PABLO ESCOBAR, MEU PAI – CAPÍTULO 11: Política: seu pior erro
CAPÍTULO 11
POLÍTICA: SEU PIOR ERRO
Palavras por Juan Sebastián Marroquín
Minha avó Nora, Josefina (uma boa amiga da família Henao) e Jorge Mesa, prefeito de Envigado, conversavam animadamente na hora do almoço, quando de repente chegaram meu pai e Carlos Lehder.
Sentaram-se à mesa e alguns minutos depois a conversa descambou para a política, que andava muito agitada por aqueles dias de Fevereiro de 1982, pois estavam próximas as eleições que renovariam o Congresso e decidiriam quem seria o novo presidente da República.
Jorge Mesa, pertencente a uma família de líderes políticos regionais, mencionou as possíveis candidaturas tanto ao Congresso quanto à presidência, e sem mais delongas propôs que meu pai mergulhasse de cabeça no mundo da política porque, segundo ele, muita gente o seguiria.
Meu pai ouviu com atenção, e seus gestos mostravam que a ideia o seduzia. A política não era um assunto distante para ele, porque já em 1979 havia conseguido uma vaga na Câmara Municipal de Envigado, pois constava da lista de suplentes apresentada pelo partido político do dirigente antioquenho William Vélez. Nessa ocasião, tomou posse como vereador, mas compareceu a apenas duas sessões e cedeu o posto para um novo suplente.
Todavia, antes que pudessem avançar na discussão da proposta do prefeito, minha avó Nora se pôs de pé, claramente contrariada, e disse:
– Pablo, você se esqueceu quem é e o que faz da vida? Se você se meter a virar político não vai sobrar canto do mundo para se esconder; e vai acabar botando todos nós para correr, vai estragar a nossa vida. Pense no seu filho, na sua família.
Após ouvir o comentário ríspido, meu pai também ficou de pé, deu uma volta na sala de jantar e, com seu típico ar de autossuficiência, respondeu:
– Minha sogra, fica tranquila que tudo que eu faço, faço bem-feito; já paguei para um pessoal do F-2 sumir com as ocorrências em que eu apareço mencionado.
Lehder mantinha silêncio, enquanto Mesa e Josefina insistiam que meu pai tinha muitos eleitores garantidos porque as pessoas eram gratas por seu investimento na construção e na iluminação de locais para a prática de esporte, como campos de futebol, basquete e vôlei, e em menor número em velódromos e parques de patins, centros de saúde, bem como por ter plantado milhares de árvores em zonas degradadas de Medellín, Envigado e de outros municípios do Valle de Aburrá.
O projeto todo consistia em construir quarenta estruturas em muito pouco tempo, e para tanto encarregou Gustavo Upegui – a quem chamavam de Major porque havia sido oficial da polícia – e Fernando, o “Animalero”. Naquele momento, meu pai já havia inaugurado uma dúzia de campos de futebol nos municípios de La Estrella, Caldas, Itagüí e Bello, e nos bairros de Campo Valdés, Moravia, El Dorado, Manrique e Castilla, em Medellín. Meu pai queria ajudar esses lugares, dando opção para crianças e jovens se envolverem com o esporte, e não – paradoxalmente – com as drogas e o crime.
Eu e minha mãe às vezes íamos com ele para dar o pontapé inicial nos jogos que marcavam a inauguração dos campos de futebol. Chamavam-nos a atenção as arquibancadas sempre lotadas de pessoas, que aplaudiam meu pai pelas obras sociais que fazia e que beneficiavam a comunidade.
Os seguranças de meu pai nos protegiam da multidão, que era difícil de controlar, porque muitos queriam se aproximar para cumprimentá-lo. Eu era muito pequeno e algumas vezes me assustava diante daquilo.
Foi nessa época que meu pai conheceu o padre Elías Lopera, pároco da igreja de Santa Teresita de Medellín, e ficaram muito próximos. O religioso gostou do espírito compassivo de meu pai, e daquele momento em diante foi com ele a diversos cantos de Antioquia. Por muito tempo estariam juntos nas obras sociais e nas campanhas políticas.
Em 26 de Junho de 1981, num dia de plantação de árvores no bairro de Moravia, meu pai pronunciou um discurso após o padre Elias ter agradecido sua generosidade e pedido que o aplaudissem. Ali, pela primeira vez, atacou ferozmente o jornal El Espectador de Bogotá:
– Já vi o jornal El Colombiano de Medellín fazendo belas campanhas cívicas e sociais, mas nunca vi nada parecido em meios de comunicação como o El Espectador, que representa a voz da oligarquia colombiana, que tem como bandeira e filosofia atacar de maneira desonesta e cínica as pessoas; mas o mais lamentável é que essa empresa jornalística distorce as notícias, injetando veneno mórbido e atacando as pessoas. Essa empresa jornalística não leva em conta o fato de que as pessoas têm valores, não leva em conta que as pessoas têm família e não leva em conta que as pessoas às vezes têm o apoio e o respaldo da comunidade.
Além dessas obras, meu pai estava havia mais de um ano numa campanha pública contra o acordo de extradição firmado com os Estados Unidos em Março de 1970 pelo presidente Julio César Turbay, porque considerava humilhante que a nação entregasse seus cidadãos à Justiça de outro país. Ele já tinha estudado a fundo o tema – isso que nem tinha recebido a ordem de extradição ainda e tampouco possuía pendências com a Justiça.
Meu pai fez da extradição sua bandeira e assim começou a organizar reuniões na discoteca Kevins e no restaurante La Rinconada, no município de Copacabana. Esses encontros informais ele batizou com o retumbante nome de Fórum Nacional dos Extraditáveis, que rapidamente deixaram de ser reuniões comuns e corriqueiras.
Pouco a pouco, a luta contra a extradição se tornou conhecida e isso o animou a convocar a nata da máfia do país para um encontro no La Rinconada. Compareceram cerca de cinquenta mafiosos do Valle, de Bogotá, Antioquia e da Costa Atlántica, entre eles os irmãos Miguel e Gilberto Rodríguez Orejuela e José “Chepe” Santacruz. Quem se ausentava era malvisto, porque aquilo ali se tratava de encontrar um consenso entre a máfia de todo o país com o único propósito de abolir a extradição. É preciso deixar claro que nenhum deles era ainda reconhecido como narcotraficante, e tampouco possuíam antecedentes judiciais ou processos penais contra eles. Eram “prósperos empresários”, como diziam a seu respeito as altas camadas da sociedade, que queriam fazer negócios com eles, sim, mas não tirar fotos.
Meu pai quis dar importância ao evento e por isso deu um jeito de conhecer e convidar Virginia Vallejo, uma apresentadora de televisão que o tinha deixado deslumbrado por seu porte e por sua segurança ao falar. Ela se tornou a moderadora daqueles encontros, e a partir de então mantiveram um relacionamento de paixão tórrida, que logo ganhou também contornos comerciais.
Naquela noite, sentaram-se à mesa principal meu pai, Virginia Vallejo e o ex-juiz Humberto Barrera Domínguez, que fez uma longa dissertação sobre a gravidade do assunto e sobre as consequências que o grupo mafioso enfrentaria com o acordo assinado por Turbay.
No apartamento de minha avó Nora, a discussão a respeito de se a entrada de meu pai na política convinha ou não já durava duas horas. Até que ele finalmente cedeu à tentação e aceitou ser colocado como primeiro suplente na lista encabeçada pelo advogado Jairo Ortega para a Câmara dos Deputados pelo Movimento de Renovação Liberal, o MRL. Meu pai soube então que o MRL já havia aderido à candidatura de Luis Carlos Galán pelo Novo Liberalismo. Ele achou bom, pois tinha Galán em alta conta, por sua trajetória política e por sua grande capacidade oratória, mas sobretudo por suas idéias.
Meu pai levou tão a sério a candidatura que três dias depois realizou seu primeiro comício no bairro de La Paz, onde pronunciou um discurso de pé no teto de um Mercedes. Diante de mil pessoas ali presentes, entre elas alguns velhos companheiros de farra e de delitos, disse que sempre teria um afeto especial por aquele bairro, e se comprometeu, casso fosse eleito, a trabalhar pelos pobres de Envigado e de Antioquia.
A campanha relâmpago havia começado e meu pai acelerou a inauguração de campos de futebol e o plantio de árvores nas montanhas do Valle de Aburrá.
Num desses muitos encontros que fez ao longo das oito semanas de campanha, um homem, parecendo bêbado, começou a xingar os políticos que não cumpriam suas promessas e apontou o dedo para meu pai, que ficou furioso. De acordo com o relato de vários de seus guarda-costas, dois policiais tiraram dali o desbocado a empurrões, soltaram-no perto do bairro de La Aguacatala e o entregaram aos capangas de meu pai, que o fuzilaram.
Com o passar dos dias, meu pai foi ganhando confiança na esfera pública e, numa manifestação no parque principal do município de Caldas, Antioquia, falou ferozmente contra a extradição e pediu ao governo a revogação do acordo feito com os Estados Unidos. Seu discurso tinha um viés nacionalista, a linguagem que usava era simples e focava claramente no eleitor de camadas mais humildes.
Mas o impulso da campanha foi freado bruscamente numa noite em que Galán presidiu um comício no parque Berrío, no centro de Medellín, no qual repudiou a adesão do MRL ao Novo Liberalismo na campanha pelo Congresso. Em outras palavras, expulsou Ortega e meu pai; horas depois, Galán mandou fechar o escritório do movimento em Envigado e destruir todo o material publicitário. Meu pai ficou furioso com a atitude de Galán e fechou imediatamente a sede de sua campanha.
Ortega recebeu uma mensagem por escrito de Galán, na qual explicava sua decisão: “Não podemos aceitar a vinculação de pessoas cujas atividades vão de encontro a nossos ideais de renovação moral e política do país. Se você não está de acordo com essas condições, eu não poderei permitir que os candidatos de seu partido tenham qualquer vínculo com minha candidatura à presidência.”
Apesar do contratempo, dois dias mais tarde Ortega se reuniu com meu pai e lhe apresentou ao político Alberto Santofimio Botero, de Tolima, líder de um pequeno partido conhecido como Alternativa Liberal, que também tinha seus candidatos ao Congresso. Após conversarem rapidamente, combinaram que Ortega e meu pai se somariam ao grupo de Santofimio, e assim mantiveram suas candidaturas. Selaram a nova aliança num ato público em Medellín: Santofimio e Ortega subiram ao palanque de paletó e gravata e com um cravo vermelho na lapela; meu pai – que detestava formalismos – compareceu ao ato com uma camisa de manga curta, e também ostentando um cravo.
No dia seguinte, o Movimento de Renovação Liberal publicou um anúncio nos jornais regionais no qual dava as boas-vindas a meu pai. “Apoiamos a candidatura de Pablo Escobar à Câmara porque sua juventude, sua inteligência e seu amor pelos menos favorecidos o tornam alguém que deveria ser invejado pelos políticos de carteirinha. Porque ele tem o apoio dos liberais e conservadores do Magdalena Medio, já que tem sido como um messias para esta região.”
A campanha tomou novos ares, e meu pai continuou percorrendo todos os cantos de Medellín e do Valle de Aburrá, até que chegou ao bairro de Moravia justo no momento em que acabavam de apagar as últimas chamas de um incêndio voraz que destruiu dezenas de casebres de papelão, construídos em cima de um lixão malcheiroso e insalubre. Chegando lá, andou pelo caminho por onde passavam os caminhões de lixo, e viu o estrago que o fogo causara. Naquele mesmo dia deu àquelas pessoas colchões, cobertores e todo tipo de ajuda com bens materiais e de necessidade básica.
As dificuldades por que passavam os habitantes de Moravia comoveram meu pai a tal ponto que ele propôs tirá-los de lá e dar-lhes casas de graça. Assim nasceu o Medellín sin Tugurios. Seu plano consistia em construir quinhentas moradias e chegar a cinco mil unidades habitacionais nos dois anos seguintes.
Depois, resolveu angariar fundos para financiar a construção de moradias e organizou uma tourada na praça de La Macarena. O pôster do evento mostra que meu pai levou a sério a coisa, pois queria encher o lugar: trouxe touros de avião de Madri, da ganadaria Los Guateles; contratou dois toureiros famosos, Pepe Cáceres e César Rincón, e convidou os picadores Dayro Chica, Fabio Ochoa, Andrés Vélez e Alberto Uribe; também convidou a miss e vice-miss Colômbia de 1982, Julie Pauline Sáenz e Rocío Luna, entre outras beldades eleitas no concurso nacional de misses de Cartagena.
Toureiros, picadores e misses compareceram sem grandes alardes ao evento, porque o povo observava que o Medellín sin Tugurios já começava a resolver os problemas daqueles que haviam perdido tudo em Moravia.
Além dessas atividades direcionadas para a captação de recursos, meu pai encontrou nos traficantes de drogas uma fonte de financiamento para seu projeto ambicioso. Nessa época, seu escritório era o mais famoso, pois era o mais produtivo e bem-sucedido no transporte de cocaína, e por isso ele não teve dúvidas: resolveu tirar proveito daquela situação, na qual muitos ganhavam, para lhes pedir uma participação financeira. Cada mafioso que chegava a sua sala querendo fazer negócio era recebido com a seguinte frase:
– Com quantas casas você vai colaborar comigo para darmos aos pobres? Quantas posso anotar? Diga logo!
Para ganhar pontos com meu pai, quase todos os traficantes concordaram em dar o dinheiro, porque as rotas garantiam seu futuro econômico. Claro que o medo também os fazia ser generosos nas contribuições. Conforme meu pai me disse um dia, só da máfia ele obteve recursos para construir algo como trezentas moradias.
Ao longo de sua vida, meu pai nunca esqueceu os nomes e os rostos daqueles que se metiam com ele. E, no caso da decisão de Galán de excluí-lo da campanha à Câmara, pôs seus homens para investigarem por que motivos havia agido assim. Descobriu a razão na primeira semana de Março, poucos dias antes da votação. Conforme averiguaram, fora o médico René Mesa que contou para Galán que meu pai era na verdade um poderoso traficante de cocaína.
Meu pai ficou desconcertado, porque conhecia Mesa havia muitos anos, e ele era muito próximo da família. Tanto, que foi ele a realizar a autópsia de Fernando, irmão de meu pai, e de sua namorada, Piedad, quando os dois morreram num acidente de trânsito em Envigado, no rio La Ayurá, na madrugada do dia 25 de Dezembro de 1977.
Ele não perdoou a afronta, e mandou “Chopo”, um de seus pistoleiros mais fatais, para matar Mesa em seu consultório médico em Envigado. Após uma campanha que foi uma verdadeira maratona, em 14 de Março de 1982 meu pai foi eleito deputado. Nesse dia, encontrou-se com Ortega e Santofimio na sede do Movimento de Renovação Liberal. Minha mãe também ficou um bom tempo por lá, mas foi para casa, pois a contagem de votos demorou demais. Meu pai ligou várias vezes para ela a fim de atualizá-la sobre o andamento das eleições.
Assim que a Registradoria Nacional confirmou que meu pai havia sido eleito deputado suplente, minha mãe começou a pensar o que vestiria na posse, no dia 20 de Julho.
Naquela noite, ele chegou radiante em casa e disse a minha mãe:
– Pode se preparar para ser a primeira-dama da nação.
Estava eufórico, e passou boa parte da noite falando de seus projetos, entre eles, criar universidades, construir hospitais, todos, claro, gratuitos. No meio da conversa, meu pai disse que no dia da posse não queria usar terno; entraria no recinto do Congresso de camisa.
Quando o Conselho Nacional Eleitoral endossou a validade da eleição, o então ministro de Governo, Jorge Mario Eastman, expediu a certidão que o reconhecia como deputado suplente na Câmara. O documento tinha um valor adicional: dava a meu pai imunidade parlamentar.
Após a vitória nas eleições, meu pai decidiu que havia chegado a hora de comemorar em grande estilo antes de tomar posse como congressista. E nada melhor do que fazer uma viagem para o Brasil, sinônimo de mulheres, festas e belas paisagens.
Em 12 de Abril, viajamos em mais de vinte pessoas para o Rio de Janeiro, num voo comercial. Estávamos eu, meu pai, minha mãe, minhas tias por parte de mãe com seus maridos e filhos, minha avó Hermilda, meu tio, Gustavo Gaviria, sua esposa e seus pais, Anita e Gustavo. O grupo era tão grande que para ir a cada lugar era necessário um ônibus, e não dava para aproveitar muito porque conseguir uma mesa nos restaurantes ou ingressos para os shows, como o de Roberto Carlos, era uma enorme confusão. Minha mãe não gostou daquele comboio todo.
Nessa viagem houve um fato engraçado que ainda hoje é mencionado na família: quase todos os casais – incluindo meu pai e minha mãe, claro – voltaram brigados de lá, porque os homens fugiam para ver dançarinas e prostitutas em shows ao vivo.
De volta à Colômbia, e enquanto o tráfico de cocaína continuava com liberdade, meu pai mergulhou de cabeça na política. E, como lhe era característico, entrou para brigar de verdade na luta eleitoral que se aproximava.
Faltavam apenas quarenta e cinco dias para as eleições do novo presidente da República, e os candidatos eram o liberal Alfonso López Michelsen – que aspirava à reeleição, pois havia sido presidente entre 1974 e 1978 –, o conservador Belisario Betancur Cuartas, o dissidente Luis Carlos Galán, pelo Novo Liberalismo, e Gerardo Molina, da Frente Democrática, de viés esquerdista.
Fiel a seu velho costume de criar lealdades em troca de dinheiro disfarçado de ajuda desinteressada, meu pai e outros mafiosos decidiram entrar de algum jeito nas campanhas de López e de Betancur. Meu pai propôs que ele desse dinheiro para o lado liberal, e Gustavo Gaviria e “El Mexicano” o fizessem para a candidatura conservadora.
Assim, através do influente engenheiro Santiago Londoño White, coordenador da campanha liberal em Antioquia, meu pai, os irmãos Ochoa, Carlos Lehder e “El Mexicano” se reuniram em uma suíte do hotel Intercontinental de Medellín com López, Ernesto Samper, diretor nacional da campanha, Londoño e outros dirigentes da frente liberal em Antioquia.
Londoño apresentou os capos como prósperos empresários dispostos a ajudar, e depois lhes ofereceu cartelas da rifa de um carro para arrecadar fundospara a campanha. O candidato López ficou apenas dez minutos na reunião, pois tinha de comparecer a outra atividade da campanha na cidade, e deixou Samper encarregado. No fim, meu pai e seus sócios compraram cartelas por um valor próximo a 50 milhões de pesos.
Tempos depois, quando vazou a notícia de que a campanha liberal havia recebido dinheiro da máfia, López e Samper deram versões diferentes do ocorrido. Mesmo assim, a verdade é a que acabo de relatar, porque meu pai me forneceu alguns detalhes.
Prova de sua colaboração na campanha liberal é um texto que ele escreveu quando esteve a ponto de concretizar sua vontade de ter seu próprio jornal, com o qual competiria com os jornais de Bogotá e com alguns regionais de Antioquia.
Chamava-se Fuerza e o número zero circulou entre seus amigos. Nesse exemplar há uma coluna de fofocas políticas intitulada “Estocada”, e numa delas há uma citação de uma frase que meu pai pronunciara num fórum sobre extradição: “Ernesto Samper Pizano atacou o doutor Santofimio ao que parece porque recebia propinas. Mas Pablo Escobar disse a Samper Pizano, no fórum contra a extradição, para ele ter cuidado e não deixar que vissem os 26 milhões de pesos que recebeu na suíte Medellín do hotel Intercontinental para sua campanha política, e também porque planejava legalizar a maconha. Não se preocupe, ‘Sampercito’, que de todo jeito a maconha é legal, meu irmão”.
Enquanto isso, Diego, outro integrante da família Londoño White, que era tesoureiro da campanha conservadora em Antioquia, foi encarregado de gerir a ajuda para a campanha de Betancur. Conforme o relato de pessoas próximas a meu pai, “El Mexicano” pintou de azul seu avião Cheyenne II e o emprestou ao candidato para suas andanças pelo país.
Mas a ajuda não foi apenas em dinheiro. Meu pai e Gustavo contrataram muitos ônibus para transportar eleitores liberais no dia da votação, que ocorreu em 30 de Maio de 1982. Naquela época, a Registradoria Nacional fechava as fronteiras entre os municípios para evitar a votação múltipla, e os dois se encarregaram de levar as pessoas até as seções eleitorais de Envigado e no Centro Comercial Oviedo em Medellín.
No fim, a união conservadora foi determinante para a vitória de Betancur, que foi eleito novo presidente com uma diferença de quatrocentos mil votos para López, que perdeu, entre outras razões, porque a dissidência de Galán lhe tirou muitos eleitores.
Dois meses depois, em 20 de Julho, meu pai assumiu seu posto. Ele e minha mãe chegaram ao Capitólio a bordo de uma luxuosa limusine Mercedes-Benz de cor verde-militar, emprestada por Carlos Lehder, um automóvel que havia pertencido ao ditador italiano Benito Mussolini.
Minha mãe chegou com um vestido vermelho e preto de veludo feito por Valentino, o famoso estilista italiano, mas estava preocupada, pois meu pai se mostrava decidido a passar por cima dos exigentes protocolos de acesso ao Congresso.
Ele achava que podia tudo. Mas não pôde vencer o sério e exigente guarda da entrada, que não lhe permitiu permanecer sem gravata no Congresso, mesmo ele tendo tentado todos os meios para obter a permissão. Depois de meia hora de insistência, não teve outra saída a não ser vestir a gravata que o porteiro lhe emprestou.
De sua posse como deputado há uma imagem emblemática que sempre chamou a atenção, porque meu pai levantou a mão direita e fez um V de vitória. Os demais levantaram a mão em sinal de juramento.
Naquela noite houve um grande jantar da família, com a presença também de Santofimio, Ortega e Virgina Vallejo.
Em 7 de Agosto de 1982, meu pai compareceu à posse de Belisario Betancur como presidente. Nesse dia, ele e a máfia em geral respiraram aliviados quando o novo chefe de Estado mencionou a extradição em seu longo discurso de posse, embora naquele momento a Justiça norte-americana já tivesse convocado alguns narcotraficantes, entre os quais ainda não constavam nem meu pai nem os outros grandes capos.
Com o poder político ao alcance das mãos e um presidente decidido a concentrar seu mandato em torno do perdão e da anistia dos grupos guerrilheiros – M-19, Farc, EPL (Exército Popular de Libertação) e ELN –, meu pai programou uma nova viagem ao Brasil. Dessa vez, diferentemente da excursão de abril, sua ideia era convidar seus amigos mais próximos, sem as esposas.
Para organizar a logística do passeio, Gustavo Gaviria ligou para o cirurgião Tomás Zapata no Rio de Janeiro, que havia enviado para fazer um curso sobre transplantes de cabelo e cirurgia plástica, pois estava obcecado por ter de volta sua cabeleira.
Assim, doze homens, sozinhos, viajaram na segunda semana de agosto a bordo de dois Lear Jet – um de meu pai, e outro alugado – e levaram as malas num Cheyene turbo hélice – também pertencente a meu pai. O grupo era composto por Jorge Luis e Fabio Ochoa, Pablo Correa, Diego Londoño White, Mario Henao, “Chopo”, “Otto”, “La Yuca”, Álvaro Luján, Jaime Cardona, Gustavo Gaviria e meu pai.
Uma vez no Rio, hospedaram-se no melhor hotel da praia de Copacabana, e cada um em suítes no mesmo andar. A última ficou com Jaime Cardona – um mafioso que entrou no negócio da coca antes de meu pai –, e desde a primeira noite a transformaram num local de diversão e de desordem; àquela suíte chegavam belas mulheres contratadas nos melhores prostíbulos da cidade. Um dos presentes na viagem me contou que entre trinta e quarenta mulheres entravam e saíam todos os dias dali. A cada vez que serviam nos quartos, os garçons recebiam uma nota de cem dólares, e por isso brigavam para atender os generosos turistas colombianos.
Como não havia limites para a gastança e o combinado era voltarem sem um só dólar dos cem mil que cada um havia levado, alugaram seis Rolls Royce e não tiveram nenhum pudor em ir até o estádio do Maracanã e entrar nele até a grama a bordo dos veículos, passando pelo túnel por onde entravam os jogadores. Naquele dia havia um jogo entre Fluminense e Flamengo pelo campeonato local. No dia seguinte, um jornal publicou uma matéria nas páginas internas sobre a visita de uma delegação de políticos e importantes empresários da Colômbia, que tinham viajado para conhecer o Brasil. Foi dessa viagem que meu pai trouxe ilegalmente uma bela e cara ararinha-azul para a fazenda Nápoles.
Semanas depois de voltar do Brasil, meu pai foi encarregado de algo na Câmara dos Deputados: integrar a comitiva oficial que presenciaria a jornada eleitoral que iria eleger o novo chefe do governo na Espanha. Viajou no dia 25 de Outubro com Alberto Santofimio e Jairo Ortega, na primeira classe de um voo da Avianca que saía de Bogotá e fazia escala em San Juan antes de chegar a Madri. Três dias depois ocorreu a esmagadora vitória de Felipe González, candidato do Partido Socialista Operário Espanhol, o psoe, que viria a governar por doze anos, até 1996.
Meu pai estava feliz e, com a ajuda de minha mãe, pôs na mala as mesmas roupas de sempre, mas incluiu algo diferente: uns sapatos que lhe haviam trazido de Nova York, que tinham um salto oculto e o deixavam um pouco mais alto.
Não sei dos detalhes e nunca falamos sobre esse assunto, mas a relação de meu pai com Virginia Vallejo terminaria mal.
Lembro de tê-la visto numa ocasião na portaria da fazenda Nápoles; não a tinham deixado entrar porque ele soubera que a amante estava à sua frente no quesito infidelidades. A apresentadora passou horas ali, chorando, suplicando que a deixassem entrar. Mas a ordem já estava dada. E essa seria a última vez que ficaria perto de meu pai.
Assim, no fim de 1982, meu pai deve ter pensado que já estava com seu lugar garantido na política colombiana. Mas estava enganado. Iludiu-se ao acreditar que poderia traficar e ao mesmo tempo participar da vida política do país, no Congresso. O ano seguinte mostraria que o aparato do Estado ainda era maior que ele. Mas meu pai não estava disposto a aceitar isso.
Meu pai permaneceu por mais de um ano no Congresso. Mas as acusações por tráfico de drogas o forçariam a se retirar da política. |
O movimento político de Alberto Santofimio acolheu meu pai quando Luis Carlos Galán o excluiu do Novo Liberalismo. |
Em 1982, meu pai mergulhou de cabeça na política. Achou que poderia promover grandes mudanças estando no Congresso. Esse foi seu maior erro. |
Numa campanha relâmpago, meu pai foi eleito deputado suplente na Câmara, em 1982. |
Manancial: Pablo Escobar, meu pai
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