PABLO ESCOBAR, MEU PAI – CAPÍTULO 12: Preferimos um túmulo na Colômbia


O conteúdo aqui traduzido foi tirado do livro Pablo Escobar, meu pai, de seu filho, Juan Sebastián Marroquín, sem a intenção de obter fins lucrativos. — RiDuLe Killah












CAPÍTULO 12






PREFERIMOS UM TÚMULO NA COLÔMBIA












Palavras por Juan Sebastián Marroquín













“Quem é dom Pablo, essa espécie de Robin Hood do estado de Antioquia que desperta tanta 
excitação em centenas de miseráveis, cujos rostos se iluminam subitamente de esperança, algo que não é fácil de ser explicado em meio a esse ambiente tão sórdido?”


“[...] O mero fato de dizer seu nome produz todo tipo de reações, que vão da alegria explosiva a um 
profundo temor, de uma grande admiração a um desprezo cauteloso. O fato é que para ninguém o nome de Pablo Escobar é indiferente.”

Essa descrição de meu pai foi publicada em 19 de Abril de 1983 na capa da revista Semana, que naquela época começava a despontar como a mais influente da Colômbia. O artigo tornou conhecido o Pablo Escobar benfeitor dos pobres, que ao mesmo tempo possuía uma fortuna incalculável e de origem não identificada.

– Meu amor, viu como os meios de comunicação constroem mitos? Queria eu 
ser um Robin Hood para fazer mais coisas boas pelos pobres – meu pai disse, ao comentar a publicação que anos depois seria referência obrigatória para se falar dele.

No dia seguinte, numa entrevista para um noticiário local, meu pai 
mencionou o artigo e afirmou que “é uma qualificação muito interessante, porque quem conhece a história de Robin Hood sabe que ele lutou e que saiu em defesa das classes populares”.

Na verdade, o artigo de Semana revelou a existência de meu pai justo em seu 
momento de maior esplendor. Ele já era multimilionário. A fazenda Nápoles estava de acordo com o que ele havia sonhado. O tráfico de cocaína ia de vento em popa. Não tinha processos penais com que se preocupar ainda e já não havia rastro daquele de 1976. Além do mais, era congressista e passara a conviver de igual para igual com a nata da classe política de todo o país.

E para coroar o bom momento, acabavam de publicar uma pesquisa que dizia que o papa João Paulo II, o presidente Ronald Reagan dos Estados Unidos e ele eram as três personalidades mais conhecidas pelo público. Quando se sentava para assistir aos telejornais, meu pai nos perguntava o que fora dito sobre Reagan, sobre o papa e sobre ele.

Inquieto para desempenhar bem seu papel como deputado, começou a ler 
uma cartilha básica sobre economia e devorou várias biografias sobre o Nobel de literatura Gabriel García Márquez, para o caso de os jornalistas lhe perguntarem sobre esses dois temas. E para estar a par minuto a minuto do que acontecia, contratou uma pessoa que gravava todas as transmissões dos noticiários de rádio e televisão e depois lhe fazia um resumo das notícias mais importantes.

Qualquer pessoa estaria satisfeita diante de um panorama tão animador como 
esse. Mas não meu pai, que, justo no dia em que Semana o pintara como um Robin Hood, deu início a um plano macabro para se vingar do Novo Liberalismo por tê-lo excluído da campanha ao Congresso.

Como Luis Carlos Galán tinha um currículo impecável e não era fácil fazê-lo 
cair numa armadilha, meu pai descobriu que seu número dois, o senador huilense Rodrigo Lara Bonilla, era mais fácil de atacar.

Assim, com instruções de meu pai, um velho aliado seu, o ex-presidiário e narcotraficante Evaristo Porras, fingiu ser um empresário interessado em colaborar com a causa galanista e conseguiu um encontro particular com Lara. Para completar a armação, meu pai pediu para Porras levar um gravador discreto e registrar o encontro.

Lara e Porras se encontraram num quarto do hotel Hilton de Bogotá, o 
mesmo lugar onde anos antes meu pai se hospedara quando competia pela Copa Renault. Era uma terça-feira, dia 20 de Abril de 1983. Falaram por mais de meia hora e, no fim, o mafioso ofereceu a ajuda financeira anunciada antes e fez um cheque de 1 milhão de pesos no nome de Lara.

Terminada a reunião, Porras foi encontrar meu pai e contou os pormenores de 
sua conversa com Lara. Tinham o cheque, mas quando foram escutar a conversa descobriram que Porras ajeitara o gravador de um modo errado e não se escutava nada.

Com essa carta na manga, meu pai continuou comparecendo à Câmara dos 
Deputados, mas já estava claro que Galán e Lara eram uma pedra no sapato de seus interesses políticos e que, mais cedo ou mais tarde, haveria um confronto entre meu pai e eles.

Nos fins de semana seguintes, meu pai permaneceu em Medellín de maneira 
muito ativa, inaugurando campos de futebol e estruturas esportivas construídas com seu dinheiro. Em 15 de Maio, deu o pontapé inicial diante de doze mil espectadores que compareceram à primeira partida no campo do bairro de Tejelo, no distrito 5, noroeste da cidade. E depois, em junho, inaugurou o novo campo de Moravia com uma partida entre os reservas do Club Atlético Nacional e jogadores do bairro.

Como tudo que é bom dura pouco, nos primeiros dias de Agosto de 1983 o 
presidente Betancur nomeou os primeiros ministros de seu governo e designou Rodrigo Lara Bonilla para a pasta da Justiça. Como ele esperava, os primeiros anúncios oficiais do valente funcionário foram dirigidos contra os cartéis do tráfico de drogas e especificamente contra meu pai e alguns outros traficantes, embora não tenha mencionado que Medellín era o berço de uma grande quantidade de mafiosos com enorme poder econômico. Além disso, disse que o dinheiro sujo do narcotráfico também se infiltrara no futebol.

Diante de tamanha avalanche de acusações, meu pai decidiu contra-atacar. E 
o fez por intermédio de Jairo Ortega e do também deputado Ernesto Lucena Quevedo – aliado político de Alberto Santofimio –, que pediram uma conferência com o ministro para falar sobre “dinheiro sujo”. O que queriam, na verdade, era lhe contar da existência do cheque de 1 milhão de pesos que Lara recebera de Porras. Minutos antes de o ministro adentrar o recinto da Câmara, puseram cópias do cheque em cima das mesas dos deputados; Carlos Lehder chegou acompanhado de um grande grupo de pessoas e se sentou numa das cabines designadas aos jornalistas; meu pai foi para um canto do salão oval. A armação deixou Lara em sérios apuros, e o político ficou claramente desconcertado no debate e acabou tendo de reconhecer que recebera o cheque.

De volta a Medellín após o debate, e enquanto o governo se esforçava para 
preservar seu ministro, meu pai se encontrou em nossa casa com minha avó Nora, que como sempre foi muito dura.

– Meu filhinho, quem tem rabo de palha não chega perto do fogo.


– Minha sogra, fica tranquila que não vai acontecer nada.


– Você é muito cabeça-dura e não está pensando na sua família.


O fato foi que meu pai ficou com uma bronca enorme do ministro, e se 
enfurecia só de vê-lo nos telejornais falando mal dele. Ele respondia cada frase de Lara e dava um tapa na tela.

Em algumas ocasiões meu pai chegava em casa e via minha mãe assistindo 
ao jornal na tevê com uma expressão trágica no rosto.

– Não assista a essas coisas – meu pai lhe dizia, e desligava o aparelho.


Apesar do aparente sucesso da estratégia para denegrir o ministro da Justiça, 
que estava claramente em apuros para se manter no cargo, no dia 25 de Agosto, uma semana após o debate, o jornal El Espectador daria um nocaute em meu pai.

Na primeira página estamparam uma notícia que dizia que, em Março de 
1976, meu pai e outras quatro pessoas haviam sido detidas com oito quilos de pasta de coca. De nada adiantara ele ter pago um suborno pelo desaparecimento dos autos judiciais do caso e mandado assassinar os detetives do DAS responsáveis pela investigação. O arquivo do jornal de Bogotá revelava que o deputado Escobar era um narcotraficante.

Meu pai ficou extremamente irado, pois seu castelo de cartas havia caído; 
sentiu-se descoberto, nu; tinha certeza de que o auto judicial havia desaparecido, mas se esquecera de apagar o arquivo do jornal.

A partir desse momento, meu pai começou a alimentar a idéia de assassinar o 
diretor do jornal, mas a primeira coisa que fez foi enviar seus homens para comprar os exemplares antes que chegassem aos postos de venda de Medellín. Conseguiu, mas o estrago já estava feito, porque os demais meios de comunicação replicaram a notícia do El Espectador, e sua declaração de que “meu dinheiro não tem nenhuma ligação com o narcotráfico” também não serviu de nada. Ao contrário do que havia pensado, sua tentativa de impedir que o jornal circulasse no Valle de Aburrá acabou gerando mais interesse da opinião pública e dos meios de comunicação de todo o país.

Um de seus homens de confiança me contou que seu rosto ficou 
transfigurado de raiva ao ver sua foto publicada, e que ele se culpava pela grande desilusão que havia causado nas pessoas que acreditavam nele.

Normalmente, meu pai agia com muita calma para pensar e idealizar seus 
crimes; nunca ficava fora do sério, nem dizia palavrões nos piores momentos. Mas nesse dia pôs a culpa por sua derrota política em Guillermo Cano.

Viu-se pela primeira vez numa encruzilhada. Na tentativa de se defender, 
denunciou Lara por calúnia e o desafiou a mostrar provas que ligassem seu nome ao narcotráfico; além disso, convocou os jornalistas no Congresso e lhes mostrou seu visto válido para os Estados Unidos.

Enquanto a opinião pública continuava repercutindo o debate do dinheiro 
sujo, nos primeiros dias de setembro minha mãe nos deu a boa notícia de que finalmente havia ficado grávida, após seis anos de tentativas frustradas, três abortos naturais e uma gravidez ectópica (o óvulo fertilizado se fixou fora do útero).

Justamente por aqueles dias algumas revistas sensacionalistas publicaram 
artigos que mencionavam a relação de meu pai com Virginia Vallejo, afirmando inclusive que os dois se casariam em breve. As publicações enfureceram minha mãe, que brigou com meu pai, e ele saiu de casa por vinte dias. Mas ligava para ela vez após outra.

– Meu amor, quero que saiba que você é muito importante para mim, é a 
única mulher que eu amo. Acontece que os jornalistas, as revistas e as pessoas têm inveja de nós e querem estragar o nosso casamento. Quero voltar para você e ficar do seu lado, para sempre. – Dizia várias vezes isso, e logo depois mandava flores com um cartão que continha a mesma frase: “Nunca vou trocar você por ninguém.”

A cada ligação, minha mãe respondia que ele não precisava se preocupar, que 
ela não seria a única mãe sozinha no mundo. E dizia para ele seguir seu caminho, que ela continuaria no dela. Mas ele insistiu, e um Domingo à noite chegou de surpresa, com o semblante triste; minha mãe não conseguiu dizer não, e acabou deixando que ele entrasse de novo em casa.

Mas o carrossel de más notícias não parou por aí, e o escândalo em torno de 
meu pai, longe de amansar, ficou pior. O juiz Décimo Superior de Medellín, Gustavo Zuluaga, reabriu a investigação pela morte dos detetives do DAS que haviam prendido meu pai cinco anos antes, e a embaixada norte-americana cancelou seu visto. Como se não bastasse, em 26 de Outubro a plenária da Câmara suspendeu sua imunidade parlamentar.

Mesmo quando tudo em torno de meu pai ameaçava ruir, ele tentou manter a 
ordem dentro da família. Ainda não havia processos judiciais contra ele, e naquele fim de ano de 1983 fomos todos para Nápoles.

Com a reputação no chão e seu posto de congressista perdido, finalmente, em 
20 de Janeiro de 1984, meu pai decidiu se afastar para sempre da vida pública. E o fez por meio de uma carta em que criticava duramente os políticos: “Seguirei na luta contra as oligarquias e as injustiças e contra as alianças partidárias ilegais, responsáveis pelo eterno drama do povo, que é feito de palhaço, e também contra os políticos de carteirinha, que são indiferentes à dor do povo e que sempre se mostram arrivistas quanto à partilha de cargos públicos.”

Um homem no qual tinha total confiança e que era chamado de Neruda – que 
o ajudava a redigir seus discursos e declarações na imprensa – revisou o texto final da mensagem que meu pai mesmo havia escrito.

Sair da política pela porta dos fundos foi um golpe muito duro para ele, pois 
sempre teve certeza de que poderia fazer mais pelos pobres estando no Congresso. Nas semanas seguintes, voltamos a Nápoles e ele retomou suas antigas atividades no negócio do narcotráfico.

Mas ele não imaginava que o ministro da Justiça, agora juntamente com a 
Polícia Antidrogas e com a DEA, continuava empenhado em derrubar a estrutura mafiosa que ameaçava tomar conta do país.

Com efeito, na manhã do dia 12 de Março de 1984, uma Segunda-feira, meu 
pai ouviu no rádio a notícia de que o narcotráfico havia sido duramente golpeado com a operação de busca e a tomada policial de um complexo de cocaína conhecido como Tranquilandia nas selvas do Yarí, no sul do estado de Caquetá.

O ministro Lara e o coronel da polícia Jaime Ramírez – que coordenou a 
operação – informaram que o cartel de Medellín havia construído naquele lugar muitos laboratórios nos quais se processava pasta de coca em grande escala. Em outras palavras, disseram, a máfia tinha conseguido concentrar num único lugar todas as etapas de seu negócio.

A Tranquilandia tinha uma pista de pouso de 1500 metros, que operava 24 
horas por dia, e um gerador de energia que fornecia luz suficiente para as cozinhas onde se processava a pasta de coca. Na prática, o que funcionava ali era uma base aérea aonde chegavam aeronaves de tamanho grande para trazer os insumos, e ao mesmo tempo aviões potentes saíam repletos de cocaína já embalada. Em torno de cinquenta pessoas moravam lá, vinte e sete das quais foram detidas e transferidas para a cidade de Villavicencio.

Na verdade, nunca falei com meu pai sobre esse assunto, e por muitos anos 
pensei que ele, Gustavo Gaviria e “El Mexicano” tinham construído aquele complexo de laboratórios. Inclusive, em 2009, no documentário Pecados de mi padre, que protagonizei, aparecem as imagens da ocupação de Tranquilandia e é dito que meu pai e “El Mexicano” eram donos daquela cidadela das drogas.

No entanto, após conversar com diversas pessoas que estiveram junto de meu pai naquela época, tive a certeza de que nem ele, nem Gustavo, nem “El Mexicano” tinham qualquer coisa a ver com a Tranquilandia. Por quê? Porque meu pai estava cansado das cozinhas e dos laboratórios onde se processava a pasta de coca, por conta do alto índice de acidentes e dos cada vez mais elevados custos de transporte dos insumos químicos. Contudo, o complexo certamente pertencia a outros traficantes que tinham negócios com meu pai, e por isso o governo anunciou que a Tranquilandia era do cartel de Medellín.

O complexo de coca desaparecera, mas um episódio ocorrido num 
laboratório de processamento de coca do “El Mexicano” no Magdalena Medio ocasionaria duas guerras longas e sangrentas: a do “El Mexicano” contra as FARC, que depois derivaria na perseguição dos paramilitares à União Patriótica, a UP, o grupo político que nasceria das tentativas de paz entre o governo de Betancur e as FARC.

A história desse conflito indica que uma frente das FARC roubou trinta quilos 
de cocaína já processada e matou um vigilante, um homem humilde que por acaso era primo do “El Mexicano”. O capo tinha levado seu parente para trabalhar na terra dele, na localidade de Pacho, no norte do estado de Cundinamarca. Uma vez meu pai comentou que onde quer que Gonzalo Rodríguez tivesse um quilo de cocaína, lá haveria um “pachuno” para cuidar dele.

“El Mexicano” não perdoou a afronta e declarou guerra às FARC. Por todo o 
país. Onde houvesse uma base operacional de uma frente da guerrilha, ele montava pequenos grupos de homens armados. Não importava quanto dinheiro precisasse investir. Assim nasceu o para-militarismo financiado pelo narcotráfico, ao qual logo se juntariam empresários e donos de gado que vinham sendo sufocados por extorsões e sequestros.

Várias vezes meu pai tentou convencer “El Mexicano” a encerrar o confronto 
com as Farc, argumentando que era melhor negociar, pois ele estava convencido de que traficantes e guerrilheiros podiam conviver em paz e respeitar os territórios uns dos outros. Mas Rodríguez Gacha, assim como meu pai, não ouvia os conselhos de ninguém.

– Diga para eles que você é dono daqui até ali, e que eles não venham se 
meter nesse espaço; e que dali até lá eles podem fazer o que lhes der na telha – disse meu pai a “El Mexicano” certa vez, mas ele não deu bola.

Carlos Castaño se tornaria mais adiante o sócio ideal para os crimes do 
“El Mexicano”, porque ambos tinham resolvido que iriam exterminar a esquerda da
Colômbia a qualquer custo.

O poder militar do “El Mexicano” era enorme. Tão grande que meu pai preferia 
ir visitá-lo em suas propriedades em Pacho, porque sempre que ele vinha a Nápoles chegava escoltado por nada menos que duzentos homens armados; a logística de seus deslocamentos era complexa, e meu pai sentia que isso criava muita tensão em sua fazenda. Numa ocasião, marcou um encontro para conversarem, mas lhe pediu que não levasse tantos guarda-costas. “El Mexicano” respondeu:

– Meu compadre, não me peça isso, eu sempre ando desse jeito.


Enquanto “El Mexicano” começava a “guerrear” contra as FARC, meu pai 
decidiu que era hora de dar um fim no ministro da Justiça, que intensificava cada vez mais suas declarações e observações contra ele. Conforme me contaram, quando entendeu que Lara não pararia de atacá-lo, ordenou que fosse assassinado.

“Chopo”, “La Yuca”, “Pinina”, “Otto”, “Trompón” e “Pocillo” foram 
convocados por meu pai para executar o atentado, o qual, planejou, deveria ser realizado de uma ambulância. Assim, uma caminhonete com características semelhantes foi modificada numa funilaria, onde puseram várias lâminas metálicas para protegê-la das balas e fizeram quatro orifícios em cada lado. Depois pintaram-na com os símbolos da Cruz Vermelha colombiana.

– O mundo vai cair em cima da gente, mas vamos fazer logo isso. Para esse aí 
eu não alivio – meu pai disse a seus homens, quando o plano para assassinar Lara estava pronto.

Ao contrário do que a família de Lara sempre afirmou – que meu pai 
ameaçou o ministro muitas vezes com ligações telefônicas e perseguições –, o fato é que meu pai era contra ficar dando advertências. Achava que a intimidação gerava reforços nos esquemas de segurança. O ministro era odiado por muitos outros traficantes, e cada um o ameaçava sem pedir licença.

Os pistoleiros viajaram para Bogotá, hospedaram-se separadamente em 
espeluncas no centro e começaram a seguir o político. Dias depois, já sabiam que Lara possuía uma Mercedes branca sem blindagem e era escoltado por duas caminhonetes com quatro agentes do DAS. Também traçaram as rotas que o motorista utilizava para ir do Ministério à casa do funcionário no norte de Bogotá, e vice-versa.

Em meados de Abril de 1984, o plano criminoso estava pronto e os capangas de meu pai começaram a procurar a melhor oportunidade para assassinar Lara da 
ambulância. No entanto, tentaram atacá-lo e falharam em três ocasiões, por falta de perícia do motorista. Quando soube disso, meu pai considerou que a operação estava em risco e mandou pintar novamente a ambulância, transformando-a numa entregadora de flores. Mas fez uma mudança no plano e reforçou o grupo com dois pistoleiros numa moto.

“Pinina” se encarregou de conseguir dois “rapazes” e foi até seu antigo bairro 
de Lovaina, no nordeste de Medellín, berço de pistoleiros e um dos lugares mais perigosos da cidade na época. Lá, contratou Byron Velásquez Arenas e Iván Darío Guisao, mas não lhes disse que o alvo do assassinato era um ministro, apenas que era uma pessoa importante que se deslocava num carro branco.

– Meu irmão, tem uma parada bem da porra aí, se vocês quiserem ganhar 
uma grana preta. O serviço é em Bogotá – foi o que “Pinina”, que então já tinha a reputação de ser um dos melhores bandidos de meu pai, disse aos rapazes, conforme me contaram.

Com a operação em andamento, numa ocasião estacionaram a caminhonete 
de flores muito perto do Ministério para esperar a saída de Lara. De repente, dois seguranças desavisados se encostaram num lado do veículo, sem saber que dentro dele estavam os pistoleiros, armados com fuzis AR-15.

Finalmente, na noite de 30 de Abril de 1984, o falso veículo transportador de 
flores com quatro homens a bordo, mais o motorista e um acompanhante, e a moto com Velásquez e Guisao, saíram atrás de Lara, que como sempre deixou seu escritório e seguiu rumo ao norte de Bogotá, para sua casa. Conforme me contaram muitos anos depois, o plano era que a caminhonete ficasse na frente do carro do ministro e, então, atirariam nele através dos orifícios abertos na lateral. A moto ficaria atrás, para conter os seguranças do ministro.

No entanto, o trânsito pesado na cidade forçou uma mudança na manobra, 
porque de uma hora para outra o veículo com os pistoleiros ficou preso num congestionamento e só a moto se manteve atrás do objetivo.

Sem pensar duas vezes, Guisao, que ia atrás, armado com uma metralhadora 
mini Uzi calibre .45, disse para Byron continuar, pois os dois poderiam cumprir a ordem de assassinar o homem na Mercedes branca.

Assim foi, e na altura da rua 127 conseguiram posicionar a moto do lado 
direito do automóvel. Foi nesse momento que Guisao disparou e matou o alto funcionário do governo. Eram 19h35.

De acordo com as instruções que meu pai havia lhes dado, nenhum dos 
pistoleiros deveriam se comunicar entre si caso o serviço fosse bem-sucedido. Sabiam em que lugar de Bogotá se encontrar para voltar imediatamente para Medellín.

Naquela noite, eu estava no apartamento de Altos, onde minha avó Nora 
morava. Aproximei-me para ver o que estava acontecendo, porque minha avó e minha mãe choravam abraçadas em frente à televisão, comentando que algo muito triste e muito grave tinha acabado de acontecer.

Após o crime, a debandada foi geral. Pela primeira vez, o governo declarou 
guerra total ao tráfico de drogas, que incluiu a perseguição a capos, a apreensão de seus bens e a extradição para os Estados Unidos. Depois de assistir aos telejornais, minha mãe – grávida de oito meses – e eu fomos nos esconder na casa de um parente distante, e lá permaneceríamos por duas semanas, esperando meu pai mandar nos buscar.

Enquanto isso, ele e vários dos capangas que participaram do crime de Lara – 
entre eles “Pinina” e “Otto” – dirigiram-se muito cedo para a localidade de La Tablaza, no município de La Estrella, onde um helicóptero os buscou para levá-los até o Panamá. Ao mesmo tempo, saindo de um local conhecido como a variante de Caldas, outro helicóptero recolheu a família de Gustavo Gaviria.

Mas o tanque de gasolina dessa aeronave se rompeu em pleno voo e 
precisaram fazer uma aterrissagem forçada no meio da selva, longe da fronteira entre a Colômbia e o Panamá. Ficaram perdidos durante vários dias até que chegaram a um povoado onde receberam ajuda.

Poucos dias depois, um mensageiro de meu pai chegou sem aviso e nos disse 
que, no dia seguinte, um helicóptero viria nos buscar num local distante no município de La Estrella. Naquela noite, minha mãe arrumou uma mala pequena na qual colocou algumas poucas roupas para ela e para mim. Também incluiu algumas roupinhas de menino, porque ela e meu pai pensavam que o bebê que estava por chegar também seria do sexo masculino. No dia seguinte, quando chegamos ao local do encontro, apresentaram-nos um médico que viajaria conosco e que levava equipamento cirúrgico para o caso de o parto de minha mãe ocorrer antes do tempo.

Duas horas e meia depois, após uma viagem tranquila, o piloto aterrissou 
numa clareira na selva, onde uma caminhonete nos esperava. Estávamos na fronteira com o Panamá. Lá, vestimos roupas de praia para não levantar suspeitas e partimos imediatamente para a Cidade do Panamá, para o apartamento de um amigo de meu pai, onde dormimos as três primeiras noites em colchonetes.

Lá, soubemos que o assassinato de Rodrigo Lara havia causado uma 
debandada dos principais capos do narcotráfico da Colômbia, e que já estavam no Panamá, além de meu pai e Gustavo Gaviria, Carlos Lehder, os irmãos Ochoa e os irmãos Rodríguez Orejuela, chefes do cartel de Cali.

Do apartamento em que ficamos inicialmente fomos para uma casa velha, 
úmida e quente na parte antiga da cidade; era horrível: o chuveiro estava cheio de fungos e a água não descia direito, era preciso tomar banho de chinelo; além disso, e por pura precaução, durante a primeira semana comemos apenas frango do KFC que meu pai mandava um de seus rapazes trazer.

Num desses dias, minha mãe entrou em contato com um ginecologista 
panamenho, que veio à casa para examiná-la. Após fazer os exames de praxe, o especialista nos surpreendeu com a notícia de que minha mãe esperava uma menina. Apesar do parecer, minha mãe ficou muito na dúvida, porque todos os exames em Medellín sempre indicaram um menino. Meu pai ficou feliz com a surpresa.

Então nos pusemos a tentar achar um nome para minha irmã, e eu propus 
Manuela, pensando em minha primeira namoradinha, uma colega de sala do colégio Montessori, onde estudei por algum tempo antes de sair por imposição da clandestinidade.

– Se sua irmã não gostar do nome quando for mais velha, você é que vai 
responder por isso – disse meu pai, ao aceitar o nome Manuela.

No dia 22 de Maio, três dias antes do nascimento de minha irmã, fomos para 
outra casa, essa sim luxuosa e confortável, propriedade do então homem mais poderoso do Panamá, o general Manuel Antonio Noriega.

Embora víssemos muito pouco meu pai, parecia que as coisas estavam 
melhorando, porque Noriega mandou vários policiais que se revezavam em turnos para nos proteger, e pudemos ter um pouco mais de liberdade.

Meu pai me deu de presente uma motocicleta Honda de cinquenta 
cilindradas. Como não havia ninguém para me acompanhar enquanto eu a pilotava, mandou que “Arete” – um de seus homens que ainda estava em Medellín – viesse para a Cidade do Panamá para ficar comigo. A partir de então, todas as manhãs “Arete” se vestia de branco e saía comigo – ele corria e eu pilotava a moto.

Anos depois, numa demorada conversa, perguntei a meu pai qual havia sido 
na verdade a relação que ele e seus sócios do cartel de Medellín haviam tido com Noriega.

Ele me disse que era uma longa história, que havia começado em 1981, 
quando conheceu Noriega e deu a ele 5 milhões de dólares em dinheiro, em troca da permissão para instalar várias cozinhas de processamento de pasta de coca no Darién panamenho e de ter suas operações de lavagem de dólares facilitadas nos bancos. Noriega se comprometeu a “deixá-los trabalhar” sem opor obstáculos, mas deixou claro que não seria um sócio do tráfico de cocaína.

No entanto, o general não cumpriu o prometido, e meses após receber o 
dinheiro e de vários laboratórios já estarem funcionando, organizou uma operação militar na qual destruiu as cozinhas, prendeu cerca de trinta pessoas e apreendeu um Lear Jet e um helicóptero de meu pai.

Meu pai me disse que ficou furioso e mandou uma mensagem de ameaça a 
Noriega, exigindo que ele devolvesse o dinheiro, pois do contrário mandaria alguém matá-lo. Noriega deve ter se assustado, porque devolveu quase que imediatamente 2 milhões de dólares, mas ficou com os outros três.

Mesmo a relação com Noriega tendo se tornado distante, ele, como 
compensação pelos danos que causara a meu pai, permitiu a presença dele e dos demais mafiosos no Panamá depois da morte de Lara. Por isso ficamos em uma de suas casas na cidade. Contudo, meu pai não confiava no militar panamenho e, desse modo, nossa estadia ali não podia estender-se a perder de vista.

O processo eleitoral no Panamá daria a meu pai a chance de encontrar uma 
solução para a crise deflagrada na Colômbia por causa do assassinato do ministro da Justiça. Justo naquele momento os meios de comunicação locais deram a notícia de que o ex-presidente Alfonso López Michelsen e os ex-ministros Jaime Castro, Felio Andrade e Gustavo Balcázar compareceriam às eleições presidenciais de maio daquele ano como observadores oficiais.

Meu pai ligou para Santiago Londoño White, tesoureiro da campanha 
presidencial de López dois anos antes, que estava em Medellín, e pediu que ele tentasse lhe conseguir um encontro com o ex-presidente durante sua estadia na cidade. Para agilizar as coisas, sugeriu que falasse com Felipe, filho de López e dono da revista Semana, para que ele então falasse com seu pai e transmitisse a proposta. Londoño fez as ligações necessárias e horas depois o ex-presidente aceitou se encontrar com meu pai e com Jorge Luis Ochoa no hotel Marriott.

Horas antes de sair para o local da reunião, meu pai contou a minha mãe o 
que aconteceria, embora sem muitos detalhes.

– Tata – assim chamamos minha mãe –, vamos ver como conseguimos 
resolver esse problema. Temos uma reunião com o ex-presidente López.

Nesse encontro em 1984 com López Michelsen, meu pai e Jorge Luis 
disseram que os narcotraficantes estavam dispostos a entregar as pistas de pouso, os laboratórios, as frotas de aviões, as rotas até os Estados Unidos e a erradicar os cultivos ilegais, isto é, acabar com todo o negócio em troca de penas de prisão mais razoáveis caso a Justiça os condenasse e, o mais importante, a garantia de não serem extraditados após assinarem o pacto. López ouviu a proposta e se comprometeu a fazê-la chegar ao governo.

De volta à casa, meu pai disse a minha mãe, lacônico:


– O ex-presidente López vai falar com o governo; esperamos que haja uma 
negociação.

Meu pai soube logo que o ex-presidente voou do Panamá para Miami, onde 
se reuniu com o ex-ministro das Comunicações Bernardo Ramírez, amigo pessoal do presidente Betancur, e contou a ele todos os detalhes do encontro que havia tido. A proposta foi considerada, porque o governo pediu que o procurador-geral, Carlos Jiménez Gómez, fosse até a Cidade do Panamá para ouvir os mafiosos.

Enquanto o procurador definia a data da viagem, minha irmã Manuela 
nasceu, no dia 25 de Maio. Meu pai, Gustavo Gaviria e eu estávamos na casa de Noriega quando alguém ligou dizendo que minha mãe se achava em trabalho de parto. Meu pai dirigiu em alta velocidade até o hospital, onde nos pediram para esperar numa sala. Ele estava nervoso e Gustavo tentava encorajá-lo. O tempo de espera parecia eterno, até que apareceu um médico, parabenizou meu pai pela linda menina recém-nascida, disse que as duas estavam bem e permitiu que entrássemos para vê-las. Caminhamos até o elevador e qual não foi a nossa surpresa ao vermos uma enfermeira levando uma recém-nascida em cuja pulseira lia-se o nome Manuela Escobar. O rosto de meu pai se iluminou ao vê-la. Em seguida, fomos encontrar minha mãe, que estava com dores e muito pálida. Aproveitamos o momento e Gustavo tirou uma foto dos quatro integrantes da família.

No dia seguinte, 26 de Maio, o procurador Jiménez Gomez chegou e eles se 
reuniram no hotel Marriott. Meu pai e Luis Ochoa reiteraram a proposta apresentada a López. No fim da conversa, o alto funcionário se comprometeu a levá-la ao presidente Betancur. Mas o plano foi frustrado porque poucos dias mais tarde o jornal El Tiempo publicou uma notícia sobre o encontro no Panamá.

O fato é que essa foi a única e última vez que a Colômbia teve nas mãos a 
possibilidade real de desmontar 95% do negócio do narcotráfico. Mas o vazamento das informações fez a oportunidade cair por terra.

Tendo perdido qualquer chance de aproximação com o governo, os dias se 
passaram até que meu pai, na primeira semana de junho, chegou na casa agitado e disse que precisávamos sair correndo dali.

– Mas não podemos sair correndo com uma neném tão pequena. E eu não 
posso deixar você aqui, Tata, nem mandá-la de volta para a Colômbia. A única saída é enviar Manuela para Medellín. Lá ela vai ser cuidada; acontece que não sabemos se vamos dormir na selva, ou do lado de um lago, ou se vai ter ou não comida para a pequena. Então não temos muitas opções, não podemos fugir com uma neném a tiracolo se tivermos que continuar correndo.

Foi muito doloroso para minha mãe abandonar sua pequena filha de poucas 
semanas de vida. Como eu era mais velho – tinha sete anos –, acharam que me mandar de volta para a Colômbia não era uma boa; meu pai considerou que eu estaria mais seguro ao lado dele.

Minha mãe ficou muito triste e chorou muito quando teve de entregar a 
menina a Olga, a enfermeira, que viajaria a Medellín com um dos homens de confiança de meu pai.

Por que a repentina resolução de sair do Panamá às pressas, chegando ao 
extremo de mandar a filha de quinze dias de vida de volta para a Colômbia? Um dia perguntei a meu pai, que me explicou que o vazamento prematuro de seu encontro com López e o procurador os colocara em evidência na Colômbia e nos Estados Unidos, e por isso ficou temeroso de que alguém viesse atrás deles querendo prendê-los. Além do mais, existia o risco quase certo de uma nova traição por parte de Noriega.

Esse novo cenário levou meu pai a buscar um plano B, e para isso lançou 
mão de velhos contatos que havia deixado no M-19 de Medellín, quando ocorreu o sequestro de Martha Nieves Ochoa. Meu pai sabia que o grupo guerrilheiro e o novo regime sandinista da Nicarágua tinham afinidades políticas e ideológicas, e pediu a eles que sondassem a possibilidade de a família se instalar naquele país.

Poucos dias depois, recebeu uma mensagem da parte do M-19. Nela, alguns 
integrantes da junta do governo da Nicarágua diziam-se dispostos a acolher ele, os outros capos e suas famílias em troca de ajuda econômica para enfrentar o bloqueio imposto pelos Estados Unidos. O acordo incluía a permissão para utilizar algumas regiões da Nicarágua como plataforma para continuar com o tráfico de cocaína.

Lembro de meu pai ter comentado que Daniel Ortega, o então candidato à 
presidência da Nicarágua pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, a FSLN, enviara alguns de seus funcionários para os acomodarem em Manágua, a capital.

Meu pai encontrou na Nicarágua uma oportunidade real para mudar seu local 
de trabalho e moradia. Assim, após nos certificarmos de que Manuela estava bem em Medellín, minha mãe, meu pai e eu pegamos um voo comercial e fomos recebidos no aeroporto por altos funcionários do regime sandinista, que nos levaram numa Mercedes do governo até uma casa enorme e antiga, onde nos encontramos com “El Mexicano”, sua esposa Gladys e quatro de seus guarda-costas.
Pouco depois chegaram minha avó Hermilda e sua filha Alba Marina; quase imediatamente, meu pai fez com que “Pinina”, “Paskín” e uma dúzia de capangas cujos apelidos já esqueci viajassem para ficarem lá nos protegendo.

De cara não gostamos da casa. Era tenebrosa. Os muros de tijolos tinham três 
metros de altura e em cada canto torres de segurança com guardas fortemente armados. Achamos um livro que contava a história daquele lugar, e, segundo os relatos, muitos massacres haviam acontecido ali no passado. Comida não faltava, mas não sabíamos quem levava as compras de mercado, embora fosse fácil entender que alguém do governo era encarregado de manter as geladeiras cheias.

O dia a dia foi ficando insuportável para nós, porque era impossível viver em 
Manágua, que estava em guerra civil por conta dos ataques dos “contras” enviados pelos Estados Unidos através das fronteiras com a Costa Rica e com Honduras para combater os sandinistas, que em 1979 haviam derrubado o regime militar de Anastasio Somoza. A cidade se mantinha sitiada e os estragos do confronto eram visíveis: edifícios demolidos e comércio fechado – inclusive supermercados e farmácias. Além do mais, os tiroteios eram frequentes.

Meu pai tinha milhões e milhões de dólares com ele ali, mas não havia com 
que gastá-los.

Lembro que eu permanecia calado durante boa parte do tempo e chorava 
muito. Pedia a meus pais que pelo menos voltássemos para o Panamá. É que nem sequer havia lojas de brinquedo ali, e, na pressa de sair do Panamá, abandonei minha moto e outras coisas com as quais me divertia.

As únicas distrações que tinha eram ir com minha mãe e com a mulher do “El Mexicano” a um lugar de massagens perto da casa, escutar ao lado de “Pinina” os jogos de futebol colombianos que alguém de Medellín colocava no rádio de comunicação, e apostar quem matava mais moscas em cinco minutos num quarto que vivia cheio desses insetos. E mais nada.

– Nos três meses seguintes só pude ver minha filha numa única foto – minha 
mãe se lamentou ao lembrar do período; embora meu tio Mario tirasse fotos de Manuela todos os dias, nunca pôde enviá-las devido ao cerco das autoridades.

Enquanto vivíamos esse complicado dia a dia, meu pai, “El Mexicano”, dois 
militares nicaraguenses e Barry Seal – que já havia se juntado ao grupo – viajaram por diferentes lugares da Nicarágua para explorar novas rotas para o tráfico de cocaína. Por vários dias sobrevoaram num helicóptero do Exército nicaraguense os muitos lagos, lagunas e elevações vulcânicas que há no país, tentando identificar os lugares mais adequados para a construção de laboratórios e de pistas de pouso.

Como isso podia demorar, optaram por começar usando um pequeno 
aeroporto chamado Los Brasiles, próximo a Manágua, para enviar os primeiros carregamentos em voos diretos para o sul da Flórida.

O primeiro embarque de seiscentos quilos de cocaína embalada em grandes 
bolsas de lona foi programado para a noite de uma segunda-feira, dia 25 de Junho de 1984, num avião que o próprio Seal pilotaria. Mas nem meu pai nem o “El Mexicano” perceberam que haviam na verdade caído numa armadilha, porque enquanto eles e Federico Vaughan, funcionário do Ministério do Interior da Nicarágua, aguardavam os soldados carregarem a droga na aeronave, Seal tirava fotos. Nelas, pode-se ver inclusive a identidade dos soldados nicaraguenses que ajudaram no carregamento.

O avião decolou sem nenhum problema e, enquanto o infiltrado voava para 
entregar o carregamento e as fotos, meu pai e “El Mexicano” continuaram suas atividades sem prever o desastre que estava por vir.

Todos os dias eu insistia dizendo que estava muito entediado, mas meu pai se 
negava a deixar que voltássemos porque, segundo ele, seríamos mortos se fizéssemos isso. Até que um dia pedi que deixasse eu e minha mãe irmos, e ele acabou aceitando, embora com certa relutância. Já estava cansado do meu chororô. Minha mãe lhe prometeu que não sairia na rua, que ficaria trancada em Medellín.

– Não, Tata. Temos que dizer para ele que você vai viajar junto, porque do 
contrário vai ser pior ainda. Quando a gente chegar no aeroporto, então dizemos que ele vai ter que viajar sozinho, e que o “Tibú”, meu homem de confiança, vai com ele.

Assim fizeram, e quando eu soube no aeroporto que minha mãe não iria senti 
uma angústia enorme, senti-me abandonado. Abracei-os e não queria soltar.

– Não quero ir sem minha mãe – eu disse, chorando, mas meu pai foi 
inflexível, e prometeu que ela viajaria depois de alguns dias.

Minha mãe me diz que, sem os dois filhos, ficou chorando noite e dia, 
cercada por homens armados e abandonada à própria sorte na Nicarágua.

Desolada, um dia disse a meu pai:


– Meu bem, me deixe ir encontrar uma das minhas irmãs e o marido dela no 
Panamá, assim eles podem me mostrar fotos de nossos filhos para eu saber como eles estão.

– Tudo bem, meu amor, mas só se você me prometer que vai voltar para cá 
depois de falar com eles.

Minha mãe me conta que, naquele momento, ela já tinha decidido que do 
Panamá iria para Medellín, apesar da promessa de regressar à Nicarágua.

Meu pai começou a ligar para ela no Panamá com insistência, para perguntar 
por Manuela e por mim, e no quarto dia minha mãe se encheu de coragem e disse que voltaria para a Colômbia, para cuidar dos filhos.

–Nãããão! O que você está pensando? Por que vai fazer uma coisa dessas? 
Você sabe que vão te matar lá, não pode fazer isso.

– Não, meu bem, prometo que fico trancada na casa da minha mãe e não saio 
para fazer nada, mas tem uma neném que precisa de mim, que está há mais de três meses sem a mãe.

Minha mãe enfim desembarcou no aeroporto Olaya Herrera, muito assustada, 
e foi direto para o edifício Altos, onde encontrou minha avó Nora com trinta quilos a menos e mergulhada numa profunda depressão.

O encontro comigo e com minha irmãzinha foi muito emotivo, ficamos 
abraçados o tempo todo. Mas minha irmã quase não reconhecia a mãe; chorava quando ela a pegava no colo, porque estava acostumada à enfermeira e a minha avó.

Mas se em Medellín as coisas já estavam complicadas para nós, em Manágua 
meu pai enfrentaria outro golpe duro.

Em meados de Julho, vários jornais dos Estados Unidos publicaram a 
sequência fotográfica em que meu pai e “El Mexicano” aparecem enviando o carregamento de cocaína da Nicarágua. A prova visual era incontestável. Foi a primeira e seria a última vez que flagraram meu pai com a mão na massa. Barry Seal o havia traído, e ele não se esqueceria disso.

A reprodução das fotografias nos meios de comunicação causou um estrago 
duplo: atraiu as atenções para meu pai e tornou o regime sandinista de esquerda culpado por se aliar com a máfia colombiana. Com o escândalo, sua permanência no país ficou insustentável, e duas semanas depois meu pai e “El Mexicano” voltaram com todos os seus homens para a Colômbia.

Meu pai chegou à cidade e imediatamente procurou se esconder; sua vida na 
clandestinidade se alongaria por muito tempo ainda. Nós continuamos morando com minha avó Nora, e de vez em quando meu pai mandava nos buscar para passar conosco os fins de semana.

O efeito das fotografias tiradas na Nicarágua foi fulminante, porque no dia 19 
de Julho, apenas três semanas após terem sido feitas, Herbert Shapiro, juiz da Corte da Flórida, sul dos Estados Unidos, emitiu uma ordem de prisão contra meu pai por importação de cocaína para aquele país.

Embora o esquema que montara para levar cocaína para os Estados Unidos 
continuasse funcionando e meu pai ainda fosse o rei do negócio, ele sabia que sua situação judicial piorava a cada momento. Sentia que era levado a um ponto sem volta, e que mais cedo ou mais tarde iriam atrás dele, forçando-o a se defender. O fantasma da extradição o assombrava sobremaneira.

A relativa tranquilidade em que vivíamos naqueles dias foi destruída de uma 
hora para outra quando minha avó Hermilda ligou para meu pai e lhe contou que vários homens armados haviam sequestrado meu avô Abel em uma de suas propriedades nas imediações do município de La Ceja, no leste de Antioquia. Era 20 de Setembro de 1984.

Meu pai tranquilizou a família e, com a experiência que havia ganhado após 
o sequestro de Martha Nieves Ochoa, deu início a uma enorme operação de busca, embora de menores proporções em relação à anterior, pois rapidamente descobriu que meu avô fora sequestrado por quatro delinquentes comuns que sabiam da fama de rico que meu pai tinha.

Dois dias depois, meu pai fez um anúncio nos jornais de Medellín no qual 
oferecia uma recompensa a quem fornecesse informações sobre o paradeiro de meu avô, revelando em quais veículos ele havia sido levado: duas caminhonetes Toyota, uma vermelha com cobertura de lona e carroceria de madeira, placa KD 9964, e outra com cabine, de cor bege e placa 0318. A idéia era mostrar para os sequestradores que eles estavam na mira.

Da mesma maneira que agiu no caso Martha Nieves Ochoa, meu pai mandou 
centenas de homens para vigiar os telefones públicos de Medellín e instalou equipamentos para gravar as ligações na casa de minha avó Hermilda. A estratégia funcionou, porque dez dias depois ele já sabia as identidades dos sequestradores e o lugar onde estavam mantendo meu avô amarrado a uma cama: no município de Liborina, oeste de Antioquia, a noventa quilômetros de Medellín. Mas meu pai preferiu esperar que os sequestradores pedissem o resgate e pagá-lo, para evitar que machucassem meu avô.

Assim aconteceu, e na primeira ligação pediram 10 milhões de dólares. Meu 
pai respondeu:

– Vocês sequestraram a pessoa errada, porque quem tem a grana sou eu, e 
meu pai é um camponês pobre que não tem nada. Então a negociação é muito diferente; tratem de pensar num valor mais realista e me ligar de novo, aí conversamos – disse, elevando a voz, e desligou, mostrando que, embora estivessem com seu pai, era ele que tinha o controle da situação.

Passaram-se alguns dias e, como sabiam que meu pai não tinha ficado 
parado, preferiram pedir 40 milhões de pesos, que depois baixaram para 30 milhões.

Por intermédio de John Lada, padrinho de Manuela, meu pai entregou a 
quantia em dinheiro e meu avô regressou são e salvo para casa. O sequestro durou dezesseis dias, e os quatro delinquentes foram localizados dias depois, a pedido de meu pai.

Enquanto isso, os processos contra meu pai se acumulavam: dez dos 
capangas que de uma maneira ou de outra participaram do assassinato de Lara foram presos; outros seis, entre eles “Pinina”, conseguiram escapar e continuaram foragidos ao lado de meu pai. Por esse mesmo caso, o juiz Primeiro Superior de Bogotá, Tulio Manuel Castro Gil, convocou meu pai.
Essas decisões judiciais desencadearam, no fim de 1984, a primeira grande 
operação de busca por meu pai. Nesse dia, estávamos em um sítio para fins de lazer em Guarne, Antioquia, de onde ele es capou milagrosamente. Eu tinha sete anos e estava dormindo quando um agente do F-2 me acordou, afundando o cano de sua arma em meu estômago. Lembro de estar com um aparelho experimental de elástico que cobria minha cabeça e meu queixo, recomendado pelos médicos para corrigir um desvio de mandíbula, e que me fazia parecer alguém com sérios problemas de saúde.

Perguntei onde estava meu pai, e nesse momento um dos policiais chegou 
segurando o poncho branco dele.

– Olha o que os fujões deixaram cair – disse o agente.


Conseguira escapar com certa facilidade na primeira batida policial, mas com 
o passar dos dias a perseguição se intensificaria. O dia 5 de Janeiro de 1985, um Sábado, foi um péssimo dia para meu pai. Ligaram para avisá-lo de que naquela madrugada um avião Hércules da Força Aérea levara quatro pessoas para Miami; a extradição fora autorizada pelo presidente Betancur e pelo ministro da Justiça Enrique Parejo, que substituiu Rodrigo Lara. As pessoas eram Hernán Botero Moreno – presidente do time de futebol Atlético Nacional –, os irmãos Nayib e Said Pabín Jatter e Marco Fidel Cadavid.

Meu pai ficou irado. Sobre Botero sabia apenas o que os meios de 
comunicação diziam a seu respeito e por ele ser presidente do Atlético Nacional. Achou a extradição injusta, porque não era acusado de narcotráfico, e sim de lavagem de dinheiro.

Porém, mais que uma injustiça, meu pai considerou um ato de traição que o 
presidente Betancur começasse a fazer valer o acordo com os Estados Unidos. Embora na campanha eleitoral não tivesse se comprometido a acabar com a extradição, para meu pai o governante não podia esquecer que eles o haviam ajudado.

E, da maneira radical como começava a se portar, ligou para Juan Carlos 
Ospina, o “Enchufe”, e para um bandido conhecido como “Pássaro”, e deu ordens para que realizassem um atentado com carro-bomba contra Betancur.

Vários dos homens mais próximos de meu pai contaram que o governante se 
salvou em pelo menos quatro ocasiões, porque seus seguranças mudavam a rota com muita frequência e acabavam não passando pelos lugares onde os explosivos haviam sido plantados. Outras vezes a caravana passava ao lado das bombas, mas o disparador remoto falhava. Os primeiros dias de Fevereiro já haviam passado e a única coisa que meu pai tinha em mente era como se livrar do fantasma da extradição. De nada tinham servido até aquele momento os muitos fóruns públicos e os encontros secretos com a máfia para advertir sobre a humilhação que representaria ser julgado em outro país. Meu pai tinha certeza de que poderia corrigir de seu jeito suas confusões judiciais na Colômbia, mas com os Estados Unidos no meio da questão a coisa era diferente.

Naquele tempo, meu pai mantinha certa proximidade com vários líderes do 
M-19, entre eles, Iván Marino Ospina, com quem se encontrava com alguma frequência e falava de todo e qualquer tipo de assunto. A empatia entre os dois era tamanha que um dia o guerrilheiro lhe deu de presente uma AK-47 novinha, que acabara de receber num carregamento de armas vindo da Rússia. O fuzil se tornou o companheiro inseparável de “Paskín”.

Com um histórico de várias horas de conversas ocorridas em diferentes 
momentos, meu pai e Ospina concordavam acerca de muitos assuntos, sobretudo no que dizia respeito à inconveniência da extradição.

Essa concordância teria grande peso na deposição de Ospina como 
comandante no fim de fevereiro, quando na nona conferência do grupo guerrilheiro que se reunia em Los Robles, um povoado no município de Corinto, estado do Cauca, seu espírito militarista e certa miopia política foram criticados, num momento em que o M-19 trilhava um acidentado processo de negociação com o governo Betancur e a trégua conseguida em Agosto de 1984 corria perigo.

Também pesou na decisão uma fala de Ospina numa viagem ao México, em 
que disse concordar que os mafiosos colombianos promovessem represálias contra cidadãos norte-americanos caso o governo extraditasse colombianos.

Meu pai entendeu que, com a saída de Ospina, a cúpula do M-19 iria querer 
enviar uma mensagem pública contra o narcotráfico, embora em segredo mantivessem as relações mais firmes que nunca.

Ao término do congresso em Los Robles, o M-19 determinou a volta de 
Ospina ao posto de segundo no comando do grupo, e para o primeiro lugar nomeou Fayad, que continuou no caminho do diálogo com o governo até o dia 23 de Maio, uma Quinta-feira – quando houve o atentado em Cali que causou ferimentos graves em Antonio Navarro Wolf, integrante do Comando Superior do grupo guerrilheiro.

Muito já se disse sobre esse ataque, ocorrido numa cafeteria no bairro de El 
Peñón, quando um homem lançou uma granada em direção à mesa onde Navarro, Alonso Lucio e uma guerrilheira grávida discutiam se o M-19 deveria ou não manter o cessar-fogo.

A responsabilidade do atentado foi atribuída a militares numa represália ao 
acontecimento daquela manhã, quando vários guerrilheiros lançaram uma granada contra um ônibus do Exército e deixaram vários soldados gravemente feridos. No meio da confusão, acreditou-se que os autores eram integrantes do M-19, mas depois se confirmou que havia sido outro grupo armado, o Movimento de Autodefesa Operária, o ADO.

Inclusive, o próprio Navarro disse certa vez que sabia os nomes dos oficiais 
que haviam dado a ordem de atacá-lo, bem como a identidade de quem lançara a granada.

Eu tenho uma versão diferente. Meu pai me contou uma vez que o autor do 
ataque foi Héctor Roldán, um narcotraficante dono da concessionária de veículos Roldanautos, em Cali, o mesmo que ele conhecera durante a Copa Renault em Bogotá em 1979, e que quase foi padrinho de minha irmã Manuela, mas ao qual minha mãe se opôs.

Roldán era muito próximo dos altos-comandos militares do Valle e seu 
ataque a Navarro era uma retaliação pelo atentado contra os soldados naquela manhã, mas também pelo descontentamento que havia naquela época entre militares e empresários por conta da maneira como o governo avançava nos diálogos com o M-19.

Mas a história entre meu pai e Roldán não terminaria por aí.


Finalmente, em 19 de Junho de 1985, três semanas após o atentado contra 
Navarro, Carlos Pizarro, um dos líderes do M-19 e seu representante no diálogo com o governo, anunciou a ruptura da trégua e o retorno ao confronto armado.

Poucos dias depois, Iván Marino Ospina contou a meu pai que Álvaro Fayad 
propusera, no seio do M-19, a tomada pacífica de um edifício público para julgar o presidente Betancur pelo não cumprimento dos acordos assinados com eles. A primeira opção que contemplaram foi o Capitólio Nacional, mas acabaram descartando porque a sede do Legislativo era grande demais e precisariam de muitas pessoas para tomá-lo à força. Após estudar outras possibilidades, concordaram que o Palácio da Justiça era o ideal, pois sua arquitetura era mais hermética e tinha apenas duas entradas: a principal e a entrada pelo subsolo na garagem.

Sabendo dos detalhes do plano, meu pai, acostumado a ir atrás de todo tipo 
de briga, viu uma maneira de conseguir um benefício futuro e se ofereceu para financiar boa parte da operação, pois sabia que os nove magistrados do Salão Constitucional da Suprema Corte da Justiça estudavam petições de advogados da máfia, cujo objetivo era derrubar o acordo assinado com os Estados Unidos. Cada traficante pressionava os magistrados com ameaças de morte para forçá-los a derrogar o acordo de 1979.

Fiquei sabendo depois que, enquanto o plano prosseguia, meu pai resolveu se 
vingar do juiz Tulio Manuel Castro, que meses antes emitira uma ordem de prisão contra ele e depois o convocara para depor pelo assassinato do ministro Lara. Seus homens balearam o juiz num local central de Bogotá, justamente quando ele elaborava um inventário de seu escritório, pois fora nomeado magistrado do Tribunal de Santa Rosa de Viterbo, em Boyacá.

Assim, meu pai novamente levava a cabo sua terrível resolução de atacar 
todos aqueles que o atacavam.

Enquanto isso, Elvencio Ruiz – o mesmo guerrilheiro que falou com meu pai 
durante o sequestro de Martha Nieves Ochoa – foi nomeado chefe militar da operação e se dedicou por inteiro a treinar o grupo que tomaria o Palácio; ao mesmo tempo, meu pai teve várias reuniões com Iván Marino Ospina e com outros chefes do M-19 num esconderijo próximo à fazenda Nápoles, a fim de afinar os detalhes da ajuda militar e econômica que ele forneceria para a execução do plano, previsto inicialmente para o dia 17 de Outubro de 1985.

Meu pai já tinha decidido que faria todo o possível para garantir o sucesso da 
operação, porque poderia obter lucros também caso os guerrilheiros destruíssem os autos judiciais relacionados à extradição – incluindo o dele –, que tramitavam na Suprema Corte da Justiça. Por isso, não hesitou em dar 1 milhão de dólares, em dinheiro, para eles, e oferecer-lhes uma bonificação posterior se conseguissem desaparecer com os autos judiciais. E não era só isso. Conforme me contaram alguns dos homens que estavam com meu pai nesses encontros com o M-19, ele se propôs a trazer da Nicarágua as armas que fossem necessárias, sugeriu que entrassem pelo subsolo do edifício e se dirigissem à cafeteria para então começar a ocupá-lo andar por andar, aconselhou-os a levar rádios para se comunicarem dentro e fora do edifício a fim de ficarem a par do que estava acontecendo, e propôs que os guerrilheiros vestissem uniformes da Defesa Civil para facilitar a fuga.

No entanto, em 28 de Agosto de 1985, justo quando o plano chegava a sua 
etapa final, o M-19 sofreu um golpe duro: o Exército matou Iván Marino Ospina num confronto em sua casa, no bairro de Los Cristales, em Cali. Meu pai lamentou o falecimento de um homem que considerava um guerreiro, e chegou a pensar que a tomada do Palácio da Justiça ficaria em suspenso. Pelo contrário, o M-19 seguiu adiante e com mais determinação ainda no afã de julgar publicamente o presidente Betancur.

Por causa de um erro, meu pai quase pôs a perder todo o complexo plano. Na 
primeira semana de Outubro revelou a Héctor Roldán todos os detalhes da ocupação do Palácio da Justiça, e ele, amigo de importantes generais do Exército, contou tudo aos militares.

O M-19 teve de suspender a operação e todos os seus integrantes precisaram 
se esconder por vários dias, porque o Exército reforçou as patrulhas nas imediações da praça de Bolívar em Bogotá, e começou a projetar novos esquemas de segurança para o edifício e para os magistrados. Porém, com o passar dos dias e diante da aparente normalidade no centro da cidade, essas medidas de seguranças foram desfeitas. Assim, a tomada do Palácio da Justiça foi novamente marcada para o dia 6 de Novembro, uma Quarta-feira.

O ataque ocorreu e seus resultados lamentáveis todos sabemos. Durante os 
dois dias da tomada do Palácio, meu pai ficou num esconderijo no Magdalena Medio conhecido como Las Mercedes.

“Pinina” me contou que meu pai ficou contente quando viu que o edifício 
havia sido incendiado, porque era óbvio que os autos sobre a extradição seriam destruídos.

Na segunda semana de Janeiro de 1986, de férias na fazenda Nápoles – que 
teoricamente estava ocupada pelo governo –, eu passava ao lado da piscina da casa principal quando meu pai, que estava sentado atrás de uma gaiola com aves exóticas, me chamou. Aproximei-me dele e notei que estava com uma espada entre as duas coxas.

– Grégory, venha aqui para eu lhe mostrar uma coisa. Ande, filho, venha.


– O que é isso aí, pai?


– A espada do nosso libertador, Simón Bolívar.


– E o que você vai fazer? Vai deixá-la no Bar com o resto das espadas? – 
perguntei, sem dar muita importância.

– Vou lhe dar de presente, para você pôr no seu quarto. Cuide dela, porque 
essa espada tem muita história. Vai lá, mas segure com cuidado a espada. Não fique brincando por aí com ela.

Faltava um mês para meu aniversário de nove anos e preciso reconhecer que 
o presente de meu pai não me chamou a atenção, porque naquela idade eu gostava mais de motos que de qualquer outro brinquedo; de todo modo, fingi o melhor sorriso que pude e fui experimentá-la nos restolhos.

A famosa espada do libertador Simón Bolívar se mostrou muito pesada; não 
estava afiada e não cortava a vegetação como eu desejava. Lembro vagamente dos detalhes daquele artefato, porque tinha milhares de brinquedos a meu redor. Guardei-a em meu quarto na fazenda Nápoles.

O fim que a espada de Bolívar teve foi o mais previsível se considerarmos 
um pré-adolescente recebendo um presente como aquele: acabou perdida em alguma propriedade ou apartamento nosso. Perdi seu rastro porque na verdade eu não ligava para ela.

Até que, cinco anos depois, em meados de Janeiro de 1991, através de “Otto” 
e “Arete”, meu pai pedia que eu devolvesse a espada. Neguei de cara, dizendo que o que era dado não podia ser pedido de volta. Com paciência, os dois me pediram que ligasse para meu pai e falasse com ele.

– Filho, me devolva a espada, eu tenho que entregá-la de volta para uns 
amigos que me deram de presente. Eles precisam devolvê-la como um gesto de boa vontade. Onde está?

– Pai, deixe eu desligar para procurar, não lembro onde ficou. Mas sei que 
está em algum lugar. Vou fazer isso já, e entre hoje e amanhã o aviso para mandar buscá-la.

– Certo, mas seja rápido, porque isso é urgente. Eles já prometeram que a 
devolveriam e não posso deixar que fiquem numa situação ruim.

Comecei imediatamente a procurá-la e enviei meus seguranças em diferentes 
veículos para percorrerem as fazendas, casas e apartamentos onde havíamos morado.

No dia seguinte, os seguranças chegaram com a espada e com “Otto”, que 
estava com meu pai e ficou de vir buscá-la imediatamente. Antes de entregá-la, pedi que tirassem umas fotos improvisadas de mim com ela. Peço desculpas pela atitude com que apareço nas imagens, pela falta de respeito com um símbolo tão importante para nossa história.

Muito tempo depois eu entenderia a importância daquele momento e por que 
meu pai me ligou pedindo com tanta urgência a devolução da espada de Bolívar.

O M-19 já tinha entregado as armas e voltado à vida civil e, como ato de boa 
vontade, se comprometera a restituir a espada ao governo.

Finalmente, em 31 de Janeiro de 1991, Antonio Navarro Wolf e outros 
guerrilheiros já desmobilizados do M-19 devolveram a espada numa cerimônia especial, à qual compareceu o então presidente César Gaviria.

Terminado o complicado governo de Belisario Betancur em Agosto de 1986, 
meu pai não desistiu de se vingar do presidente. Pelo contrário, concebeu um plano muito cruel, que para sorte dele nunca deu certo.

Resolveu que ia sequestrar Betancur e deixá-lo preso na selva. Para tanto, 
deu ordens a um homem conhecido pelo apelido de “Godoy” para ir de helicóptero às profundezas da selva entre Chocó e Urabá, abrir uma clareira e nela construir uma cabana sem janelas. “Godoy” encontrou o lugar e trabalhou por semanas com outros dois homens. As provisões eram jogadas de um helicóptero para eles. “Godoy” já havia terminado e estava indo encontrar com meu pai para lhe contar que aquela espécie de prisão estava pronta, quando de repente vários indígenas passaram por ali e ficaram surpresos ao ver colonos em seus territórios.

Ao saber disso, meu pai mandou que ele fosse mais fundo na selva e se 
certificasse de que ninguém passaria pelo novo local. A encomenda ficou pronta dois meses depois. No entanto, após muitas tentativas, meu pai me contou que “Enchufe” e “Pássaro” também não conseguiram sequestrar o ex-governante.


O presidente Belisario Betancur se encontrou com minha mãe num evento beneficente em Bogotá. Na sequência, conversaram a sós por um longo tempo.


A proximidade entre o M-19 e meu pai foi tal que, em 1986, um comandante guerrilheiro lhe deu de presente a espada do libertador Simón Bolívar. Ela ficou conosco até 1991, quando meu pai a devolveu. Antes de entregá-la de volta, tiraram esta foto minha com ela.

Em Abril de 1985, embora meu pai já tivesse problemas com a Justiça, a American Express expediu este cartão de crédito com validade até 1987.

Minha irmã Manuela nasceu em Maio de 1984. Estávamos escondidos no Panamá, porque alguns dias antes havia ocorrido o assassinato do ministro Rodrigo Lara Bonilla.












Manancial: Pablo Escobar, meu pai

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