PABLO ESCOBAR, MEU PAI – CAPÍTULO 6: Nápoles: sonhos e pesadelos


O conteúdo aqui traduzido foi tirado do livro Pablo Escobar, meu pai, de seu filho, Juan Sebastián Marroquín, sem a intenção de obter fins lucrativos. — RiDuLe Killah











CAPÍTULO 6












NÁPOLES: SONHOS E PESADELOS














Palavras por Juan Sebastián Marroquín














– Quando eu morrer, a única coisa que peço é para ser enterrado aqui, e que 
plantem uma paineira em cima de mim. Ah, e não quero que venham me visitar, nunca, porque o corpo é uma coisa que a gente recebe para usar só enquanto estivermos vivendo na Terra.


Essa foi a terceira e última vez que meu pai deu a mim e a minha mãe as 
instruções do que deveríamos fazer com seu corpo depois que tivesse morrido, porque sabia que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer.

Era uma tarde agradável de Sábado e tínhamos saído em sua caminhonete 
Nissan Patrol conversível para dar um passeio pelos arredores do zoológico da fazenda, e de repente ele parou para apontar o local exato onde queria ser sepultado. Ainda não conseguimos cumprir sua vontade; hoje ele está enterrado num cemitério de Medellín. Nápoles foi, sem dúvida alguma, a propriedade mais importante para meu pai.

Ele chegou àquelas cálidas terras do Magdalena Medio antioquenho no 
começo de 1978, após procurar por mais de um ano um local que tivesse selva, água e montanha no mesmo lugar. A bordo do primeiro helicóptero que havia comprado quando a cocaína começou a torná-lo um homem rico, sobrevoou Caucasia, Santafé de Antioquia, Bolombolo e boa parte do estado de Antioquia, mas não encontrou um lugar que reunisse os três quesitos.

Até que um dia Alfredo Astado chegou a seu escritório e lhe contou que no 
jornal El Colombiano havia um anúncio de uma fazenda no município de Puerto Triunfo, muito próximo à futura autoestrada Medellín-Bogotá. Alfredo explicou que aquela região central do país era muito bonita e tinha futuro garantido, pois a estrada já estava em construção.

Meu pai aceitou a ideia e Alfredo ligou para o vendedor para marcar um 
encontro e verem a terra. A viagem ficou marcada para o fim de semana seguinte, mas foi sendo postergada por três meses porque sempre havia um problema mais urgente para meu pai e Gustavo Gaviria resolverem.

Enfim combinaram de se encontrar às duas horas da tarde de um Sábado no 
Piedras Blancas, um restaurante de beira de estrada na saída para o município de Guarne. Naquela época, meu pai e Gustavo estavam fissurados em motocicletas, inclusive competiam em algumas corridas, e por isso pensaram que viajar a bordo de suas motos seria muito divertido.

Os aventureiros chegaram na hora marcada para a partida trazendo uma 
maleta de roupas para o fim de semana, mas não se lembraram de que naquela época do ano chove muito na região e não levaram nada impermeável. Mal tinham saído caiu um temporal que os deixou completamente encharcados, mas preferiram continuar para não pegar a estrada à noite.

Após muitas quedas, arranhões e várias paradas para fumar maconha, 
chegaram ao município de San Carlos por volta de meia-noite. O povoado estava quase totalmente no escuro, mas meu pai e seus acompanhantes resolveram ir de casa em casa perguntando quem eram e onde moravam os donos da loja de roupa, do restaurante e do hotel.

Em poucos minutos estavam abertos a loja de roupa, o restaurante e o hotel. 
À uma hora da manhã, de roupas novas e tendo comido fartamente, foram finalmente dormir.

Então, no Domingo, após alguns percalços, chegaram enfim à fazenda 
Hezzen, já em Puerto Triunfo, onde o vendedor lhes apresentou o proprietário, Jorge Tulio Garcés, que era um velho inimigo de meu pai, o mesmo com quem anos antes tinha entrado numa briga numa festa no bairro de La Paz.

Não obstante, cumprimentaram-se sem mencionar o assunto e saíram para 
percorrer o terreno a cavalo. Na volta, meu pai fez uma proposta para comprar a propriedade de Jorge Tulio, mas ele respondeu que não estava à venda, pois era um patrimônio da família.

No dia seguinte saíram para percorrer mais propriedades, até que meu pai 
deparou com uma bela fazenda de oitocentos hectares conhecida como Valledupar. Ao lado desta havia outra, menor: Nápoles.

Enfim, após uma longa negociação em que Jorge Tulio pedia valores 
exorbitantes, como se não a quisesse vender, meu pai e Gustavo ficaram com a propriedade de Valledupar por 35 milhões de pesos, 915 mil dólares na época.

Mas achou que era pouca terra, e nos quatro meses seguintes não se deteve: 
comprou Nápoles e outras nove propriedades, que no fim somaram 1920 hectares, e custaram 90 milhões de pesos (2,35 milhões de dólares). Era o que ele queria: um terreno enorme com rios, selva, montanha e um clima agradavelmente quente porém seco.

Eu tinha um ano de idade. Meu pai se dedicou inteiramente a realizar o 
projeto que havia sonhado. Para tanto, começou a viajar todos os fins de semana para Puerto Triunfo em seu helicóptero, e a primeira coisa que fez foi reconstruir e ampliar a casa principal de Valledupar, que pouco depois rebatizou de Nápoles – numa homenagem a Al Capone, o célebre gângster norte-americano dos anos 1920, cujo pai, Gabrielle, nascera na cidade de Nápoles, na Itália. Meu pai admirava Al Capone e por isso lia qualquer livro ou revista que falasse sobre sua carreira no crime. Uma vez, numa das poucas entrevistas que deu, um jornalista japonês perguntou se ele se considerava maior que Al Capone. Ele respondeu: “Não sei quanto de altura o Al Capone tinha, mas acho que sou alguns centímetros mais alto que ele.”

Cem trabalhadores construíram, em tempo recorde, a casa da nova Nápoles, 
que logo ficou conhecida como La Mayoría. Era uma mansão de dois andares, de arquitetura improvisada mas cheia de comodidades.

O quarto de meu pai não fazia sentido: media cinco metros quadrados, um 
tamanho diminuto e despropositado diante da vasta superfície total da casa principal.

No térreo havia oito quartos praticamente iguais, com capacidade para até 
oito pessoas cada. Na parte de trás foram construídas três grandes garagens, pensadas originalmente para comportar até cinco veículos cada, mas as visitas eram tantas que meus pais acabaram fazendo delas pequenos quartos e construíram novos banheiros.

Ao lado da piscina para crianças e adultos e sob um teto semi-coberto com 
telhas de barro ficava a sala de televisão, que comportava até trinta pessoas; a seguir havia um bar enorme, que contava com dez mesas de quatro lugares, um balcão adornado com garrafas gigantes de uísque e todo tipo de jogos eletrônicos dos anos 1980, como Pac-Man, Galaxian e Donkey Kong, entre muitos outros.

Um dia um trabalhador levou uma muda de mamoncillo já crescida e meu pai 
simplesmente a plantou ao lado da piscina. Quando a árvore cresceu, ele trepava nela, orgulhoso, e atirava as frutas lá de cima a quem estivesse se banhando ali.

Depois resolveu comprar o maior guindaste que havia na Colômbia naquele 
momento e o levou para Nápoles a fim de transplantar árvores grandes; também plantou milhares de árvores frutíferas, como mangueiras, laranjeiras, limoeiros e pés de guama. Seu sonho era entrar na fazenda e colher as frutas sem nem precisar descer do carro.

As despensas para armazenagem de comida pareciam armazéns, e em cada 
uma das três geladeiras da cozinha caberiam até oito pessoas; também havia garçons por toda parte, sempre dispostos a oferecer “o que precisar”: desde roupas de banho para todas as idades, fraldas caso alguém tivesse esquecido, sapatos, bonés, bermudas e camisetas, até doces importados. Se alguém pedisse uma dose de cachaça recebia uma garrafa inteira. Nápoles foi concebida como um lugar onde outros sempre atenderiam a nossas necessidades ou às dos convidados.

Minha mãe e suas amigas usavam com muita frequência a quadra de tênis, e 
até faziam torneios; se alguma não soubesse jogar, contratavam um professor particular, que traziam de helicóptero de Medellín.

Não conheci o rancho Neverland de Michael Jackson nos Estados Unidos, 
mas acho que Nápoles deixava pouco a desejar perto dele, pois ali tudo era uma grande aventura, desde o dia da chegada até a partida.

Não sei de onde meu pai tirou a ideia de construir vários dinossauros e um 
mamute em tamanho real, mas o fato é que foram feitos por um renomado artista do Magdalena Medio conhecido como “El Diablo”, muito tempo antes de Steven Spielberg lançar o filme Jurassic Park. Os enormes animais de cimento e pintados com cores vivas ainda estão lá. Um tempo atrás, numa operação de busca das autoridades, perfuraram-nos, achando estarem cheios de dólares.

As famílias Escobar e Henao desfrutaram muito de Nápoles, viajavam 
praticamente todos os fins de semana para lá. No momento de maior esplendor da fazenda, minha mãe ligava para os convidados e perguntava se queriam vir de helicóptero, jatinho, caminhonete ou moto, e pedia-lhes informações sobre a hora de chegada e a hora de partida.

Meu pai gostava de esportes radicais, e encontrou um lugar no rio Claro com 
o qual ficou muito entusiasmado. Para fazer a coisa ficar mais emocionante, ligou para um amigo em Miami, o automobilista Ricardo “Cuchilla” Londoño, e encomendou um monte de aerobarcos, um caminhão rolligon, bugres e aviões ultraleves.

Seu hobby de fim de semana era pilotar os barulhentos aerobarcos, que 
eventualmente batiam nas pedras ao subir e descer em alta velocidade pelo rio. Cada máquina danificada era imediatamente substituída por outra, que traziam de Nápoles. Às vezes eu e ele íamos rio abaixo nadando juntos ou flutuando em pneus, e um dia quase me afoguei.

Os repetidos voos de helicóptero sobre os rios que rodeavam a fazenda, entre 
eles o Doradal, um dos mais caudalosos, deram a meu pai a ideia de construir uma represa para gerar energia e praticar esportes náuticos. Setecentos peões chegaram para trabalhar na obra faraônica, mas ele acabou cancelando-a um ano depois, porque o gasto de dinheiro foi gigantesco e porque o projeto carecia de estudos técnicos – a ponto de alguns especialistas terem advertido meu pai de que se ele continuasse a obra haveria o risco de inundar a incipiente comunidade de Doradal, bem como outras pequenas aldeias, com consequências imprevisíveis.

Um dia, meu pai voltou da fazenda Veracruz, propriedade dos irmãos Ochoa 
Vásquez, com a ideia de ter seu próprio zoológico. Eles haviam construído um belíssimo, no município de Repelón, no estado de Atlántico, com grande quantidade de animais exóticos, que cativaram meu pai. Foi várias vezes à fazenda dos Ochoa para perguntar como se montava um zoológico, e entendeu que a sobrevivência dos animais dependia do habitat onde fossem viver. Para se inteirar bem do assunto, comprou a biblioteca inteira da National Geographicna qual examinou o clima da região e selecionou as espécies de animais que se adaptariam ali.

A ideia de ter um zoológico próprio começou a tomar forma em 1981, 
quando meu pai viajou pela segunda ou terceira vez para os Estados Unidos comigo e com minha mãe. Como bons paisas, fomos em comboio familiar: todos os irmãos e irmãs de meu pai, com suas esposas e filhos, alguns primos e meus avós Abel e Hermilda.

Conforme minha mãe me contou, a torração de dinheiro foi inacreditável, 
porque todos compraram o que viam pela frente e trouxeram dezenas de malas cheias de roupas e de todo tipo de quinquilharia. Cada grupo da família tinha um guia que os assessorava nas compras e nos passeios e um carro com motorista para os traslados. Tudo o que desejaram naquela viagem, tiveram.

A gastança foi tanta que um dia meus parentes entraram na joalheria Mayor’s 
em Miami e ficaram até tarde comprando diversas joias e relógios. A quantidade era tão grande que os funcionários fecharam a loja para atendê-los com exclusividade.

Ninguém estava armado e também não havia seguranças, porque essas 
figuras ainda não faziam parte do dia a dia de nossa família. Essa foi a única época em que meu pai pôde aproveitar e gastar o que quisesse sem se preocupar.

Quando estávamos perto de voltar para a Colômbia, meu pai encarregou 
Alfredo de procurar nos Estados Unidos um zoológico em que pudesse comprar elefantes, zebras, girafas, dromedários, hipopótamos, búfalos, cangurus, flamingos, avestruzes e outras espécies de aves exóticas. Tirou da lista os tigres e os leões porque achava-os perigosos, além de querer que todos os animais vivessem livres, sem jaulas.

Semanas depois, Alfredo lhe disse que havia entrado em contato com os 
proprietários de um criadouro de animais em Dallas, Texas, que capturavam os bichos na África e os levavam para os Estados Unidos.

Entusiasmado, meu pai organizou uma nova viagem com toda a família para 
realizar o negócio. Quando chegamos ao aeroporto de Dallas, ficamos surpresos porque entre oito e dez luxuosas limusines nos esperavam logo na pista de pouso. Eram tantas que fui sozinho em uma daquelas banheiras, assistindo na televisão às aventuras de Tom e Jerry com um pote gigante cheio de chocolates nas mãos.

Meu pai ficou fascinado com a variedade de animais e não teve problemas 
em subir por alguns minutos em cima de um elefante. Sem hesitar por um segundo, negociou com os donos do zoológico – dois irmãos corpulentos, de sobrenome Hunt –, pagou 2 milhões de dólares em dinheiro e ficou de mandar buscar em breve os animais.

Na volta para o hotel meu pai comprou um balão de hélio. Subimos para 
brincar com ele no quarto e, de repente, ele me fez uma proposta:

– Grégory, quer ver sua mamadeira voar pelo céu com o balão? – perguntou-me, 
sorrindo.

– Quero, papai, que legal – respondi, animado, em minha ingenuidade.


– Então venha aqui e me ajude a amarrar ela bem forte, para não soltar e cair 
do balão.

Eu estava feliz porque em breve veria minha mamadeira voando. Ele 
amarrou o fio e juntos jogamos o conjunto no ar. Até tiramos uma foto com uma Polaroid. Mas percebi que a mamadeira não voltava e comecei a perguntar por ela e a pedi-la.

– Meu filhinho, acho que a mamadeira não vai descer tão rápido, olha como 
ela está indo para o céu. Já está na hora de você começar a beber no copo, que nem os homens adultos.

O primeiro grupo numeroso de animais para o zoológico de Nápoles chegou 
num barco alugado que atracou no porto antioquenho de Necoclí, no mar do Caribe, a quatrocentos quilômetros de Medellín.

Como as viagens de barco eram mais demoradas e os animais ficavam 
expostos a riscos maiores, meu pai decidiu trazê-los em voos clandestinos, com desembarques express. Para tal tarefa, escolheu seu amigo Fernando Arbeláez, que alugou vários aviões Hercules que aterrissariam no aeroporto Olaya Herrera, em Medellín, quando as operações aéreas do dia já tivessem terminado. A estratégia foi facilitada pelas precárias condições de segurança do aeroporto e porque meu pai era dono de dois hangares contíguos à pista principal.

Arbeláez conseguiu uma precisão incrível: os aviões chegavam poucos 
minutos depois das seis horas da tarde, quando a torre de controle e as luzes da pista de pouso já tinham se apagado. Nesse instante, o Hercules surgia ao longe. Enquanto a enorme aeronave aterrissava, vários caminhões saíam do hangar de meu pai e, com uma rapidez espantosa, tiravam as jaulas com os animais do avião, que não desligava os motores. Depois, decolava novamente. Quando as autoridades chegavam, alertadas pelo barulho, encontravam apenas algumas caixas de madeira vazias e muitas penas e pelos no chão. Desde então, Fernando foi apelidado de “Animalero”. Os desembarques express permitiram que em pouco tempo meu pai enchesse de animais o zoológico de Nápoles, justo quando a autoestrada Medellín-Bogotá estava quase pronta.

Mas faltava um casal de rinocerontes. Para trazê-los dos Estados Unidos, 
meu pai alugou um velho avião DC-3, cujo piloto era macaco velho e se comprometeu a aterrissar em Nápoles, embora fosse preciso uma pista de 1200 metros, trezentos a mais do que a da fazenda tinha.

Assim, tendo medido as distâncias e calculado o tempo de frenagem, a 
aeronave desceu pelos céus de Nápoles, aterrissou ostensivamente e o hábil piloto fez com que girasse pelo menos dez vezes sobre a roda traseira, até que freou no limite do rio Doradal. O avião tinha pintado no bico um enorme peixe com dentes afiados e olhar malicioso, mordendo um charuto aceso.

O zoológico estava praticamente pronto, mas meu pai queria mais e mais 
animais. E era um gosto muito caro. Como o casal de papagaios-negros que comprou em Miami, para onde havia ido a fim de cobrar uma dívida de 7 milhões de dólares de um distribuidor de cocaína. Embora tivesse um encontro marcado com o credor às duas horas da tarde, preferiu ir até o dono dos animais, que havia pedido para se encontrarem na mesma hora e no outro extremo da cidade. Assim, os papagaios se tornaram os animais mais caros do zoológico, porque os comprou por 400 mil dólares. Semanas depois, furioso, meu pai ligou para se queixar porque um veterinário descobriu que haviam sido castrados.

Meu pai passava horas e horas admirando as enormes gaiolas em que se 
exibiam as aves mais exóticas do mundo. Os papagaios eram seus preferidos, e havia de todas as cores, incluindo os negros. Mas isso também não era suficiente, porque durante a viagem que fez ao Brasil, em Março de 1982, para celebrar sua eleição a deputado, descobriu uma ararinha-azul com olhos amarelos, única de sua espécie e protegida pelas leis do país. Contudo, e como ele não tinha limites, deu um jeito de seu piloto contrabandeá-la. A arara viajou sozinha no jatinho de meu pai. O custo? 100 mil dólares.

Os últimos animais que chegaram ao zoológico foi um casal de belos botos cor-
de-rosa que mandou comprar no Amazonas e que foram colocados num dos lagos que meu pai mandou fazer na fazenda Honduras, a uns dez minutos de Nápoles. Eu costumava ir de tarde brincar com os botos, apesar do odor horrível que soltavam.

Finalmente, meu pai considerou que o zoológico, que contava com cerca de 
1200 animais exóticos, estava pronto para ser aberto ao público. Mas percebeu que faltava algo: a entrada. Então mandou construir um enorme portal branco com a palavra Nápoles nas colunas principais. Ambas eram encimadas por um aviãozinho monomotor modelo PA 18 Piper e matrícula HK-671, também pintado de branco e com uma faixa azul de lado a lado.

A história dessa aeronave foi objeto de todo tipo de especulação, como a de 
que nela meu pai teria transportado seu primeiro carregamento de cocaína. Mas não era nada disso. O pequeno monomotor pertenceu a um amigo dele, até que se acidentou ao aterrissar numa lateral da pista do aeroporto Olaya Herrera em Medellín. O avião permaneceu abandonado por vários meses, até que meu pai viu os destroços e pediu a seu amigo que os desse de presente a ele. Depois, fez com que fosse trazido para Nápoles, onde foi desmontado e restaurado, mas sem o motor. A particularidade daquele pequeno avião era que seu revestimento externo era de tecido.

Há muitas histórias inventadas também sobre o velho e esburacado 
automóvel que meu pai mandou colocar no acesso ao primeiro dos três principais setores do zoológico, a um quilômetro da entrada da fazenda. A mais célebre delas diz que foi naquele carro que morreram, em Maio de 1934, os famosos ladrões norte-americanos Bonnie e Clyde, a quem meu pai admirava com devoção. Assisti com ele a todos os filmes que Hollywood fez sobre a história dos dois.

A verdade é que o veículo era uma fusão que Alfredo Astado fez de dois 
carros diferentes. O primeiro, o chassi de uma caminhonete Toyota, a única peça utilizável que restou do violento acidente de trânsito no qual morreu Fernando, o irmão mais novo de meu pai, quando estreava o carro num passeio com sua namorada. O segundo, a carroceria de um velho Ford modelo 1936 que Alfredo ganhara de presente. Do chassi da caminhonete Toyota e da carroceria do Ford, Alfredo fez um único carro.

Mas, um dia, enquanto Alfredo resolvia umas coisas no centro da cidade, 
meu pai foi até sua casa e descobriu o Ford remodelado. Sem nem perguntar, mandou levarem o automóvel para exibi-lo em Nápoles. No fim de semana seguinte, quando chegou para ver como tinha ficado o veículo, meu pai foi até o lugar, pegou sua metralhadora e ordenou a vários de seus homens que pegassem suas armas e disparassem na carroceria, para simular as 167 balas que foram disparadas contra o carro original de Bonnie e Clyde. O fuzilamento esteve a ponto de terminar em tragédia porque justo naquele momento ouviram os gritos desesperados de um trabalhador da fazenda que havia adormecido dentro do carro.

Assim, com o aviãozinho na entrada, o carro baleado perto dali e dezenas de 
animais belos e exóticos no zoológico, meu pai abriu Nápoles ao público. O sucesso foi imediato, porque além da entrada gratuita, os turistas podiam percorrer o imenso parque em seus próprios veículos. Num fim de semana com feriado chegaram a passar por ali 25 mil automóveis. Famílias inteiras, de todos os cantos da Colômbia, viajaram para desfrutar do lugar. Meu pai estava feliz, e eu lhe perguntava por que não cobrava entrada, se aquilo poderia se tornar um bom negócio.

– Filho, esse zoológico é do povo. Enquanto eu estiver vivo nunca vou deixar 
cobrarem a entrada, porque gosto que as pessoas pobres possam vir e ver esse espetáculo da natureza.

A avalanche de turistas chegou a proporções tão grandes que meu pai 
mandou construir uma estrada nova, pois até para ele começou a ficar difícil de chegar. O percurso normal de sete minutos entre a entrada e a casa principal chegou a demorar até duas horas.

Houve apenas uma espécie que não se adaptou ao habitat de Nápoles: as 
girafas. As seis que meu pai comprou no zoológico do Texas – três fêmeas e três machos – rejeitaram o alimento e também não se acostumaram aos comedouros que ele mandou construir na parte alta das árvores. No fim, todas morreram, e foram enterradas num lugar distante da fazenda.

A abertura do zoológico se deu concomitantemente a uma intensa vida social. 
As festas ficaram mais frequentes, com nossas famílias ou com os amigos de meu pai, embora estas últimas fossem mais reservadas. Em nosso primeiro fim de ano em Nápoles, as comemorações duraram um mês. Do meio de Dezembro ao meio de Janeiro. O convidado foi o cantor venezuelano Pastor López e sua orquestra, que começavam a tocar às nove horas da noite e só paravam às nove horas da manhã do dia seguinte. Houve noites em que vinham até mil pessoas para as festas, muitas das quais nem sequer conhecíamos.

A pista de pouso de Nápoles parecia um aeroporto. Num fim de semana era 
fácil ver uma dúzia de aeronaves estacionadas lá. Nessa época, meu pai era amigo de muita gente, ninguém o perseguia e muitos de seus convidados chegavam com presentes e caixas repletas de bebidas.

O luxo absoluto tomava conta de tudo. Meu tio Mario Henao também tinha 
seu jatinho particular e era comum vê-lo saindo cedo de Nápoles, dizendo: “Vou tomar café da manhã em Bogotá e volto para o almoço. Vou trazer para o Pablo aquele queijo com recheio de goiabada que vendem no aeroporto.”

Um dia, meu primo Nicolás – que então pesava cerca de 130 quilos – ficou 
com desejo de comer um hambúrguer que só era vendido no Centro Comercial Oviedo, em Medellín. Pois mandou ligarem o helicóptero e algumas horas depois recebeu seu duplo cheeseburger com uma porção enorme de batatas fritas.

O zoológico nunca deixou de ser a menina dos olhos de meu pai, e ele 
cuidava e se preocupava com todos os detalhes. Como no dia em que andava pela fazenda em sua caminhonete e notou que os flamingos haviam perdido sua bela cor rosada e a plumagem estava quase branca. Convencido de que a descoloração se devia à má alimentação, consultou um veterinário inexperiente que mandou dar camarões para eles comerem durante seis meses. Claro que não funcionou.

Outro dia, notou que os elefantes pareciam aborrecidos com a comida; não 
sabiam muito bem com o que alimentá-los. Tentaram dar grama picada de todo tipo e até cana-de-açúcar, mas os paquidermes continuaram sem apetite por muito tempo. Entre outras tantas tentativas, um dia meu pai mandou comprar três toneladas de cenoura para ver se eles se animavam. Nem isso surtiu efeito.

Numa ocasião, eu e meu pai saímos sozinhos para percorrer o zoológico 
numa caminhonete Nissan azul conversível, e ele pediu que eu segurasse sua metralhadora enquanto ele dirigia e observava o estado dos animais.

Uma hora depois de termos saído, encontramos um veado estirado ao lado da 
estrada, com uma perna fraturada. O pequeno animal de longas pernas brancas e lombo marrom com pintinhas amarelas se revirava de dor, porque o osso quebrado estava exposto. Diante da gravidade da lesão, meu pai disse que a única opção seria sacrificá-lo, e se dirigiu à caminhonete para pegar sua lendária pistola Zig Sauer P-226 preta de 9 mm, a qual adorava pois era muito precisa e não disparava com facilidade. Além do mais, era a única das muitas que tivera que não travava nunca.

– Você quer sacrificá-lo, Grégory? – ele me perguntou e, sem me dar tempo 
para responder, disse-me para apontar para a cabeça do veado e disparar, assim ele não sofreria mais.

Meu pai deve ter visto minha cara de susto, porque me mandou esperá-lo no 
carro, mas eu respondi que era sim capaz de fazer aquilo. Tomado de pavor, peguei a arma das mãos dele e tive de apertar o gatilho com os dois dedos. Embora estivesse muito perto, a menos de um metro, errei o primeiro tiro, acertei na terra. O segundo também, mas na terceira tentativa não falhei.

Nápoles ficou tão conhecida em todo o país que no dia 31 de Maio de 1983 
meu pai emprestou os terrenos da fazenda para a filmagem de um comercial de um minuto da Naranja Postobón, uma empresa de refrigerantes das organizações Ardila Lülle. Para a gravação, utilizaram o aviãozinho Twin Otter de meu pai, os veículos anfíbios e os bugres, e também zebras, elefantes, girafas, cisnes, cangurus, alces e avestruzes. Claro que eu não podia deixar de aparecer: saí de perfil, quase no fim do comercial, com uma câmera em mãos filmando meu amiguinho Juan Carlos Rendón – filho de Luis Carlos Rendón, colaborador de meu pai em seus negócios obscuros nos Estados Unidos –, que estava vestido com um macacão amarelo e uma camiseta verde.

Alguns dias depois, chegou a nossa casa no bairro de Santa María de los 
Ángeles um gigantesco arranjo de flores com chocolates finos, nozes, amendoins, amêndoas e uma garrafa de licor. O presente vinha da parte da engarrafadora de refrigerantes e era para meu pai.

O dinheiro em excesso não era direcionado apenas para luxos e 
excentricidades. Enquanto durou, meu pai se esforçou para ajudar as pessoas. Lembro de alguns Natais em que ele distribuía presentes para todas as crianças dos povoados vizinhos. Eu fui com ele diversas vezes para entregar os presentes, que eram bons de verdade, não coisinhas baratas. Passamos tardes inteiras na parte traseira de um caminhão entregando dois ou três brinquedos para cada garoto e garota que vinham.

Mas ele não dava presentes apenas em Antioquia. Escolhia comunidades 
mais pobres para fazer a distribuição pessoalmente. Uma vez, inclusive, quatro de seus helicópteros partiram de Nápoles cheios de remédios e presentes para as comunidades indígenas das selvas de Chocó.

A comunidade que mais agradecia era a de Puerto Triunfo, que encontrou em 
Nápoles oportunidades de trabalho e entrada gratuita ao parque zoológico. Essa gratidão ficou clara numa madrugada de um fim de ano, quando fomos com toda a família à missa do galo na igreja que havia sido construída com a ajuda de meu pai e de Gustavo Gaviria.

Quase ao final da liturgia, o pároco se dirigiu a meu pai e lhe entregou uma 
chave de papelão, que segundo ele significava dar as chaves do céu para alguém que ajudava as pessoas. Mas o momento solene foi interrompido por um bêbado:

– Padre, não tem uma cópia para mim?


A congregação caiu na gargalhada.


Termina aqui a versão colorida da fazenda Nápoles, que não deixa dúvida 
alguma de por que meu pai foi tão feliz naquele lugar que havia encontrado e moldado do seu jeito. Também fica entendido por que em três ocasiões ele nos disse que queria que o sepultássemos ali e plantássemos uma paineira em cima.

Mas este relato ficaria incompleto se eu não contasse que em Nápoles 
aconteceram coisas ruins. E muitas.

Desde que começou a construir a fazenda, meu pai previu que no futuro ela 
lhe serviria de proteção contra seus inimigos, e que lhe serviria também para o tráfico de cocaína. Nesse momento, ele já era um influente narcotraficante, com um poderoso aparato criminoso sob seu comando e com vontade de incidir na vida política do país.

Meu pai preferia que eu continuasse entretido com os brinquedos da fazenda, 
mas a crueldade da guerra era cada vez mais difícil de esconder. Nápoles foi seu centro de operações, e boa parte de minha infância foi passada ali.

A primeira coisa que fez quando começou a construir a casa principal foi 
pensar num esconderijo para ficar caso tivesse alguma situação emergencial. Foi feito um lugar para isso no armário do quarto principal. Ali, colocou um cofre médio onde guardava algum dinheiro e um revólver de calibre 38 curto que durante muito tempo levou amarrado ao tornozelo. Do lado esquerdo foi construído um compartimento secreto de dois metros de altura por dois de largura e três de profundidade, que não se via pois sua entrada se dava por uma pequena porta escondida.

Na primeira vez em que entrei nesse lugar havia pelo menos uma centena de 
fuzis Colt AR-15, Aug, pistolas e metralhadoras Uzi e MP-5. E também uma valiosa metralhadora Thompson, original de 1930, com um provedor de trezentas balas num tambor redondo em formato espiral. Nesse dia meu pai a tirou do esconderijo para mostrá-la a seus homens, que ficaram impressionados.

Eu estava acostumado a ver armas, e em Nápoles era muito comum elas 
serem usadas. Tanto que, ao lado da piscina, meu pai mandou instalar uma bateria antiaérea muito antiga, que tinha assento, quatro pés grandes e canhões com amortecedores. Com a morte do ministro Lara, meu pai previu a primeira operação de busca policial em Nápoles e por isso ordenou que a escondessem na selva, mas nunca se soube onde a ocultaram.

Além do esconderijo na casa principal, meu pai mandou construir dois outros refúgios em lugares distantes da fazenda: Panadería e Marionetas.

Panadería era uma casa pequena, moderna, de apenas um andar, feita com 
grandes vigas de madeira e situada num dos últimos trechos da fazenda, a seis ou sete quilômetros da casa principal, passando pela selva. O lugar era cheio de cobras, que saíam de tudo que é canto, e por isso era preciso fumigar e olhar bem tudo, até debaixo dos travesseiros, a cada vez que íamos dormir lá.

Marionetas era uma casa austera de quatro quartos, e para chegar até ela era 
preciso andar vários quilômetros de carro por estradas cheias de curvas e meandros para confundir os que ousassem passar por ali.

Quase desde o começo os parceiros de crime de meu pai frequentavam a 
fazenda. Lá conheci quase todos os integrantes do cartel que ele comandava, dos cargos menos importantes aos mais altos. A maioria deles gostava de se gabar com suas namoradas ao convidá-las para a “fazenda do patrão”.

“O Mexicano” esteve várias vezes em Nápoles, mas meu pai preferia nos 
levar às propriedades dele, onde passávamos alguns dias juntos. Era um homem de poucas palavras, tímido, habilidoso e inteligente, e na maior parte do tempo ficava em silêncio, pensativo.

Carlos Lehder também aparecia com bastante frequência e sempre trajando 
sua calça camuflada, regata verde-oliva, boné, e com uma faca no melhor estilo Rambo, bússola, sinalizadores e fósforos que acendiam mesmo molhados, uma pistola Colt de calibre 45 e uma besta, sua arma preferida. Gostava de carregar um par de granadas no peito e um fuzil G-3 nas mãos. Parecia um personagem de videogame, armado até os dentes, o corpo atlético e até bem aparentado.

Nunca me esqueço de como era extremamente pálido; sua pele quase verde 
chamava muito a minha atenção. Parecia padecer de uma rara doença tropical, ocasionada por suas longas viagens pela selva.

Ele protagonizou um escândalo muito grave que tirou meu pai do sério, e por 
isso ele exigiu que Lehder fosse embora da fazenda. Foi no fim de 1986. Numa madrugada, entrou escondido num pequeno quarto perto da piscina e matou com um tiro de fuzil o “Rollo”, um homem alto que comandava um dos grupos de pistoleiros de meu pai. O capo estava furioso porque “Rollo” tinha um romance com uma mulher de quem ele gostava. Após o escândalo, meu pai falou com veemência com Lehder, que não teve outra opção a não ser sair imediatamente da fazenda. Esta foi a última vez que se viram. O jornalista Germán Castro Caycedo estava lá naquela noite, numa de suas conversas noturnas com meu pai, quando se ouviu o forte estrondo; meu pai ordenou a todos que se metessem debaixo dos carros até que averiguasse o que estava acontecendo. Lehder apareceu na parte de trás, com seu fuzil G-3 em mãos, e disse:

– Pronto, matei aquele filho da puta.


Uma vez veio um convidado muito especial, a quem meu pai tratava com 
absoluto respeito. Era um homem de setenta anos a quem, de maneira totalmente fora do comum, meu pai fazia grande reverência.

– Grégory, venha aqui, quero apresentar dom Alberto Prieto, o único patrão 
que tive na vida – disse, fazendo sinais para que eu me aproximasse e o cumprimentasse dando a mão, para mostrar meu respeito.

A ascendência de Prieto sobre meu pai era tamanha que até lhe pediu 
permissão para contar de suas atividades do passado, quando fora contrabandista de eletrodomésticos, cigarros e bebidas. A gratidão que tinha por aquele homem era clara no semblante de meu pai, pois fora o primeiro a lhe dar a oportunidade de prosperar no mundo do crime.

Naquela noite, e num gesto que surpreendeu a todos nós, pela primeira e 
única vez na vida meu pai cedeu o próprio quarto para o visitante, e nos levou para dormir em outro cômodo no térreo da fazenda.

Nápoles foi utilizada também como centro de treinamento do exército de 
pistoleiros que acompanhou meu pai ao longo de sua carreira como criminoso.

– Aqui todo mundo é muito bravo, muito espertinho, mas não sabe nem 
disparar ou segurar direito uma arma – meu pai disse um dia, lamentando que constantemente seus homens ficassem feridos ou em alguns casos até morressem pela deficiência na destreza com os armamentos.

Além do mais, com frequência precisava corrigir seus guarda-costas por sua 
pontaria ruim e por não conseguirem usar direito uma arma mais pesada ou de longo alcance, quando necessário.

Até que um dia, em 1988, quando a guerra contra o cartel de Cali tinha 
acabado de começar, enquanto tomávamos café da manhã na sala de jantar de Nápoles, ele nos disse:

– Esses “rapazes” precisam de treinamento. Vai vir um estrangeiro que já 
treinou um pessoal do “Mexicano” e que parece ser muito bom. É um cara que o “Carlitos” (Castaño) trouxe, um israelense que ele conheceu num curso que fez com alguns militares colombianos fora do país. Vai ensinar técnicas de segurança e proteção para eles, e também como atirar de carros em alvos em movimento; vai ensinar como entrar em casas, tipo comando, para que esses bandidos não se matem uns aos outros quando estiverem fazendo algum serviço ou quando sofrerem um ataque.

Meu pai estava entusiasmado com o treinamento e prosseguiu com a 
explicação:

– Tivemos que arrumar uns carros roubados para praticar e um lugar com 
uma casa semiabandonada para simular uma retomada de reféns, para fazer o exercício de entrar e tirar alguém de lá ou libertar a pessoa.

Depois soltou uma risada maliciosa e encerrou a conversa:


– Que tal? Vir de tão longe para ensinar meus rapazes a entrar numa casa... 
Não é isso que eles têm feito a vida inteira?

Com efeito, três dias depois soube que o estrangeiro havia chegado muito 
cedo e que tinha sido levado a uma propriedade muito distante de Nápoles, embora na mesma região, à qual se chegava por um caminho muito estreito. Ouvi um dos homens de meu pai dizer o nome do estrangeiro: Yair.

Obviamente, esse nome não significava nada para mim, e meu pai também 
não reparou na procedência do instrutor, mas tempos depois ficaria sabendo que Yair na verdade era um mercenário israelense que viera para a Colômbia a fim de treinar o exército do “Mexicano”, o qual logo se transformaria numa máquina do crime que daria origem aos paramilitares do Magdalena Medio.

Entre as duas dúzias de homens que passaram por Yair alguns sobressaíram, 
como os irmãos Brances e Paul Muñoz Mosquera, o “Tyson”, e “Tilton”, dois dos pistoleiros mais letais de meu pai, que tinham uma família enorme e evangélica.

Durante os primeiros dias, eu e meu pai ficamos de um lado da pista para vê-los 
disparando em garrafas e latas colocadas em cima de barris cheios de areia, mas ninguém acertava. Miravam tão mal que as balas atingiam o chão.

Dias depois, tendo o treinamento encerrado, meu pai lhes perguntou o que 
haviam aprendido enfim, e responderam que tinha sido muito produtivo para eles, pois haviam aprendido uma coisa nova: disparar e recarregar duas pistolas ao mesmo tempo, uma manobra muito difícil e até então desconhecida. O resto, disseram, já sabiam.

O uso de carros-bomba em atentados terroristas também teve Nápoles como 
epicentro.

Ocorreu quando meu pai solicitou os serviços de “Chucho”, um especialista 
em explosivos que fora treinado em Cali por um integrante de um grupo terrorista espanhol, sujeito que Gilberto Rodríguez Orejuela conheceu quando esteve preso em Madri.

Na verdade, nunca entendemos por que motivo o capo do cartel de Cali 
trouxe o espanhol, se naquela época meu pai e os Rodríguez eram amigos e não tinham rivalidades; o mercado da cocaína nos Estados Unidos era enorme, cada um tinha sua própria região para traficar.

“Chucho” se tornou um homem de muita confiança, a quem meu pai oferecia 
muita proteção, pois não podia perder alguém que representava uma vantagem estratégica diante de qualquer perigo. Confiava tanto nele que, em algumas ocasiões, entrou junto com ele num esconderijo.

“Chucho” aprendera diversas técnicas para detonar veículos carregados com 
dinamite e para levar a carga explosiva até um lugar determinado.

Novamente, era recorrente ouvir dos “rapazes” que a pista de pouso de 
Nápoles fora usada para as simulações – com carros roubados, claro –, que deviam ser feitas com muito cuidado por causa do risco com as explosões.

O lugar escolhido foi a parte final da pista, onde havia ao lado um barranco 
que servia como escudo para evitar acidentes. Num desses ensaios, a explosão foi tão forte que o veículo ficou preso numa árvore na parte de cima do morro.

Quando fugir se tornou algo cotidiano porque meu pai decidira enfrentar o 
Estado, a primeira coisa que as autoridades faziam era invadir a fazenda Nápoles e procurar provas para processá-lo por qualquer coisa, mas meu pai tinha informantes em todos os órgãos de segurança, aos quais pagava altos salários para que lhe avisassem sobre as operações contra ele, dependendo de seu cargo e poder. Assim, quando chegavam não encontravam uma bala sequer, mas as autoridades simulavam que a fazenda era um refúgio de armas, explosivos e drogas. Aconteceu de tudo e houve de tudo um pouco ali, mas nada do que os meios de comunicação mostraram era realmente de meu pai. E isso o enfurecia ainda mais.

Ainda na clandestinidade, ele também se negava a entregar os animais às 
autoridades, que usavam o pretexto de eles terem sido introduzido ilegalmente no país. Sempre disse que apreendê-los não tinha sentido se fossem transferidos para lugares não aptos para recebê-los. Além do mais, tinha certeza de que a fazenda era o melhor lugar para aquelas espécies e que qualquer zoológico do país era de quinta categoria se comparado a Nápoles.

Numa das cada vez mais frequentes operações de busca das autoridades, 
agentes do Inderena, o Instituto de Recursos Renováveis e Não Renováveis, apreenderam as doze zebras do zoológico. Meu pai ficou sabendo disso e, mesmo estando na clandestinidade, ordenou imediatamente que seus homens conseguissem doze burros para substituir as zebras no lugar onde elas haviam sido abrigadas.

– Ofereça um ano de salário para o vigia – disse para um de seus empregados 
de confiança.

E assim foi: o vigia permitiu que a troca fosse feita, e à noite pintaram os 
burros de branco e preto e as zebras voltaram para Nápoles. Meu pai fez algo semelhante quando em outra ocasião apreenderam um bom número de aves exóticas e levaram-nas para o zoológico Santafé, em Medellín. Ao ficar sabendo do ocorrido, mandou comprar patos, gansos e galinhas, e à noite seus homens fizeram a troca; de novo, suas aves voltaram a Nápoles.


Esta fotografia inédita mostra meu pai em cima de um elefante no zoológico de Dallas, Texas. Nessa viagem, com boa parte da família, comprou dezenas de animais que mais tarde chegariam à fazenda Nápoles.


Apesar de a fazenda Nápoles ter sido invadida pelas autoridades diversas vezes, meu pai sempre deu um jeito de permanecer nela depois, como se nada estivesse acontecendo.

Nápoles marcou o começo do império de meu pai. Foi um lugar paradisíaco, no qual ele realizou todos os seus sonhos. Mas também utilizou a fazenda como epicentro de suas atividades como narcotraficante.

Esta diligência original do Oeste dos Estados Unidos foi importada por meu pai e se juntou à longa lista de itens excêntricos da fazenda Nápoles.

Durante vários anos, a fazenda foi o lugar de lazer preferido das famílias Escobar-Henao. Nós íamos para lá praticamente todos os fins de semana.

Meu pai e eu sempre tivemos uma relação muito próxima. Nem a clandestinidade conseguiu nos distanciar. Ele costumava comparecer aos eventos mais importantes da família.

Esta foi talvez a única vez que meu pai ficou embriagado. Ocorreu em Nápoles, depois de tomar várias doses de um coquetel conhecido como Rasputín.










Manancial: Pablo Escobar, meu pai

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