uma ligação de recurso.

Suge não tentou apenas recrutar Tupac para o seu selo, ele ofereceu-lhe um lugar na família, a família mais poderosa e fora de controle no hip-hop.



Tupac ainda estava preso em Agosto de 1995, quando Suge foi visitá-lo novamente. Imediatamente depois, Suge dirigiu-se para a cidade de Nova York, onde, no dia 3 de Agosto, o show de premiação anual da revista hip-hop, The Source, foi realizado no Paramount Theatre do Madison Square Garden. Death Row gastou cerca de $100,000 dólares em seu show de palco de abertura, que incluía réplicas de células-reais de tamanho real.

Com seu peito inchado, Suge subiu ao palco para aceitar o prêmio de seu selo para a melhor trilha sonora, para Above the Rim. Com um olhar fedorento para o público, ele abriu uma perna pontiaguda sobre Puffy, o cabeça da Bad Boy, o selo de Biggie Smalls. Aludindo à tendência de Puffy de aparecer nas obras de seus artistas, Suge disse: “Qualquer artista lá fora que quiser se tornar uma estrela, não precisa se preocupar com produtor executivo tentando aparecer em todas as músicas, em todos os vídeos, dançando neles e tal, venha para a Death Row!”

O local entrou em erupção com tantas vaias. Por que você faria isso? O repper da Death Row Nate Dogg pensou para si mesmo.

O que inspirou o estranho ataque de Suge? Afinal, ele e Puffy eram legais um com o outro até recentemente. Eles discutiram como evitar que os federais os seguissem e, no início de 1995, Suge até convidou Biggie Smalls para se apresentar no seu Club 662 em Las Vegas. O show nunca rolou, mas isso não prejudicou seu relacionamento.

O que azedava era Tupac.

Suge tinha voado direto para o Source Awards após visitar Tupac na prisão. Foi aí que Tupac não só concordou em se juntar a Death Row, mas onde ele contou a Suge sobre sua raiva com Biggie. “Eu preciso de você para agir comigo, porque vou destruir a Bad Boy Records. Eu acredito que eles tiveram algo a ver com o tiroteio”, disse Tupac a Suge, de acordo com Reggie Wright, Jr. Suge prometeu sua lealdade. Os inimigos de Tupac seriam seus inimigos.




As linhas de batalha foram desenhadas, e os Source Awards foram os primeiros tiros no que seria conhecido como as guerras de hip hop do Costa Leste vs. Costa Oeste. Embora não haja provas de que Biggie ou Puffy soubessem sobre o tiroteio de Tupac com antecedência, a crença de Tupac de que esse era o caso — e sua capacidade de convencer Suge — era um conflito que acabaria por reivindicar a vida de Tupac e Biggie. Os seus assassinatos permanecem sem solução.




Manancial: VICE

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