PABLO ESCOBAR, MEU PAI – CAPÍTULO 2: Onde ficou o dinheiro?
O conteúdo aqui traduzido foi tirado do livro Pablo Escobar, meu pai, de seu filho, Juan Sebastián Marroquín, sem a intenção de obter fins lucrativos. — RiDuLe Killah
CAPÍTULO 2
ONDE FICOU O DINHEIRO?
Palavras por Juan Sebastián Marroquín
Voltamos para o Residencias Tequendama no dia 3 de Dezembro de 1993, após a dolorosa e acidentada viagem para sepultar meu pai em Medellín. Decidimos seriamente que tentaríamos levar a vida mais normal possível que as circunstâncias permitissem.
Eu, minha mãe e Manuela tínhamos acabado de viver as vinte e quatro horas mais dramáticas de nossas vidas, porque tivemos de lidar não apenas com a dor de perder violentamente o cabeça de nossa família, mas também com um enterro que foi ainda mais traumático.
Foi assim. Horas depois de Ana Montes, a chefe nacional do Ministério Público, ter nos confirmado pessoalmente a morte de meu pai, ligamos para o cemitério Campos de Paz em Medellín e eles se negaram a realizar o funeral. Algo parecido teria ocorrido com o Jardines de Montesacro caso os familiares de nosso advogado na época, Francisco Fernández, não fossem os proprietários do local.
Minha avó Hermilda tinha dois jazigos nesse cemitério, e decidimos sepultar neles meu pai e Álvaro de Jesús Agudelo, o “Limón”, o último guarda-costas que o acompanhava.
Avaliando os riscos de ir ao enterro, pela primeira vez desacatamos uma antiga ordem de meu pai: “Quando eu morrer, não vão ao cemitério, porque algo pode acontecer com vocês lá.” Na época, ele havia dito também que não precisávamos levar-lhe flores, nem visitar seu túmulo.
Ainda assim, minha mãe disse que iria a Medellín “contra a vontade de Pablo”.
– Então vamos todos, e se matarem a gente, que assim seja – eu disse, e alugamos um aviãozinho para ir a Medellín. Dois funcionários do Ministério Público nos escoltaram.
Após aterrissar no aeroporto Olaya Herrera e vencer o assédio de dezenas de jornalistas, que chegaram a se expor ao perigo de atravessar a pista de pouso antes que a aeronave parasse completamente, Manuela e minha mãe foram levadas numa caminhonete vermelha e eu e minha namorada numa preta.
Quando chegamos ao Jardines de Montesacro, fiquei muito surpreso com a multidão ali presente. Testemunhei o amor que as pessoas humildes tinham por meu pai e fiquei muito emocionado ao escutá-las repetir os mesmos coros que cantavam quando ele inaugurava quadras esportivas ou centros de saúde em áreas marginais: “Pablo, Pablo, Pablo”.
De repente, dezenas de pessoas rodearam o carro vermelho quando se dirigia ao lugar em que meu pai seria sepultado e começaram a bater violentamente nele. Preocupado, um dos agentes do Ministério Público me perguntou se eu iria sair do carro; senti que algo ruim poderia acontecer e falei para sairmos dali e irmos para a administração do cemitério, esperar por minha mãe e por minha irmã. Naquele momento, lembrei da advertência de meu pai e decidi que a coisa mais prudente a se fazer era voltar atrás.
Ficamos numa sala, e em poucos minutos chegou uma secretária em pânico, chorando, dizendo que alguém acabara de ligar para anunciar um atentado. Corremos e entramos de novo no carro preto, e não saímos dele até que tudo tivesse acabado. Eu estava ali, a menos de trinta metros, mas não pude comparecer ao enterro, não pude me despedir de meu pai.
Logo minha mãe e Manuela chegaram, e partimos rumo ao aeroporto, para voltar a Bogotá. Sentia-me derrotado, humilhado. Lembro que uns quarteirões antes de chegar ao hotel paramos num semáforo. Do lado de fora, por trás dos vidros blindados do carro, vi um homem gargalhando na calçada, e a seguir observei que ele não tinha as mãos nem os pés. Essa imagem tão pesada me levou a refletir que, se aquele deficiente não tinha perdido a capacidade de rir, que motivo eu tinha para ficar me sentindo tão mal? O rosto daquele desconhecido ficou gravado para sempre em minha memória, como se Deus o tivesse colocado ali para me mandar uma mensagem, dizendo-me para ser forte.
Tendo voltado ao Residencias Tequendama, compreendemos que a tranquilidade que buscávamos após a morte de meu pai era efêmera e que em breve teríamos de enfrentar um dia a dia nebuloso e cheio de incertezas. Sentíamos profunda dor pelo que havia acontecido com meu pai, e o fato de estarmos cercados por agentes secretos e com dezenas de jornalistas à espreita era um indício de que o confinamento naquele hotel no centro de Bogotá seria um verdadeiro tormento.
Ao mesmo tempo, o fantasma da falta de dinheiro surgiu quase de imediato, como um pesadelo. Meu pai estava morto e não tínhamos a quem recorrer para pedir ajuda.
Estávamos hospedados naquele hotel caro de Bogotá desde 29 de Novembro, quando retornamos de uma viagem frustrada à Alemanha, e para minimizar os riscos em nosso entorno tínhamos reservado todo o vigésimo nono andar, embora ocupássemos apenas cinco quartos. Nossa situação econômica se complicou em meados de Dezembro, quando o hotel mandou a primeira fatura da hospedagem e da alimentação, que, para nossa surpresa, incluía o consumo de todos os agentes de segurança do governo.
A soma era astronômica por conta dos excessos de comida e bebida daqueles que tomavam conta de nós. Consumiam camarões, lagostas, mariscos e carnes refinadas, bem como todo tipo de bebidas alcoólicas, especialmente uísque. Pareciam escolher os pratos e as marcas mais caras.
Pagamos a conta, mas a preocupação com a falta de dinheiro só crescia a cada momento, e não havia solução à vista. Até que um dia minhas tias Alba Marina, Luz María, seu marido Leonardo e seus três filhos, Leonardo, Mary Luz e Sara, chegaram ao hotel, e, embora não nos víssemos há meses e a relação familiar fosse distante, a visita acabou nos fazendo muito bem.
Minha irmãzinha finalmente tinha alguém com quem brincar de boneca, pois estava havia praticamente um ano confinada, sem sequer olhar pela janela, sem saber onde estava e sem receber uma explicação de por que havia sempre por perto mais de vinte homens com fuzis, como que esperando uma guerra.
Sentamo-nos à mesa de jantar. Após conversarmos sobre os acontecimentos das semanas anteriores, minha mãe começou a demonstrar sua inquietação com a falta de dinheiro. Falamos sobre o assunto por um bom tempo e, pela atitude compreensiva e generosa que a família de meu pai demostrava, pensei que Alba Marina seria a pessoa adequada para recuperar uma quantia indeterminada em dólares que meu pai havia escondido em dois compartimentos secretos da casa azul. Pareceu-me que era hora de recuperar esses dólares para termos um respiro financeiro.
Sentei na cadeira a seu lado, porém antes de fazer a proposta lembrei que o apartamento em que estávamos hospedados continuava sendo monitorado pelas autoridades, que não apenas haviam grampeado o telefone como também tinham implantado microfones em todos os cantos. Eu havia procurado esses aparelhos até cansar: desmontei luminárias, telefones, móveis e todo tipo de objetos, revirei até as tomadas, mas acabei gerando um curto-circuito que apagou as luzes do andar inteiro.
Optei por sussurrar ao pé do ouvido dela, mas antes liguei a televisão, aumentei muito o volume e contei que uma noite, em meio ao confinamento asfixiante na casa azul, meu pai resolveu fazer um balanço de sua situação econômica. Enquanto todos dormiam, mostrou-me dois lugares da residência, um na sala perto da lareira e outro na área de serviço atrás de uma parede grossa, onde havia mandado construir os compartimentos secretos. Mostrou-me as caixas em que o dinheiro em espécie estava e disse que, além dele e de mim agora, o único que sabia sobre o lugar era o “Gordo”. Depois, acrescentou que nem minha mãe, nem minha irmã e muito menos os irmãos dele deveriam saber daquele segredo. Segundo meu pai – minha tia escutava atentamente o meu relato –, os dois compartimentos secretos continham uma quantia suficiente para vencer a guerra e se recuperar financeiramente. Por isso, advertiu, deveríamos administrar bem o dinheiro. Disse-me também que algum tempo antes havia mandado para seu irmão Roberto 6 milhões de dólares, 3 milhões para os gastos dele na prisão e os outros 3 milhões para que guardasse, como uma poupança para nós. Terminou o discurso me dizendo que, se algo acontecesse com ele, Roberto tinha uma ordem específica de nos entregar esse dinheiro. Finalizei meu relato e fui direto ao ponto:
– Tia, você teria coragem de ir até Medellín no meio dessa guerra e recuperar esse dinheiro escondido nos compartimentos secretos da casa? Não temos outra pessoa a quem pedir esse favor, e para nós é impossível ir até lá.
Ela, que sempre teve fama de ser despachada, disse logo que sim. Então, revelei os lugares exatos onde estavam os dois compartimentos na casa azul, e sugeri que ela não dissesse nada a ninguém, que fosse sozinha, de noite, de preferência num carro que não fosse o dela, desse muitas voltas antes de chegar à casa azul e que vigiasse os espelhos retrovisores para evitar que alguém a seguisse. Por fim, escrevi uma carta na qual dizia ao “Gordo” que minha tia estava autorizada a retirar as caixas com a grana toda. Terminadas as instruções, perguntei se ela não tinha medo de ir buscar o dinheiro.
– Não vejo problema algum... Eu vou atrás desse dinheiro, onde quer que esteja – respondeu, firme.
Minha tia voltou três dias depois, e quando entrou no quarto do hotel seu semblante não era dos melhores. Cumprimentou-nos olhando para baixo e imediatamente pensei que algo devia ter acontecido com o dinheiro. Então, pedi a chave de um dos quartos vazios do vigésimo nono andar e fiquei a sós com ela.
– Juan Pablo, na casa em que o “Gordo” está só tinha alguns dólares e mais nada – disse, de uma vez só.
Fiquei calado por vários minutos, remoendo meu desconcerto. Não duvidei da versão dela de cara; concentrei minha raiva no “Gordo”, o guardião do esconderijo, que certamente teria procurado e procurado incessantemente até encontrar as caixas com a grana.
O desaparecimento do dinheiro nos deixou muitas dúvidas, mas tivemos de ficar calados porque não tínhamos como confrontar a versão contada por minha tia. Até então eu não me atrevia a desconfiar dela e não tinha nada a dizer, pois em diversas ocasiões havia notado que era fiel a meu pai. Contudo, estávamos longe de resolver os assuntos relacionados a dinheiro com meus tios paternos.
Em meados de Março de 1994, três meses depois de nossa chegada ao Residencias Tequendama, alugamos um duplex grande no bairro de Santa Ana, visando reduzir os custos enquanto resolvíamos nossa situação, que continuava precária.
Além da falta cada vez maior de dinheiro, nossas vidas continuavam em perigo, e por isso mantinham à nossa volta o cordão de segurança formado por Dijin, Sijin, DAS e Ministério Público.
Como havia urgência, e já que dávamos praticamente por perdido o conteúdo dos dois compartimentos secretos, resolvemos perguntar para meus tios sobre os 3 milhões de dólares que meu pai havia entregue a Roberto e que eram para nós.
Já imaginávamos que àquela altura eles teriam gastado boa parte do dinheiro. Por exigência nossa, a explicação chegou rápido. E veio por intermédio de minha avó Hermilda e de meus tios Gloria, Alba Marina, Luz María e Argemiro, que chegaram uma tarde ao apartamento em Santa Ana.
Para evitar que os agentes que faziam a segurança no térreo escutassem nossa conversa, reunimo-nos no quarto de minha mãe, no andar de cima. Pegaram várias folhas arrancadas de um caderno, como se fossem as contas de uma lojinha de bairro, nas quais apareciam anotados os gastos dos últimos meses: 300 mil dólares para mobiliar o novo apartamento de minha tia Gloria, 40 mil dólares para um carro para minha tia Gloria, e incontáveis remessas de dinheiro para meu avô Abel, para pagamento de mordomos, conserto de veículos e compra de um carro para repor um dos automóveis que lhe haviam sido apreendidos, entre muitos outros itens.
Enfim, uma lista enorme cujo único fim era justificar que Roberto havia torrado 75% dos dólares que meu pai lhe entregara para guardar. Em outras palavras, Roberto só estava disposto a reconhecer o montante que restara.
Incomodado, questionei a maior parte dos gastos, que mais pareciam excessos sem justificativa alguma, e concentrei minhas críticas no insólito valor dos móveis de minha tia Gloria, que ficou transtornada e indagou se não podia ter o direito de repor as coisas que perdera na guerra. Mas, para além das afetações, a verdade é que as contas eram totalmente despropositadas, porque não era plausível que os móveis custassem mais que o apartamento. Alba Marina reforçou o argumento e disse, sarcasticamente, que não fora com comida que Roberto havia gastado a grana.
O encontro com minha avó e minhas tias acabou do pior jeito, porque eu disse que elas não iriam me convencer com aquele balanço tão “alegre”. Eu tinha clareza de que não recuperaria o dinheiro gasto. Pensei no que então poderia fazer, e lembrei que havia algumas semanas que estávamos recebendo ameaças de ao menos trinta homens que trabalharam para meu pai, ficaram à deriva após sua morte e estavam presos. Então, para evitar mais problemas com eles, pedimos a Roberto que ajudasse esses rapazes e suas famílias com o dinheiro.
Conforme meus cálculos, o dinheiro que Roberto tinha daria para um ano. Esse era um compromisso que sentíamos ter para com aqueles que acompanharam meu pai na guerra, que foram detidos e cumpriam longas penas. Meu pai sempre dizia que não se podia deixar as pessoas abandonadas à sua própria sorte numa prisão, que era justamente nessa situação que mais precisavam de ajuda. Eu observava que sempre que alguém lhe dizia “Patrão, fulano caiu”, ele enviava advogados para defender a pessoa e dava dinheiro para a família. Foi assim que agiu com todos que iam caindo por participar de seus crimes.
Porém, como o que começa mal acaba mal, o uso desse dinheiro haveria de se tornar uma nova dor de cabeça para nós e, de quebra, seria a fagulha que pioraria ainda mais as relações com meus parentes, que a cada dia se deterioravam mais.
Semanas após o fatídico encontro, começaram a chegar notícias vindas de algumas prisões e que nos deixaram muito preocupados. Um dos relatos indicava que minha avó Hermilda visitara vários dos homens que trabalharam para meu pai e lhes dissera que o dinheiro que estavam recebendo vinha da parte de Roberto.
Vi-me na obrigação de enviar cartas a várias prisões, nas quais contava a verdade e pedia a eles que a transmitissem para os demais detentos: que os filhos e a esposa de Pablo haviam solicitado a Roberto que os ajudassem com aqueles recursos. Eu sabia que a única maneira de conseguir que Roberto devolvesse aquela grana era fazê-lo reparti-la entre os presos.
Enquanto isso, e como era de esperar, logo começaram os problemas com os criminosos que trabalharam para meu pai, porque o dinheiro que Roberto estava mandando parou de chegar. Inquieto, liguei para ele indagando o que havia acontecido, e Roberto não teve a menor vergonha de dizer que o dinheiro havia sido suficiente para apenas cinco meses.
A primeira mensagem que refletia a insatisfação dos antigos capangas de meu pai chegou no fim de Abril de 1994, quando recebemos uma carta na qual vários deles se queixavam de não receberem ajuda havia um mês, e diziam que não tinham como sustentar suas famílias nem suas defesas, que haviam dado tudo pelo “Patrão” e que nós éramos uns ingratos, pois, como Roberto lhes dissera, não mandaríamos mais dinheiro.
Como havia na mensagem uma ameaça velada, mandei uma resposta a eles, na qual explicava que o dinheiro que haviam recebido até então não era de meu tio, e sim de meu pai: “Todos os salários, advogados, toda a comida de vocês foram pagos até agora com o dinheiro do meu pai, e não do Roberto. Que isso fique bem claro. [...] Não é culpa nossa que Roberto tenha acabado com o dinheiro. Quando nos disseram por que a grana havia acabado, a explicação era que minha tia Gloria tivera de gastar tudo, mas para nós nunca ficou claro para as mãos de quem esse dinheiro foi.”
Roberto deve ter ficado sabendo disso, porque poucos dias depois de minha carta ele mandou um bilhete a minha mãe por conta do Dia das Mães. Sua caligrafia transparecia claramente as sequelas do atentado que sofrera em Dezembro. “Tata, não sou mais o mesmo de antes; estou muito deprimido por causa de tudo o que estou passando, embora eu tenha melhorado um pouco, mas já são cinco meses de sofrimento pelo que aconteceu com meu irmão e também comigo. Não dê bola para as fofocas, tem muita gente que não nos quer bem. Tenho muitas coisas para falar com você, mas meu estado atual me deixa muito depressivo.”
A discussão em família por conta do sustento dos presos do cartel de Medellín logo chegou aos ouvidos de Iván Urdinola, um dos capos do cartel do norte do Valle, com quem minha mãe tinha se encontrado algumas vezes no presídio Modelo de Bogotá.
Em papel timbrado com seu nome, Iván Urdinola enviou uma carta a minha mãe em que usava um tom cordial e ao mesmo tempo peremptório: “Senhora, a presente carta é para dizer que por favor esclareça todos os mal-entendidos com a família Escobar, e que esses rapazes não têm culpa do problema do Roberto; por favor, colabore com eles, porque todos estamos aqui para isso, e você é a mais próxima e a cabeça da família. Enquanto não der um jeito nisso, terá problemas. E vá à reunião de Cali para que isso tudo acabe.”
E tinha mais. Na manhã do dia 19 de Agosto de 1994, eu estava deitado em minha cama quando chegou um fax que me deu um frio na espinha. Era uma carta de vários dos “rapazes” que trabalharam para meu pai, detidos na prisão de Itagüí, e que continha graves acusações contra meu tio Roberto:
“Dona Victoria, saudações especiais para a senhora e por favor mande lembranças para Juancho e Manuela. Escrevemos para esclarecer certos rumores por parte do senhor Roberto Escobar. Estamos mandando explicações a você porque percebemos o que ele realmente pretendia ao enviar sua irmã Gloria para ‘dedurar’ o Juancho. Através do Rey mandamos dizer a ele que, caso não se retratasse por certas coisas, levaria aquilo a cabo. Queremos que nossa posição fique muito clara: aqui ninguém gosta desse jogo de mentiras e abuso, não queremos conflitos com ninguém, só queremos viver em paz.
Após aterrissar no aeroporto Olaya Herrera e vencer o assédio de dezenas de jornalistas, que chegaram a se expor ao perigo de atravessar a pista de pouso antes que a aeronave parasse completamente, Manuela e minha mãe foram levadas numa caminhonete vermelha e eu e minha namorada numa preta.
Quando chegamos ao Jardines de Montesacro, fiquei muito surpreso com a multidão ali presente. Testemunhei o amor que as pessoas humildes tinham por meu pai e fiquei muito emocionado ao escutá-las repetir os mesmos coros que cantavam quando ele inaugurava quadras esportivas ou centros de saúde em áreas marginais: “Pablo, Pablo, Pablo”.
De repente, dezenas de pessoas rodearam o carro vermelho quando se dirigia ao lugar em que meu pai seria sepultado e começaram a bater violentamente nele. Preocupado, um dos agentes do Ministério Público me perguntou se eu iria sair do carro; senti que algo ruim poderia acontecer e falei para sairmos dali e irmos para a administração do cemitério, esperar por minha mãe e por minha irmã. Naquele momento, lembrei da advertência de meu pai e decidi que a coisa mais prudente a se fazer era voltar atrás.
Ficamos numa sala, e em poucos minutos chegou uma secretária em pânico, chorando, dizendo que alguém acabara de ligar para anunciar um atentado. Corremos e entramos de novo no carro preto, e não saímos dele até que tudo tivesse acabado. Eu estava ali, a menos de trinta metros, mas não pude comparecer ao enterro, não pude me despedir de meu pai.
Logo minha mãe e Manuela chegaram, e partimos rumo ao aeroporto, para voltar a Bogotá. Sentia-me derrotado, humilhado. Lembro que uns quarteirões antes de chegar ao hotel paramos num semáforo. Do lado de fora, por trás dos vidros blindados do carro, vi um homem gargalhando na calçada, e a seguir observei que ele não tinha as mãos nem os pés. Essa imagem tão pesada me levou a refletir que, se aquele deficiente não tinha perdido a capacidade de rir, que motivo eu tinha para ficar me sentindo tão mal? O rosto daquele desconhecido ficou gravado para sempre em minha memória, como se Deus o tivesse colocado ali para me mandar uma mensagem, dizendo-me para ser forte.
Tendo voltado ao Residencias Tequendama, compreendemos que a tranquilidade que buscávamos após a morte de meu pai era efêmera e que em breve teríamos de enfrentar um dia a dia nebuloso e cheio de incertezas. Sentíamos profunda dor pelo que havia acontecido com meu pai, e o fato de estarmos cercados por agentes secretos e com dezenas de jornalistas à espreita era um indício de que o confinamento naquele hotel no centro de Bogotá seria um verdadeiro tormento.
Ao mesmo tempo, o fantasma da falta de dinheiro surgiu quase de imediato, como um pesadelo. Meu pai estava morto e não tínhamos a quem recorrer para pedir ajuda.
Estávamos hospedados naquele hotel caro de Bogotá desde 29 de Novembro, quando retornamos de uma viagem frustrada à Alemanha, e para minimizar os riscos em nosso entorno tínhamos reservado todo o vigésimo nono andar, embora ocupássemos apenas cinco quartos. Nossa situação econômica se complicou em meados de Dezembro, quando o hotel mandou a primeira fatura da hospedagem e da alimentação, que, para nossa surpresa, incluía o consumo de todos os agentes de segurança do governo.
A soma era astronômica por conta dos excessos de comida e bebida daqueles que tomavam conta de nós. Consumiam camarões, lagostas, mariscos e carnes refinadas, bem como todo tipo de bebidas alcoólicas, especialmente uísque. Pareciam escolher os pratos e as marcas mais caras.
Pagamos a conta, mas a preocupação com a falta de dinheiro só crescia a cada momento, e não havia solução à vista. Até que um dia minhas tias Alba Marina, Luz María, seu marido Leonardo e seus três filhos, Leonardo, Mary Luz e Sara, chegaram ao hotel, e, embora não nos víssemos há meses e a relação familiar fosse distante, a visita acabou nos fazendo muito bem.
Minha irmãzinha finalmente tinha alguém com quem brincar de boneca, pois estava havia praticamente um ano confinada, sem sequer olhar pela janela, sem saber onde estava e sem receber uma explicação de por que havia sempre por perto mais de vinte homens com fuzis, como que esperando uma guerra.
Sentamo-nos à mesa de jantar. Após conversarmos sobre os acontecimentos das semanas anteriores, minha mãe começou a demonstrar sua inquietação com a falta de dinheiro. Falamos sobre o assunto por um bom tempo e, pela atitude compreensiva e generosa que a família de meu pai demostrava, pensei que Alba Marina seria a pessoa adequada para recuperar uma quantia indeterminada em dólares que meu pai havia escondido em dois compartimentos secretos da casa azul. Pareceu-me que era hora de recuperar esses dólares para termos um respiro financeiro.
Sentei na cadeira a seu lado, porém antes de fazer a proposta lembrei que o apartamento em que estávamos hospedados continuava sendo monitorado pelas autoridades, que não apenas haviam grampeado o telefone como também tinham implantado microfones em todos os cantos. Eu havia procurado esses aparelhos até cansar: desmontei luminárias, telefones, móveis e todo tipo de objetos, revirei até as tomadas, mas acabei gerando um curto-circuito que apagou as luzes do andar inteiro.
Optei por sussurrar ao pé do ouvido dela, mas antes liguei a televisão, aumentei muito o volume e contei que uma noite, em meio ao confinamento asfixiante na casa azul, meu pai resolveu fazer um balanço de sua situação econômica. Enquanto todos dormiam, mostrou-me dois lugares da residência, um na sala perto da lareira e outro na área de serviço atrás de uma parede grossa, onde havia mandado construir os compartimentos secretos. Mostrou-me as caixas em que o dinheiro em espécie estava e disse que, além dele e de mim agora, o único que sabia sobre o lugar era o “Gordo”. Depois, acrescentou que nem minha mãe, nem minha irmã e muito menos os irmãos dele deveriam saber daquele segredo. Segundo meu pai – minha tia escutava atentamente o meu relato –, os dois compartimentos secretos continham uma quantia suficiente para vencer a guerra e se recuperar financeiramente. Por isso, advertiu, deveríamos administrar bem o dinheiro. Disse-me também que algum tempo antes havia mandado para seu irmão Roberto 6 milhões de dólares, 3 milhões para os gastos dele na prisão e os outros 3 milhões para que guardasse, como uma poupança para nós. Terminou o discurso me dizendo que, se algo acontecesse com ele, Roberto tinha uma ordem específica de nos entregar esse dinheiro. Finalizei meu relato e fui direto ao ponto:
– Tia, você teria coragem de ir até Medellín no meio dessa guerra e recuperar esse dinheiro escondido nos compartimentos secretos da casa? Não temos outra pessoa a quem pedir esse favor, e para nós é impossível ir até lá.
Ela, que sempre teve fama de ser despachada, disse logo que sim. Então, revelei os lugares exatos onde estavam os dois compartimentos na casa azul, e sugeri que ela não dissesse nada a ninguém, que fosse sozinha, de noite, de preferência num carro que não fosse o dela, desse muitas voltas antes de chegar à casa azul e que vigiasse os espelhos retrovisores para evitar que alguém a seguisse. Por fim, escrevi uma carta na qual dizia ao “Gordo” que minha tia estava autorizada a retirar as caixas com a grana toda. Terminadas as instruções, perguntei se ela não tinha medo de ir buscar o dinheiro.
– Não vejo problema algum... Eu vou atrás desse dinheiro, onde quer que esteja – respondeu, firme.
Minha tia voltou três dias depois, e quando entrou no quarto do hotel seu semblante não era dos melhores. Cumprimentou-nos olhando para baixo e imediatamente pensei que algo devia ter acontecido com o dinheiro. Então, pedi a chave de um dos quartos vazios do vigésimo nono andar e fiquei a sós com ela.
– Juan Pablo, na casa em que o “Gordo” está só tinha alguns dólares e mais nada – disse, de uma vez só.
Fiquei calado por vários minutos, remoendo meu desconcerto. Não duvidei da versão dela de cara; concentrei minha raiva no “Gordo”, o guardião do esconderijo, que certamente teria procurado e procurado incessantemente até encontrar as caixas com a grana.
O desaparecimento do dinheiro nos deixou muitas dúvidas, mas tivemos de ficar calados porque não tínhamos como confrontar a versão contada por minha tia. Até então eu não me atrevia a desconfiar dela e não tinha nada a dizer, pois em diversas ocasiões havia notado que era fiel a meu pai. Contudo, estávamos longe de resolver os assuntos relacionados a dinheiro com meus tios paternos.
Em meados de Março de 1994, três meses depois de nossa chegada ao Residencias Tequendama, alugamos um duplex grande no bairro de Santa Ana, visando reduzir os custos enquanto resolvíamos nossa situação, que continuava precária.
Além da falta cada vez maior de dinheiro, nossas vidas continuavam em perigo, e por isso mantinham à nossa volta o cordão de segurança formado por Dijin, Sijin, DAS e Ministério Público.
Como havia urgência, e já que dávamos praticamente por perdido o conteúdo dos dois compartimentos secretos, resolvemos perguntar para meus tios sobre os 3 milhões de dólares que meu pai havia entregue a Roberto e que eram para nós.
Já imaginávamos que àquela altura eles teriam gastado boa parte do dinheiro. Por exigência nossa, a explicação chegou rápido. E veio por intermédio de minha avó Hermilda e de meus tios Gloria, Alba Marina, Luz María e Argemiro, que chegaram uma tarde ao apartamento em Santa Ana.
Para evitar que os agentes que faziam a segurança no térreo escutassem nossa conversa, reunimo-nos no quarto de minha mãe, no andar de cima. Pegaram várias folhas arrancadas de um caderno, como se fossem as contas de uma lojinha de bairro, nas quais apareciam anotados os gastos dos últimos meses: 300 mil dólares para mobiliar o novo apartamento de minha tia Gloria, 40 mil dólares para um carro para minha tia Gloria, e incontáveis remessas de dinheiro para meu avô Abel, para pagamento de mordomos, conserto de veículos e compra de um carro para repor um dos automóveis que lhe haviam sido apreendidos, entre muitos outros itens.
Enfim, uma lista enorme cujo único fim era justificar que Roberto havia torrado 75% dos dólares que meu pai lhe entregara para guardar. Em outras palavras, Roberto só estava disposto a reconhecer o montante que restara.
Incomodado, questionei a maior parte dos gastos, que mais pareciam excessos sem justificativa alguma, e concentrei minhas críticas no insólito valor dos móveis de minha tia Gloria, que ficou transtornada e indagou se não podia ter o direito de repor as coisas que perdera na guerra. Mas, para além das afetações, a verdade é que as contas eram totalmente despropositadas, porque não era plausível que os móveis custassem mais que o apartamento. Alba Marina reforçou o argumento e disse, sarcasticamente, que não fora com comida que Roberto havia gastado a grana.
O encontro com minha avó e minhas tias acabou do pior jeito, porque eu disse que elas não iriam me convencer com aquele balanço tão “alegre”. Eu tinha clareza de que não recuperaria o dinheiro gasto. Pensei no que então poderia fazer, e lembrei que havia algumas semanas que estávamos recebendo ameaças de ao menos trinta homens que trabalharam para meu pai, ficaram à deriva após sua morte e estavam presos. Então, para evitar mais problemas com eles, pedimos a Roberto que ajudasse esses rapazes e suas famílias com o dinheiro.
Conforme meus cálculos, o dinheiro que Roberto tinha daria para um ano. Esse era um compromisso que sentíamos ter para com aqueles que acompanharam meu pai na guerra, que foram detidos e cumpriam longas penas. Meu pai sempre dizia que não se podia deixar as pessoas abandonadas à sua própria sorte numa prisão, que era justamente nessa situação que mais precisavam de ajuda. Eu observava que sempre que alguém lhe dizia “Patrão, fulano caiu”, ele enviava advogados para defender a pessoa e dava dinheiro para a família. Foi assim que agiu com todos que iam caindo por participar de seus crimes.
Porém, como o que começa mal acaba mal, o uso desse dinheiro haveria de se tornar uma nova dor de cabeça para nós e, de quebra, seria a fagulha que pioraria ainda mais as relações com meus parentes, que a cada dia se deterioravam mais.
Semanas após o fatídico encontro, começaram a chegar notícias vindas de algumas prisões e que nos deixaram muito preocupados. Um dos relatos indicava que minha avó Hermilda visitara vários dos homens que trabalharam para meu pai e lhes dissera que o dinheiro que estavam recebendo vinha da parte de Roberto.
Vi-me na obrigação de enviar cartas a várias prisões, nas quais contava a verdade e pedia a eles que a transmitissem para os demais detentos: que os filhos e a esposa de Pablo haviam solicitado a Roberto que os ajudassem com aqueles recursos. Eu sabia que a única maneira de conseguir que Roberto devolvesse aquela grana era fazê-lo reparti-la entre os presos.
Enquanto isso, e como era de esperar, logo começaram os problemas com os criminosos que trabalharam para meu pai, porque o dinheiro que Roberto estava mandando parou de chegar. Inquieto, liguei para ele indagando o que havia acontecido, e Roberto não teve a menor vergonha de dizer que o dinheiro havia sido suficiente para apenas cinco meses.
A primeira mensagem que refletia a insatisfação dos antigos capangas de meu pai chegou no fim de Abril de 1994, quando recebemos uma carta na qual vários deles se queixavam de não receberem ajuda havia um mês, e diziam que não tinham como sustentar suas famílias nem suas defesas, que haviam dado tudo pelo “Patrão” e que nós éramos uns ingratos, pois, como Roberto lhes dissera, não mandaríamos mais dinheiro.
Como havia na mensagem uma ameaça velada, mandei uma resposta a eles, na qual explicava que o dinheiro que haviam recebido até então não era de meu tio, e sim de meu pai: “Todos os salários, advogados, toda a comida de vocês foram pagos até agora com o dinheiro do meu pai, e não do Roberto. Que isso fique bem claro. [...] Não é culpa nossa que Roberto tenha acabado com o dinheiro. Quando nos disseram por que a grana havia acabado, a explicação era que minha tia Gloria tivera de gastar tudo, mas para nós nunca ficou claro para as mãos de quem esse dinheiro foi.”
Roberto deve ter ficado sabendo disso, porque poucos dias depois de minha carta ele mandou um bilhete a minha mãe por conta do Dia das Mães. Sua caligrafia transparecia claramente as sequelas do atentado que sofrera em Dezembro. “Tata, não sou mais o mesmo de antes; estou muito deprimido por causa de tudo o que estou passando, embora eu tenha melhorado um pouco, mas já são cinco meses de sofrimento pelo que aconteceu com meu irmão e também comigo. Não dê bola para as fofocas, tem muita gente que não nos quer bem. Tenho muitas coisas para falar com você, mas meu estado atual me deixa muito depressivo.”
A discussão em família por conta do sustento dos presos do cartel de Medellín logo chegou aos ouvidos de Iván Urdinola, um dos capos do cartel do norte do Valle, com quem minha mãe tinha se encontrado algumas vezes no presídio Modelo de Bogotá.
Em papel timbrado com seu nome, Iván Urdinola enviou uma carta a minha mãe em que usava um tom cordial e ao mesmo tempo peremptório: “Senhora, a presente carta é para dizer que por favor esclareça todos os mal-entendidos com a família Escobar, e que esses rapazes não têm culpa do problema do Roberto; por favor, colabore com eles, porque todos estamos aqui para isso, e você é a mais próxima e a cabeça da família. Enquanto não der um jeito nisso, terá problemas. E vá à reunião de Cali para que isso tudo acabe.”
E tinha mais. Na manhã do dia 19 de Agosto de 1994, eu estava deitado em minha cama quando chegou um fax que me deu um frio na espinha. Era uma carta de vários dos “rapazes” que trabalharam para meu pai, detidos na prisão de Itagüí, e que continha graves acusações contra meu tio Roberto:
“Dona Victoria, saudações especiais para a senhora e por favor mande lembranças para Juancho e Manuela. Escrevemos para esclarecer certos rumores por parte do senhor Roberto Escobar. Estamos mandando explicações a você porque percebemos o que ele realmente pretendia ao enviar sua irmã Gloria para ‘dedurar’ o Juancho. Através do Rey mandamos dizer a ele que, caso não se retratasse por certas coisas, levaria aquilo a cabo. Queremos que nossa posição fique muito clara: aqui ninguém gosta desse jogo de mentiras e abuso, não queremos conflitos com ninguém, só queremos viver em paz.
Se ele levar a cabo algo disso é por sua própria conta e risco, porque de nossa parte não vai sair nada para lugar nenhum, porque se fomos fiéis com o patrão também seremos com a senhora.”
A mensagem era assinada por Giovanni ou “a Modelo”, “Comanche”, “Mistério”, “Tato” Avendaño, “Valentín”, “a Garra”, “Icopor”, “Gordo Lambas” e William Cárdenas.
Após ler os nomes dos que subscreviam a mensagem, fiquei preocupado e por isso decidimos contar tudo para o promotor De Greiff, para que ele tentasse neutralizar uma possível armação de meu tio. De Greiff recebeu a mim e a nosso advogado Fernández, e falei para ele sobre minha inquietação, porque não havia dúvidas de que estava em curso um plano para me capturar. Também esclareci para o promotor que alguns dos presos que não assinaram a carta e estavam detidos em Itagüí – Juan Urquijo e “Ñeris” – tinham se aliado a Roberto naquela ação criminosa, e que além do mais pretendiam nos cobrar supostas dívidas de meu pai relacionadas ao tráfico de drogas.
Roberto não esperava que tivéssemos a capacidade ou a coragem para enfrentá-lo, e se sentiu acuado quando fomos a todas as prisões esclarecer que era ele quem detinha o dinheiro – de meu pai – para eles. Não tive outra opção a não ser pegar no ar e me esquivar das pedras que ele me atirava.
Mal tínhamos saído desse momento crítico quando outro evento viria a ocorrer, a respeito do qual o velho ditado de que a mentira tem perna curta cabe muito bem.
Às onze horas da noite de um dia em Setembro de 1994, um agente da Sijin interfonou da portaria do edifício de Santa Ana e disse que havia chegado um senhor que se identificava pelo apelido de “Gordo” e que queria me ver, mas que se negava a dar o número de sua identidade e seu nome, como todos que quisessem falar com qualquer um de nós deveriam fazer.
O policial foi inflexível, algo que não estranhei, porque sempre tivemos a certeza de que, tanto em Altos como no Residencias Tequendama e agora em Santa Ana, aqueles que nos protegiam também trabalhavam para a inteligência, no sentido de determinar que pessoas nos procuravam ou se relacionavam conosco.
A surpresa foi grande, porque tratava-se nada mais nada menos que do guardião do esconderijo da casa azul, a quem eu culpava pelo roubo das caixas com dólares que meu pai havia ocultado por lá. “Já que ele teve a cara de pau de aparecer a uma hora dessas aqui, vou perguntar sobre o dinheiro desaparecido”, pensei. Após uma rápida discussão, consegui convencer o agente da Sijin a deixar o “Gordo” entrar sem os documentos, sob meu próprio risco.
Assim que chegou à porta, onde eu o esperava, o “Gordo” me abraçou e desatou a chorar.
– Juancho, meu irmão, que alegria te ver.
Não pude esconder o desconcerto, porque o abraço e as lágrimas daquele homem me pareceram nobres e sinceros, sem qualquer maldade. Além do mais, chegou vestido como sempre, com sua aparência bonachona e de gente humilde, roupas simples e um tênis prestes a rasgar. Não tinha o aspecto de alguém que poucos meses atrás roubara muitos dólares. Para que iria até nós se aquele dinheiro já tinha resolvido sua vida?
Depois de examiná-lo detidamente, de olhar para ele com algum receio e de escutar com desconfiança o que dizia ter lhe acontecido desde que nós e meu pai abandonamos a casa azul em Novembro de 1993, concluí que continuava sendo o homem fiel que um dia conhecemos.
Depois de vários minutos de conversa na varanda do segundo andar, onde ninguém podia nos escutar, achei que havia chegado o momento de perguntar pelo dinheiro perdido.
– Gordo, me conte o que aconteceu com o compartimento secreto da casa azul. Minha tia foi lá? Você esteve com ela? O que aconteceu com a grana?
– Juancho, recebi a sua tia como você mandou; quando ela me entregou o seu bilhete, fomos aos dois lugares, pegamos as caixas e a ajudei a colocar tudo na caminhonete em que ela tinha ido. Nunca mais soube dela. Eu só vim ver vocês, saber como estavam, porque amo muito vocês e quero me pôr à inteira disposição.
– Pois é, acontece que ela diz que só havia alguns poucos dólares lá.
– É mentira! Eu a ajudei a colocar no carro aquele monte de dinheiro; ficou tão cheio que fazia peso nas rodas de trás; juro que sua tia levou tudo e se você quiser eu fico, e você liga para ela e jogamos isso na cara dela – disse, meio chorando.
– Meu gordinho querido, perdoe a minha desconfiança, mas é que isso que você está contando é inacreditável. Mas acredito no que me diz, e não estranho que minha tia tenha sido capaz de tal coisa.
Manancial: Pablo Escobar, meu pai
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