PABLO ESCOBAR, MEU PAI – CAPÍTULO 13: Barbárie
CAPÍTULO 13
BARBÁRIE
Palavras por Juan Sebastián Marroquín
– Você consegue imaginar um cara sentado em frente a uma máquina de escrever pondo no papel as palavras “Pablo Escobar Gaviria extraditado para os Estados Unidos”? Eu não me deixo ser extraditado. Eu, rico e jovem assim, trancado numa prisão gringa? Eles não perdem por esperar.
Minha mãe não entendeu muito bem a que meu pai se referia com essa frase enigmática, mas também não perguntou, pois já estava acostumada ao seu hermetismo.
As primeiras semanas de Janeiro de 1986 foram bastante tranquilas para nós. Tal alívio era decorrente da estratégia de meu pai de eliminar de qualquer jeito os obstáculos que aparecessem em seu caminho. Fazia dois meses – com a morte de muitos magistrados, especialmente os da Suprema Corte de Justiça e com a destruição dos autos relacionados a sua extradição – que suas preocupações haviam desaparecido.
Além disso, o país andava muito ocupado atendendo as milhares de famílias afetadas pela erupção do vulcão Nevado del Ruiz – que ocorrera uma semana depois da tragédia no Palácio da Justiça – e recompondo as altas cortes, pondo para funcionar o novo aparato judicial, para poder voltar a perseguir a máfia.
O governo, as Forças Armadas e a polícia estavam tão distraídos que não repararam que meu pai emprestou por dez dias dois de seus helicópteros para transportar feridos e mantimentos na região do desastre de Armero. Ordenou a seus pilotos que durante aquele tempo suspendessem o transporte de cocaína e colaborassem no que os grupos de socorro precisassem. Várias vezes vimos as aeronaves nos telejornais daqueles dias.
Não obstante, meu pai demonstraria de maneira violenta que não tinha problema algum em afagar e depois apedrejar com a mesma mão.
Isso ficou claro quando, naquele 19 de Fevereiro de 1986, seus homens cumpriram sua ordem (dada meses antes) de assassinar, onde quer que estivesse, o piloto Barry Seal – Adler Barryman Seal –, o infiltrado do departamento antidrogas norte-americano, o DEA, que tirou a foto em 1984 na qual meu pai e “El Mexicano” aparecem durante o carregamento de um avião com cocaína na
Nicarágua.
Contaram-me que meu pai, após o escândalo todo, designou “Cuchilla” – um perigoso delinquente do município de La Estrella – para organizar o atentado, dizendo que não importava a quantidade de dinheiro que fosse preciso gastar. “Cuchilla” ficou morando em Miami por muito tempo, tentando conseguir informações sobre Seal.
– Esse aí vai me pagar... vivo ele não fica – meu pai teria dito a “Cuchilla”.
Não era uma tarefa fácil, pois o piloto era uma testemunha protegida pelo DEA e era muito provável que sua identidade tivesse sido mudada e que ele estivesse morando em qualquer canto do país.
Mas os contatos mafiosos de meu pai em Miami disseram a “Cuchilla” que Seal havia se recusado a aceitar os protocolos de segurança das autoridades norte-americanas e preferira continuar sua vida normalmente, como se nada tivesse acontecido. Também forneceram o local exato onde morava: Baton Rouge, no estado da Louisiana.
“Cuchilla” mandou três pistoleiros até lá, que balearam Seal quando ele entrava num Cadillac branco, no estacionamento do centro de tratamento comunitário do Exército da Salvação, um movimento religioso internacional.
Meu pai soube quase que imediatamente que seus homens haviam assassinado Seal. Porém, dois dias depois “Cuchilla” lhe contou que os pistoleiros haviam sido presos quando se dirigiam ao aeroporto de Miami para voltar à Colômbia. Cumpririam uma longa pena naquele país.
Desde o dia em que meu pai decidiu que seria um criminoso, nós nunca ficávamos sabendo do instante em que ele mandava matar alguém ou cometer determinado crime. Uma testemunha da Justiça norte-americana acabava de morrer, e meu pai sabia que aquilo traria graves consequências para ele, mas seu espírito de vingança pela traição de Seal fora maior.
Ele sabia separar os negócios e os crimes de seu entorno familiar, e assim faria até o último dia de vida. Prova disso é que nós nunca ficamos sabendo que ele condenara Barry Seal à morte, e muito menos que seus homens haviam cumprido a ordem, pois sua esperteza lhe permitia manter uma atitude inabalável diante de todos a seu redor.
Em meu nono aniversário, no dia 24 de Fevereiro – cinco dias após o assassinato de Seal –, meu pai me escreveu uma carta de duas páginas na qual me dava uma lição de vida:
Hoje você está fazendo nove anos, você já é um homem. E isso traz muitas responsabilidades. Quero lhe dizer hoje que a vida tem momentos muito bonitos, mas também tem momentos difíceis e complicados; e esses momentos difíceis e complicados são o que fazem de um homem o que ele é. Tenho certeza de que você sempre enfrentou os momentos difíceis da sua vida com muita dignidade e coragem...
Esse era meu pai. Um homem capaz de escrever belas cartas e de fazer qualquer coisa por sua família, mas alguém que também era capaz de causar muitos estragos.
E de fato ele viveu alternando entre esses dois polos, porque à sua maneira sempre esteve conosco, ao mesmo tempo que utilizou o terror como a principal estratégia para mostrar a seus inimigos que estava disposto a tudo.
O pano de fundo para essa sua maneira irracional de agir sempre foi a extradição, com a qual bateu de frente até que ele e todos os cartéis do narcotráfico conseguiram eliminá-la da Constituição Nacional.
Mas antes que isso acontecesse, meu pai lançou mão do exército de criminosos que tinha à sua disposição. Ele não se deteria. Uma semana antes que Belisario Betancur entregasse a faixa presidencial a Virgilio Barco, seus homens assassinaram, no norte de Bogotá, um magistrado da Divisão Penal da Suprema Corte de Justiça, o qual havia se mostrado conceitualmente a favor de várias extradições; os pistoleiros de meu pai também balearam, em Medellín, um magistrado do Tribunal Superior de Antioquia, que havia ordenado que investigassem meu pai pela morte dos detetives do DAS. Com esses dois assassinatos escolhidos a dedo, meu pai deu um recado duplo: seria implacável com os juízes que insistissem em ordenar extradições e com aqueles que iniciassem ações judiciais contra ele.
E como a ideia era enviar mensagens, no dia 6 de Novembro de 1986, um ano após a tomada do Palácio da Justiça, meu pai tornou pública a existência dos Extraditáveis, um grupo clandestino que lutaria contra a extradição. A verdade é que ele era os Extraditáveis. Ele inventou o lema “Preferimos um túmulo na Colômbia a uma cadeia nos Estados Unidos.” Nunca houve uma organização por trás.
Meu pai assumiu a liderança dos Extraditáveis e não fazia nenhuma consulta a respeito do conteúdo dos comunicados nem das decisões militares aos outros traficantes; deles, limitava-se a cobrar pagamentos mensais para financiar a guerra. Alguns faziam aportes consideráveis, como “El Mexicano” e Fidel Castaño, mas outros eram mais mesquinhos e por causa disso ele lhes telefonava com certo tom de ameaça para fazê-los se lembrar da dívida.
Desde o primeiro comunicado dos Extraditáveis, meu pai consultava um dicionário Larousse para utilizar palavras precisas. Também prestava atenção na redação, e cuidava que a sintaxe fosse adequada.
A extradição chegou a ter um lugar tão importante no dia a dia de meu pai que uma noite ele chegou a sonhar que havia sido capturado numa operação de busca e extraditado quase que imediatamente. Depois, pensou num plano para caso isso acontecesse: sequestrar em Washington um ônibus escolar e ameaçar explodi-lo. E de fato faria isso, se fosse necessário.
Em 17 de Novembro de 1986, “El Mexicano” conseguiu realizar seu plano – que já havia sido comunicado a meu pai – de se vingar do coronel da polícia Jaime Ramírez, que estivera à frente da ocupação e destruição de seus laboratórios em várias partes do país.
Semanas depois, os assassinatos, as intimidações e a aparição dos Extraditáveis dariam uma primeira vitória à máfia sobre a extradição. Em 12 de Dezembro de 1986, os vinte e quatro magistrados da Suprema Corte de Justiça determinaram que a lei que aprovara o acordo de 1979 com os Estados Unidos era ilegal pois não fora assinada pelo presidente Julio César Turbay, e sim por Germán Zea Hernández, o ministro de Governo que naquele momento exercia as funções presidenciais.
Meu pai e outros traficantes celebraram a decisão, porque automaticamente os mandados de prisão contra eles deixavam de valer, mas não contavam que o presidente Barco apelaria a um velho acordo com os Estados Unidos, que permitia a extradição por via administrativa, isto é, de forma direta, sem a aprovação da Corte como pré-requisito.
Um comentário num editorial do jornal El Espectador, que dizia que a decisão presidencial de retomar a extradição havia estragado a festa da máfia, despertou a fúria de meu pai, que reavivou sua antiga ideia de fazer o jornal de Bogotá pagar pelos danos que lhe vinham causando. O referido jornal registrou assim o ocorrido: “O crime aconteceu às 19h15, quando o senhor Guillermo Cano, ao volante de seu carro, reduziu a velocidade para virar e seguir em direção ao norte, no cruzamento da avenida 68 com a rua 22. Foi surpreendido por um homem que o esperava no canteiro central da via congestionada, que atirou algumas vezes pela janela esquerda, a do motorista.”
O artista Rodrigo Arenas Betancourt doou um busto de Cano que a prefeitura de Medellín instalou no parque Bolívar da cidade. Meu pai qualificou a homenagem como uma ofensa.
– Como a gente vai deixar que eles venham aqui e coloquem um busto do Guillermo Cano, logo em Antioquia – disse meu pai, enquanto fumava sua dose noturna de maconha. Naquela noite, estava com ele “El Chopo”, que se ofereceu para explodir a escultura sem cobrar nenhum centavo.
A família reconstruiu o busto, e o pôs de novo no mesmo parque, mas “El Chopo” novamente se ofereceu para destruí-lo, e daquela vez com mais explosivos. A escultura foi então retirada de maneira definitiva.
A perseguição ao El Espectador foi tão grande que meu pai chegou a mandar incendiar os veículos que distribuíam o jornal em Medellín e ameaçar os vendedores de rua. O El Espectador desapareceu da cidade.
Após o homicídio de Guillermo Cano, ficamos escondidos por várias semanas num local em La Isla, na represa El Peñol. Uma manhã, vi meu pai sentado a uma mesa com Carlos Lehder, Fidel Castaño e Gerardo “Kiko” Moncada, mostrando muito interesse num livro, e com um caderninho de anotações ao lado.
Embora naquele momento eu não tivesse entendido do que se tratava, e também não quis perguntar, consegui ler o título: El hombre que hizo llover coca (O homem que fez chover coca).
Anos depois eu entenderia que eles não estavam interessados na leitura em si; meu pai, Lehder, Castaño e Moncada na verdade preocupavam-se com o conteúdo do livro, no qual o autor, Marx Mermelstein – um cidadão norte-americano judeu que morreu em 2008 – contava suas experiências como funcionário de meu pai e de todos os capos do cartel de Medellín.
Conforme seu relato, em seis anos ele desaguou em Miami e no sul da Flórida cinquenta e seis toneladas de cocaína enviadas por meu pai e por seus sócios, o que representava cerca de 30 milhões de dólares. Mas as coisas mudaram drasticamente quando a polícia de Miami o prendeu em 1985, e ele esperava que seus chefes pagassem a fiança; porém, um dos contatos de meu pai na Flórida se assustou e resolveu ameaçar a família dele, o que o obrigou a mudar de lado e a colaborar com as autoridades norte-americanas.
No início de 1987, o aparato de pistoleiros de meu pai demonstraria que não tinha limites, mesmo nas situações mais complexas. Mas nem sempre tinha êxito.
Como quando falharam no atentado contra Enrique Parejo, embaixador da Colômbia em Budapeste, na Hungria, cujo assassinato eu soube ter sido encomendado por meu pai – porque, quando era ministro da Justiça do governo de Virgilio Barco, Parejo assinou os mandados de extradição de treze pessoas. Houve muitas dificuldades para a execução do plano, pois o regime de segurança da Hungria impunha severas restrições para o ingresso de turistas no país e tornava quase impossível a entrada de armas ilegais. Em outras palavras, o embaixador estava bem resguardado, e por isso o pistoleiro acabou dizendo a meu pai que não era possível organizar um assassinato desse gênero estando na Colômbia.
Desconheço os detalhes do plano e nunca perguntei a meu pai sobre esse episódio. Sei que no fim, na manhã do dia 13 de Janeiro de 1987, um pistoleiro disparou cinco vezes no embaixador, que ficou gravemente ferido. Cada ação violenta de meu pai tinha consequências diretas para nós, e por isso nunca concordamos com atos como esse.
Poucos dias depois, voltávamos após passar um fim de semana na fazenda Nápoles, que, embora confiscada, meu pai a usava e desfrutava dela sem qualquer limitação. Ele ia ao volante de uma caminhonete Toyota e a seu lado estavam minha mãe e Manuela; atrás, Carlos Lehder e eu.
Meu pai mandara dois carros na frente, que deveriam estar a não mais que a dois quilômetros de distância entre si, para não correr o risco de perder o sinal do rádio com que se comunicavam, por ser uma região montanhosa.
Era perto do meio-dia, o céu estava claro e com poucas nuvens. Meu pai costumava andar por aquela estrada depois das duas horas da manhã, mas sua vontade de fazer o passeio familiar até Medellín o levou a ir de dia. Sentia-se seguro, pois qualquer presença de policiais ou militares seria reportada com seis quilômetros de antecedência, distância mais que suficiente para ele escapar.
De repente, escutamos pelo rádio a voz de Luigi, um rapaz de Envigado que começara a trabalhar com meu pai havia pouco tempo. Ele era um dos que ia na frente, num carro discreto, acompanhado por Dolly, que escondia o rádio. Num tom de voz normal, disse que acabava de passar pelo pedágio em Cocorná, quase no meio do caminho entre Nápoles e Medellín, e vira uma blitz policial de rotina com quatro ou cinco agentes uniformizados.
– Tem uns policiaizinhos, poucos – disse, para nos tranquilizar. Meu pai continuou dirigindo sem diminuir a velocidade, e eu comecei a me perguntar por que ele não estava parando, mas não disse nada.
– Pablo, será que não estamos chegando perto demais do lugar da blitz? Como você vai fazer para passar ali? Talvez não seja bom ir aqui no mesmo carro da sua família, não acha? – Lehder perguntou.
Eu sei, Carlos. Espere que antes do pedágio tem uma curva numa parte alta da montanha, a gente pode ir por ali e ninguém vai nos ver.
Chegamos à tal curva e do lado esquerdo havia um restaurante, de cujo estacionamento dava para ver a blitz sem precisar descer do carro. Meu pai resolveu escutar o conselho de Lehder, pegou o rádio e falou para “Otto” – que vinha atrás de nós, num Renault 18, com “El Mugre” e “Paskín” – que parassem ao nosso lado para fazerem a troca, porque preferia que eu, minha mãe e Manuela fôssemos sozinhos até Medellín na caminhonete em que estávamos.
“Otto” ajudou a transferir a bolsa de viagem de meu pai, a mochila de Lehder e as travessas com comida que minha mãe preparara para aquela noite de solidão de meu pai. A ideia era que voltaríamos para Medellín e ele continuaria pulando de um esconderijo para outro nos arredores de Medellín.
Lehder desceu da caminhonete com o fuzil na mão e guardou a besta no porta-malas do carro. Meu pai estava com sua pistola Sig Sauer na cintura e uma metralhadora Heckler automática pendurada no ombro. Lembro muito bem daquela “metra” – como meu pai a chamava – porque ele a levava para todos os lugares, e à noite a deixava ao lado de seus sapatos e amarrada no cadarço, caso precisasse sair correndo de repente.
Minha mãe dirigiu na direção do pedágio enquanto meu pai se acomodava no banco de trás do Renault 18, entre “Paskín” e Lehder. Só que ninguém percebeu que dois agentes do DAS vestidos de civis estavam almoçando no restaurante e viram toda a movimentação. Os detetives pagaram a conta, caminharam até a estrada e logo começaram a correr em direção ao pedágio com lenços na mão, gritando que atrás deles vinham homens armados.
Nesse instante minha mãe já estava parada atrás de dois carros que esperavam para pagar o pedágio.
De repente, vi o Renault 18 vindo na contramão. Chegou à cabine do pedágio segundos antes dos agentes à paisana. Então Lehder pôs a cabeça para fora com a metralhadora de meu pai à vista e gritou: “Somos agentes do F-2... não atirem.” Obviamente não acreditaram neles e começou um grande tiroteio.Minha mãe ainda não tinha passado pelo pedágio e ficamos no meio do fogo cruzado.
Um agente da polícia pegou seu revólver, atirou no para-brisas traseiro do automóvel e a bala foi parar justo onde meu pai tinha apoiado a cabeça. Da janela do copiloto, “Otto” atirou num policial, que conseguiu se jogar num bueiro. E “Paskín” deu tiros para o alto com sua AK-47. Nesse instante fiquei com medo das balas perdidas e me joguei em cima de Manuela para protegê-la. Até que escutei enfim o barulho dos pneus cantando e o inconfundível som do motor do Renault 18, que já se afastava dali.
Os gritos das pessoas no pedágio e o policial que pedia ajuda, pois não conseguia sair do bueiro de mais de três metros de profundidade, transformaram o local num caos completo. Momentos depois chegou um policial e disse a minha mãe que saíssemos dali sem precisar pagar o pedágio, mas um dos agentes à paisana se opôs, pois vira que os homens que causaram o tiroteio tinham saído de nossa caminhonete.
Apontando suas armas para nós, mandaram-nos sair do carro e nos revistaram de qualquer jeito. Colocaram todas as vinte pessoas que estavam ali – incluindo a gente – dentro da casinha da administração, na qual só cabíamos de pé. Manuela chorava muito.
Os minutos e as horas começaram a passar e só escutávamos gritos ea meaças dos policiais.
– Vocês vão ver, seus filhos da puta, o que vamos fazer com vocês; dessa vocês não escapam, traficantes assassinos de merda – diziam, por entre as janelas.
Nesse meio-tempo, minha mãe tinha pedido várias vezes que fizessem o favor de lhe passar a bolsa com as fraldas, a mamadeira e a roupa para trocar Manuela e alimentá-la, mas era em vão. Assim permanecemos por cerca de cinco horas, até que um policial chegou e disse que nos levaria para o comando da polícia de Antioquia em Medellín. Eu, minha mãe e minha irmã viajamos na parte de trás da caminhonete que meu pai dirigia horas antes. Durante boa parte do trajeto o policial ficou dando um sermão em minha mãe, repreendendo-a por ter parido filhos de um criminoso.
O general Valdemar Franklin Quintero nos esperava no térreo da sede policial. Saímos da caminhonete com minha irmã adormecida e envolta numa coberta. Minha mãe foi pegar a bolsa com as fraldas para ter à mão, mas o oficial a puxou e fez o mesmo com a coberta de Manuela, a quem acordou com uma trombada que quase a fez cair no chão.
– Levem essa velha filha da puta e os filhos da infeliz para a cela – gritou o coronel, e seus homens se apressaram para cumprir a ordem.
– Por favor, deixe eu ficar pelo menos com a coberta e a bolsa da menina, para preparar uma comida para ela. Ela já está sem comer há horas e lá no pedágio não nos deram nem um copo d’água. Vai ser a mesma coisa aqui? – disse minha mãe, soluçando, antes de perder de vista o coronel, cujo ódio mortal por meu pai era visível.
Quando o movimento no lugar diminuiu, uma policial veio até minha mãe e lhe deu uma mamadeira preparada. Já era em torno de 1h30.
– Moça, toma aqui uma mamadeira para a menina. É o máximo que posso fazer.
Em seguida, escutamos passos e uns gritos de alguém que não parecia feliz com os policiais. Não sabíamos o que estava acontecendo, mas estava claro que tinha a ver conosco. Até que surgiu um homem de terno e gravata: o advogado José Aristizábal, enviado por meu pai.
– Senhora, venho da parte do seu marido. Ele está bem, e não se preocupe que amanhã você sai daqui. E o mais importante: vou levar seus filhos para casa agora.
– Doutor, muito obrigada por isso. Pode levá-los para a casa da avó, Nora – minha mãe respondeu, entregando Manuela para ele e a ajeitando em seu colo para que conseguisse carregá-la, apesar da pasta executiva que levava.
Caminhei atrás dele. Lembro que o homem apressava o passo e me dizia:
– Fique tranquilo, garoto, que isso já aconteceu; vamos rápido antes que eles se arrependam. A gente vai encontrar seu pai, que está desesperado para ver vocês.
Pouco depois chegamos a uma casa na Transversal Superior, onde durante anos meu pai teve seu escritório principal. Estava com Lehder, “Otto”, “El Mugre” e “Paskín”. Manuela dormia. Meu pai se aproximou, deu um beijo na testa dela e mandou levarem-na para a casa de minha avó Nora.
– Grégory, você fica aqui comigo para a gente comer algo. Está com fome? Ou quer ir para a sua avó? Não se preocupe que amanhã eu tiro a sua mãe de lá. Aquele filho da puta que não deu a mamadeira para a menina vai me pagar. Venha comer alguma coisa na cozinha e depois eu levo você para a sua avó.
O incidente foi contornado. O advogado Aristizábal me contou detalhes da conversa que teve com meu pai antes de ir atrás de nós na sede policial.
– Nunca vou esquecer a expressão do seu pai naquele dia. Foi a única vez que o vi chorar; ele me dizia: “Advogado, quem é o pior bandido? Eu, que escolhi ser? Ou aqueles que abusam da autoridade que têm e fazem uma coisa terrível dessas com meus filhos e minha esposa, que são inocentes? Me diz, advogado, quem é o pior bandido?”
Poucos dias depois, Carlos Lehder foi detido no município de El Retiro, leste de Antioquia, após queixas dos vizinhos, que reclamavam dos escândalos protagonizados pelos habitantes de uma casa. Os policiais que o prenderam ofereceram soltá-lo por 500 milhões de pesos, que meu pai disse estar disposto a pagar, mas Lehder se negou a aceitar.
O governo aproveitou o inesperado golpe no cartel de Medellín e, em apenas nove horas, extraditou Lehder para os Estados Unidos pela via administrativa, sem qualquer trâmite interno.
Com a ameaça da extradição novamente em cima da mesa, meu pai e os demais capos concentraram seus esforços em derrubar a interpretação que o governo fazia das normas que permitiam a extradição. E o conseguiram novamente em 25 de Junho de 1987, quando a Suprema Corte declarou a caducidade do acordo utilizado pelo governo para aplicar a extradição direta.
O novo ministro da Justiça, José Manuel Arias, viu-se obrigado a anular cerca de cem mandados de prisão com fins de extradição, entre eles o de meu pai, que novamente ficava sem nenhuma amarra judicial.
Foi um alívio enorme e, como não acontecia havia muito tempo, naquele segundo semestre de 1987 voltamos a estar juntos como família. E no melhor lugar que se poderia imaginar: o edifício Mónaco. Meu pai ficaria mais três meses conosco ali, de maneira quase ininterrupta.
Por várias semanas meu pai se movimentou tranquilamente por Medellín, numa caravana de dez Toyotas Land Cruiser, cada uma com quatro ou cinco homens armados com fuzis AR-15. Numa ocasião, quatro policiais de moto detiveram o comboio para checar documentos e carteiras de habilitação. Meu pai dirigia um dos veículos e a seu lado meu tio Mario Henao estava com uma metralhadora. Os ocupantes dos outros carros saíram e começaram a entregar as armas, mas quando foi a vez de meu tio Mario ele a apontou para os policiais.
– Pablo, é esse bando de veados que cuida de você? Aparecem quatro policiaizinhos e cinquenta guarda-costas entregam as armas? É esse tipo de machão que cuida de você, Pablo? Você está fodido. E vocês, policiais, me façam o favor de devolver as armas para evitarmos aqui um problema maior, pode ser?
Com medo, os agentes permitiram que a caravana seguisse seu caminho.
Mas a temporada de tranquilidade duraria muito pouco, porque no fim de Outubro de 1987 alguns capangas do “El Mexicano” assassinaram, perto de Bogotá, o ex-candidato à presidência e líder da União Patriótica Jaime Pardo Leal.
O crime contra o famoso líder da esquerda gerou uma nova caça aos capos do tráfico, e meu pai voltou à clandestinidade. Ficou num esconderijo conhecido como La Isla, em El Peñol, e dali continuou tocando todos os seus negócios. Um dia, recebeu a visita inesperada de Jorge “Negro” Pabón, que acabava de voltar à Colômbia após alguns anos numa prisão em Nova York, acusado de narcotráfico.
Pabón começou a visitar meu pai com bastante frequência, e suas conversas eram sempre muito longas. Meu pai gostava dele de verdade, e ficaram tão próximos que meu pai chegou a lhe dizer que, enquanto não achasse um lugar para morar, poderia ficar num apartamento no terceiro andar do edifício Mónaco.
Pabón agradeceu o gesto de meu pai, e algumas semanas depois se mudou para o apartamento, que minha mãe decorou com móveis italianos tirados de outros lugares do edifício.
Pabón entrava e saía do prédio quando queria e quase sempre ia até os esconderijos em que meu pai estava. Numa dessas conversas viria à tona um assunto de menor importância, uma confusão por causa de mulher, que acabaria gerando uma guerra. Nem meu pai nem Pabón sabiam naquele momento, mas estavam prestes a desencadear um sangrento confronto com o cartel de Cali. Os acontecimentos que narro a seguir me foram contados por meu pai uma vez. Anos mais tarde eu os verifiquei com Miguel Rodríguez, durante as negociações de paz, quando lhe disse que desconhecia os motivos que deflagraram a guerra, já que com os anos muitas teorias haviam surgido sobre as causas por trás do rompimento das relações entre meu pai e eles. A história é a que segue.
Num desses encontros acompanhados de cigarros de maconha, Pabón contou a meu pai que estava muito magoado, pois descobrira que, enquanto esteve preso em Nova York, sua namorada tivera um romance com “Piña”, um funcionário de Hélmer “Pacho” Herrera. Ao terminar o longo relato cheio de detalhes, Pabón disse a meu pai que estava disposto a se vingar pela traição.
Meu pai, que costumava procurar brigas, mesmo que não fossem as dele, solidarizou-se com Pabón e prometeu falar com os chefes do cartel de Cali para que lhes entregassem “Piña”.
E assim o fez. Ligou para Gilberto Rodríguez Orejuela e contou o que havia ocorrido.
– Isso não pode ficar assim. Mande-o para cá – meu pai pediu, dando a entender que a boa relação entre eles dependia dessa decisão.
Horas depois, recebeu de Rodríguez um não como resposta, porque Herrera se negava a entregar “Piña”, um trabalhador em quem confiava totalmente. A conversa acabou virando uma discussão, que se encerraria com uma famosa frase de meu pai: “Quem não está comigo, está contra mim.”
Uma estranha calmaria começou a ser notada, e meu pai sub-repticiamente reforçou sua segurança. Foi em meio a esse clima que, naquele final de 1987, celebrei a minha primeira comunhão no edifício Mónaco, com uma festa planejada por minha mãe com um ano de antecedência. Meu pai compareceu, com Fidel Castaño e Gerardo “Kiko” Moncada, mas só ficaram uma hora ali, partindo depois para um esconderijo nas colinas de San Lucas, em Medellín.
O ano que entrava, 1988, começaria muito agitado. Em 5 de Janeiro, o novo ministro da Justiça, Enrique Low Murtra, revalidou os mandados de prisão com fins de extradição contra meu pai, “El Mexicano” e os três irmãos Ochoa.
Com a “lei” novamente atrás dele, meu pai sempre dava um jeito de ir até o edifício Mónaco, e preferia fazê-lo de madrugada. Lembro de uma vez que o vimos muito rapidamente porque minha mãe o convidara para ver sua mais recente aquisição: uma enorme pintura a óleo do artista chileno Claudio Bravo. O curioso dessa compra é que a galeria Quintana de Bogotá oferecera a obra por uma quantia bem maior para alguém. Quando souberam que minha mãe já a
adquirira, ligaram para ela e disseram que lhe dariam a diferença, pois já tinham
negociado a obra com um traficante por um preço ainda mais alto.
– Não, meu amor, fica com você esse quadro, não o venda porque é muito bonito. Não venda – meu pai a aconselhou, quando ela lhe contou a história da transação.
Meu pai mergulhou de novo e para sempre na clandestinidade, porque decidira inaugurar uma nova fase em seu confronto com o Estado, por conta da extradição. Agora, lançaria mão de sequestros de políticos que ocupassem cargos públicos e pessoas relacionadas aos meios de comunicação para pressionar o governo.
As longas horas que passava assistindo à televisão nos esconderijos levaram-no a concluir que Andrés Pastrana Arango cumpria múltiplos requisitos: ser jornalista, proprietário, ex-diretor do telejornal TV Hoy, candidato a prefeito de Bogotá e filho do ex-presidente conservador Misael Pastrana Borrero. Resolveu sequestrá-lo, e para tanto mandou “Pinina” para Bogotá, instruindo-lhe que executasse o plano o quanto antes.
O grupo, encabeçado por “Pinina” e do qual faziam parte Giovani, “Popeye” e capangas dos bairros de Lovaina, Campo Valdés e Manrique, foi até Bogotá e meu pai acompanhou atentamente o desenrolar da operação. Mas na madrugada do dia 13 de Janeiro de 1988, uma Quarta-feira, fomos surpreendidos pela explosão de um carro-bomba em nosso edifício. Meu pai estava naquele momento escondido na fazenda El Bizcocho, localizada na parte alta da Loma de los Balsos, de onde se via a edificação de oito andares. Quando a explosão ocorreu, ele, meus tios Roberto e Mario, acompanhados por “El Mugre”, estavam conversando e sentiram a terra tremer; ao longe, viram a enorme nuvem em forma de cogumelo.
Eu e minha mãe não ouvimos nenhum barulho, nenhuma explosão. Ficamos completamente esmagados contra a cama do quarto de hóspedes, onde dormíamos aquela noite, pois o quarto principal estava sendo reformado. A laje de concreto do teto desabara, mas nós nos salvamos porque um dos cantos caiu justamente em cima de uma pequena escultura do artista Fernando Botero, que se encontrava em cima da mesa.
Acordei com falta de ar. Não conseguia me mexer. Minha mãe respondeu a meus gritos dizendo para eu ter calma porque ela estava tentando se livrar dos escombros que faziam pressão sobre ela. Minutos depois, conseguiu se safar e foi pegar uma lanterna enquanto eu tentava virar o rosto na direção da janela.
Minha mãe ouviu Manuela chorando e me pediu que esperasse um pouco enquanto ia buscá-la. Encontrou-a sã e salva nos braços da babá, e imediatamente voltou para me ajudar a sair, porque eu continuava preso entre o concreto e a cama e quase não conseguia respirar. Finalmente achou um jeito de se posicionar num dos cantos e, fazendo uma força sobrenatural, conseguiu levantar a pesada estrutura de concreto. Gritando e soluçando, encontrei enfim espaço suficiente para sair.
Tive uma enorme surpresa quando fiquei de pé sobre os restos do teto e vi o céu cheio de estrelas. Era uma imagem surrealista.
– O que será que aconteceu, mãe? Será que foi um terremoto?
– Não sei, filho.
Já na companhia de Manuela e da babá, minha mãe iluminou o corredor para procurar as escadas, mas era impossível descer, porque uma montanha de escombros que obstruía a passagem. Gritamos por ajuda e poucos minutos depois chegaram vários seguranças que conseguiram abrir um pequeno espaço entre os escombros.
Nesse momento o telefone tocou. Era meu pai. Minha mãe falou com ele, inconsolável.
– Meu bem, está tudo perdido, tudo perdido.
– Fica tranquila, já vou mandar buscar vocês.
Uma serviçal deu uns sapatos para minha mãe, mas não havia calçados para mim, de modo que tive de descer os sete andares entre cacos, estilhaços de vidro, pregos, ferro, tijolos e todos os tipos de materiais cortantes.
Já no térreo, entramos numa caminhonete que um segurança de meu pai havia parado nas vagas de visitantes do edifício e saímos rápido dali. Tínhamos decidido ir para o apartamento de minha avó Nora, mas preferimos mudar de direção e seguir para onde meu pai se achava escondido, pois devia estar muito preocupado. Quando chegamos, ele saiu para nos receber e nos deu um longo abraço.
Passado o susto, meu pai continuou sua conversa com Mario e Roberto, mas logo seu celular tocou. Após falar por cinco minutos, meu pai agradeceu a ligação e desligou.
– Esses filhos da puta me ligaram para saber se eu tinha sobrevivido ou não. Agradeci o apoio fingido deles, mesmo sabendo que foram eles que implantaram a bomba – disse, referindo-se aos possíveis autores do atentado. Não citou ninguém especificamente, mas depois ficaríamos sabendo que o carro-bomba era a declaração de guerra do cartel de Cali.
Do esconderijo de El Bizcocho fomos para o pequeno apartamento de uma tia minha por parte de mãe, que nos ofereceu abrigo por um tempo. Mas o trauma do atentado foi tão grande que passamos mais de seis meses sem conseguir dormir com as luzes apagadas.
Tempos depois, um dos homens de meu pai que atuou na busca pelos responsáveis pelo carro-bomba me contou que “Pacho” Herrera havia contratado dois sujeitos, um deles identificado como Germán Espinosa, “El Índio”, que morava em Cali. Mas, como não era fácil ir procurá-los lá, meu pai ofereceu 3 milhões de dólares para quem informasse seu paradeiro.
Comentava-se que por várias semanas bandidos de tudo que é canto foram ao escritório de meu pai pedir informações sobre os suspeitos. Até que um dia chegaram dois rapazes de aparência bonachona para solicitar os dados de “El Índio”, e meu pai lhes disse para terem cuidado, pois era um criminoso muito perigoso.
Demoraram um mês para voltar, e quando chegaram traziam várias fotos nas quais “El Índio” aparecia morto. Meu pai ficou muito surpreso com a eficiência dos dois jovens. Eles lhe contaram que “El Índio” era corretor de imóveis e estava vendendo uma casa. Então fingiram ser um casal gay que queria achar um lugar para morar. “El Índio” caiu na armadilha, e assim o assassinaram no segundo encontro para tratar da negociação do imóvel.
– Ainda bem que aqueles rapazes, em quem não acreditamos, mataram “El Índio”, porque do contrário ele teria feito muito mal para nós – meu pai comentou, após os acontecimentos.
Algumas semanas mais tarde, ouvi dizer que “Pinina” havia capturado o comparsa de “El Índio”, o motorista do carro-bomba, que revelou que o veículo fora carregado em Cali com setecentos quilos de dinamite. Tal quantidade explica a dimensão dos estragos que a explosão causou ao edifício e à vizinhança. O mais inacreditável sobre essa história é que “El Índio” tinha deixado o carro-bomba guardado em Montecasino – a mansão dos Castaño – quatro dias antes da explosão. É preciso esclarecer que Fidel e Carlos foram enganados por “El Índio” e disseram isso a meu pai, oferecendo-lhe ajuda para localizá-lo, já que no passado o Índio fizera parte do bando dos irmãos.
Apesar da intensa perseguição das autoridades, meu pai permaneceu por vários dias na fazenda El Bizcocho; de noite, olhava por um telescópio as ruínas de seu edifício e pensava em como se vingaria dos capos de Cali. Concluiu que o primeiro ato seria expulsá-los de Medellín, atacando sua rede de farmácias La Rebaja e várias emissoras de rádio que pertenciam aos irmãos Rodríguez Orejuela. Depois iria atrás deles em seus domínios, no Valle.
Em meio aos preparativos para a guerra que começava, ouvi depois que “Pinina” havia ligado para meu pai para lhe informar que capturara Andrés Pastrana e que, no dia seguinte, o levaria num helicóptero de “Kiko” Moncada para a fazenda Horizontes, no município de El Retiro, em Antioquia.
Meu pai e meu tio Mario Henao foram imediatamente para lá; queriam falar com Pastrana, porque, conforme haviam planejado, o manteriam cativo por bastante tempo. A idéia era não deixá-lo saber quem estava por trás do sequestro, e para tanto vestiram capuzes antes de entrar no quarto onde o jornalista e político estava amarrado a uma cama; mas meu tio se atrapalhou e chamou meu pai de Pablo, e com isso Pastrana soube quem o havia sequestrado, e que não era o M-19, como “Popeye” o fizera acreditar quando o pegou na sede de sua campanha, seguindo ordens de “Pinina”.
A importância de Pastrana nos contextos social e político levou meu pai a pensar que, se tivesse mais pessoas com essas características em suas mãos, poderia conseguir que o governo parasse com as extradições.
Paralelamente a sua estratégia de sequestrar para intimidar, meu pai queria conseguir dinheiro a todo custo para financiar a guerra contra o governo e contra o cartel de Cali, que começava a demandar mais e mais recursos. Conforme os “rapazes” me contaram muito tempo depois, meu pai formou dois grupos para realizar sequestros em Miami – onde o alvo era Chábeli Iglesias, filha do cantor espanhol Julio Iglesias – e em Nova York – um dos filhos do magnata industrial Julio Mario Santodomingo. A idéia era trazer os sequestrados para a Colômbia num voo particular saindo de Miami, mas o plano nunca se realizou.
Enquanto Pastrana continuava sequestrado numa propriedade em El Retiro, meu pai começou a pôr em ação outro plano para encurralar ainda mais o governo: sequestrar o procurador-geral, o paisa Carlos Mauro Hoyos, que costumava ir a Medellín quase todos os fins de semana para visitar a mãe. O alto funcionário havia tomado posse em Setembro de 1987 e desde então meu pai ficou esperando que ele se pronunciasse contra a extradição, pois tinha prometido isso quando os dois se falaram certa vez em particular. Novamente, meu pai encomendou o sequestro a “Pinina”, que recrutou seis de seus melhores capangas.
A execução do sequestro ficou marcada para a manhã de 25 de Janeiro, uma segunda-feira, quando o procurador chegasse ao aeroporto José María Córdoba de Rionegro, em Antioquia, para voar para Bogotá. Mas tudo deu errado, porque os dois guarda-costas do DAS que acompanhavam o procurador reagiram ao ataque quando um dos capangas os interceptou na rotatória que dá acesso ao terminal aéreo. O tiroteio deixou “Pitufo” gravemente ferido. Ele era um dos homens de “Pinina”, e estava desprotegido, pois naquela manhã tivera de devolver o colete à prova de balas que “Chopo” lhe emprestara para outro “serviço”. Na troca de balas, “Pitufo” feriu o procurador no tornozelo esquerdo. Minutos depois, “Pinina” conseguiu o controle da situação, pois já tinham matado os dois guarda-costas.
Mas a coisa se complicou, porque a ferida impedia o procurador de caminhar e o barulho das balas havia alertado as autoridades do aeroporto. Por esse motivo, levaram-no para a fazenda San Gerardo, no município de El Retiro, a menos de dez quilômetros de onde Andrés Pastrana era mantido em cativeiro.
Com o passar das horas, os homens de meu pai ficaram presos em meio a uma enorme operação de busca que as autoridades haviam montado para localizar o procurador.
Tendo sido informado por rádio do que acontecia, meu pai deu instruções a seus homens: “O que a gente precisa fazer agora é matar o procurador. O cara atraiu esse cerco militar, e ainda mais na região que o Pastrana está, então não vamos dar uma vitória dupla para o governo. Imagina, resgatarem o Pastrana e o procurador numa tacada só... Não, não... Não vamos pagar de covardes. O que vamos fazer é baixar essa bola do governo.”
O plano original, cuja intenção era aumentar o poder de negociação com o governo não podia ter acabado pior: Pastrana foi solto porque os homens de meu pai fugiram quando a polícia chegou, e Hoyos foi assassinado com onze tiros por “Pinina”.
Naquela mesma tarde, e a mando de meu pai, “Popeye” ligou para a estação de rádio Todelar de Medellín e falou em nome dos Extraditáveis: “Executamos o procurador, o senhor Carlos Mauro Hoyos, por traição e por vender a pátria aos estrangeiros. Fiquem sabendo que a guerra continua.”
No fim daquele dia trágico, meu pai tivera um tropeço que o levaria a pensar em novas e mais violentas formas para combater a extradição; mas, ao mesmo tempo, renovava a vontade e a coragem daqueles que o perseguiam. Como filho, sentia-me impotente diante das ações violentas de meu pai, que não escutava mais conselhos nem súplicas. Não havia jeito de persuadi-lo a parar.
Assim, os capos do cartel de Cali devem ter pensado que meu pai tinha aberto demasiadas frentes de batalha, e por isso decidiram atacar seu lado mais frágil: eu.
Após o ataque ao edifício Mónaco, um mês antes, meu pai havia ordenado que as fontes de renda de seus novos inimigos fossem destruídas, mas estava claro que eles não iriam permitir que isso ocorresse. Essa talvez seja a única explicação para um episódio ocorrido em 21 de Fevereiro de 1988, quando eu estava me preparando para ir competir numa corrida de moto nas ruas do fracassado projeto urbanístico de Bello Niquía, no norte de Medellín.
Estava praticamente pronto para sair e prestes a pôr o capacete, quando de repente chegaram dez caminhonetes cheias de homens armados que fecharam a rua. Meu pai saiu de um dos veículos, aproximou-se de mim e bagunçou meu cabelo com a mão, diante de centenas de espectadores.
– Filho, não se preocupe. Umas pessoas queriam sequestrar você, e iam fazer isso durante a corrida, provocando sua queda para levá-lo de lá, pois seria o único momento em que você estaria sozinho e sem guarda-costas. Vou deixar o “Pinina” e vários outros rapazes para cuidarem de você. Vá lá e corra tranquilo. – Deu-me um beijo na bochecha, mexeu de novo no meu cabelo e disse que me desejava boa sorte na corrida, e que eu pegasse leve e prendesse bem o capacete.
Semanas depois, um alto oficial do Exército se somaria à longa lista de inimigos de meu pai. Era o general Jaime Ruiz Barrera, que estreava no posto de comandante da Quarta Brigada e empreendia uma operação sem precedentes em Medellín para capturar meu pai. A operação de fato ocorreu pouco depois das cinco horas da manhã de 22 de Março de 1988, uma Terça-feira, quando dois mil soldados, três helicópteros de artilharia e vários tanques de guerra ocuparam a fazenda El Bizcocho, conhecida na família pelo apelido de “os velhinhos”.
Meu pai e dez homens dele dormiam lá naquele momento, mas um casal de camponeses que fazia às vezes de vigia avisou por rádio sobre a presença dos militares. Os guardas escondidos na parte de cima da estrada Las Palmas, que viram a descida dos soldados pela montanha, também o avisaram.
Meu pai conseguiu escapar com “Otto”, Albeiro Areiza, “Campeón” e outros sete seguranças, mas teve alguns sustos grandes no trajeto até outro esconderijo. O primeiro foi quando avançavam pela montanha e de repente um soldado saiu do meio do mato com seu fuzil, colou o cano da arma no peito de meu pai e mandou todos levantarem as mãos e ficarem quietos.
Meu pai reagiu com certa tranquilidade, e ficou de pé em frente ao grupo para falar com o milico:
– Fique tranquilo, meu irmão, fique tranquilo que a gente vai se entregar. Estou aqui com mais um, dois, três homens – disse, e três de seus homens se colocaram na frente para acobertar sua fuga com “Otto” e “Campeón”.
O soldado desconfiou e disparou várias vezes, e os projéteis quase atingiram meu pai. Uma vez ele me contou que naquele momento sentiu a morte perto, porque as balas pararam tão perto dele que a terra que espirrou chegou a resvalar em seu rosto.
Quatrocentos metros mais abaixo, quando o grupo chegava à estrada Las Palmas, apareceu outro soldado que tentou interceptá-los, mas meu pai apontou sua pistola para ele e gritou:
– F-2, somos do F-2 (polícia secreta); me deixe trabalhar, cara, estou levando comigo uns presos. Saia da minha frente.
O soldado desavisado acreditou e, como se recebesse ordens de um general, saiu do caminho. A seguir, meu pai, “Otto”, “Campeón” e mais dois homens caminharam enfileirados montanha abaixo. Foi nesse exato momento que foi clicado por um fotógrafo do jornal El Colombiano, que chegara ao local por conta da operação militar. A imagem mostra meu pai na frente com seus homens atrás, armados.
Meu pai conseguira escapar, mas o general Ruiz Barrera tinha planos para a sua família. Naquela mesma manhã, os militares invadiram o edifício Torres del Castillo, na transversal inferior com a Loma de los Balsos, onde prenderam minha mãe. Uma de minhas tias temeu por ela e pediu que a levassem junto para a Quarta Brigada, onde permaneceram por um dia, incomunicáveis. Quase simultaneamente e, sem se importar com o fato de eu ter apenas onze anos, os soldados foram até o colégio San José de la Salle, onde eu estudava, para me levar com eles à guarnição militar. No entanto, quando os militares estavam chegando, um dos vigias alertou o meu segurança, e corremos até a diretoria. O diretor me escondeu debaixo de sua mesa e dali escutei o barulho das botas quando os soldados entraram perguntando por mim.
Carlos, meu avô por parte de mãe, que tinha 76 anos, também foi abordado pelas tropas quando dirigia seu Volvo numa rua em Medellín. Apreenderam o veículo dele e o conduziram a uma base militar em Envigado.
Lembro que “Popeye”, o piadista do grupo, fez graça com o fato de terem tomado o carro de meu avô.
– Graças a Deus tiraram o carro do dom Carlos; agora os engarrafamentos de Medellín vão acabar.
Após a fracassada operação militar, meu pai encomendou a morte do general Ruiz. “Pinina” e sete de seus homens alugaram um apartamento perto da Quarta Brigada, de onde observavam-lhe os movimentos; depois, montaram um potente carro-bomba para ser detonado quando passasse a caravana de escoltas que acompanhava o alto oficial. Esse seria um dos primeiros atentados com um carro cheio de explosivos, mas o controle remoto falhou em pelo menos cinco ocasiões. Seguiram o general Ruiz por toda Medellín, com o carro-bomba pronto para ser detonado, mas o oficial era muito astuto em seus deslocamentos.
A retaliação foi dirigida então a uma das secretárias do general, que lidava com informações confidenciais. Após vários dias a seguindo, “Pinina” contou a meu pai que ela saía de tarde e sempre pegava um táxi na porta da Brigada. Então, decidiram pôr para circular vários táxis que pertenciam a meu pai, até que ela finalmente pegou um deles.
Semanas depois, o Exército ofereceu a primeira recompensa por meu pai, pedindo aos cidadãos que mandassem informações sobre ele a uma caixa postal. Em resposta, ele resolveu encher os militares de informações cruzadas, para tornar impossível a busca.
Assim, mandou um de seus homens para o bairro de La Paz distribuir dinheiro para várias famílias, pedindo que escrevessem cartas dando diferentes pistas sobre sua suposta localização. Cada mensagem deveria contar uma história distinta, e ser escrita numa letra e num papel diferentes, e vir de um lugar distante. As cartas, por exemplo, incluíam detalhes como que Pablo estava de barba e se escondia numa casa na qual se viam homens armados; ou que tinham visto homens estranhos com armas grandes numa casa com as cortinas fechadas. E, para dar veracidade aos remetentes, meu pai pagava para que as cartas fossem mandadas dos lugares de onde se originariam. A idéia de meu pai era que, quando o Exército recebesse a informação correta, já estivesse confuso com todas as possibilidades que havia recebido, sem saber em qual acreditar. A estratégia parece ter dado certo, porque ele ficou escondido por vários meses sem ser incomodado.
Chegaria, então, o ano de 1989, que seria muito conturbado para o país e para todos nós. Durante aqueles doze meses, meu pai intensificou sua guerra contra o Estado e seu desejo de fazer com que a extradição deixasse de ser um instrumento nas mãos dos Estados Unidos e Colômbia para combater o poder do narcotráfico.
Sabendo que a Justiça obtivera numerosas provas que o ligavam ao esquema por trás da morte do diretor do jornal El Espectador, Guillermo Cano, meu pai encomendou – fiquei sabendo tempos depois – o assassinato do advogado que representava a família Cano na investigação, em Bogotá. Dois pistoleiros o balearam em seu carro na manhã do dia 29 de Março de 1989.
Conforme “Chopo” me contou em julho passado, tendo recebido instruções de meu pai – que consultara previamente o “Mexicano” –, o paramilitar Carlos Castaño promoveu um atentado com carro-bomba contra o diretor do DAS, o general Miguel Maza Márquez, no norte de Bogotá. No entanto, o oficial saiu ileso, porque os homens de Castaño acionaram o controle remoto na hora errada e a explosão atingiu um dos carros que fazia sua escolta.
Com relação a esse episódio, “Chopo” me disse certa vez que Castaño era o mais indicado para assassinar o oficial, pois tinha informantes dentro da entidade. Além disso, era um informante do DAS, e por vários meses contribuiu com informações cruciais que os ajudaram a dar vários golpes duros na criminalidade. Essa capacidade lhe deu acesso a Maza, com quem se reuniu várias vezes. Em outras palavras, Castaño era um agente duplo, e isso lhe permitia ter informações privilegiadas de ambos os lados.
Conforme fiquei sabendo tempos depois, meu pai e o “Mexicano” tinham seus motivos para atacar Maza. Meu pai, porque sabia bem que o chefe do DAS mantinha relações muito suspeitas com os irmãos Miguel e Gilberto Rodríguez, seus inimigos do cartel de Cali. E “El Mexicano”, porque Maza havia denunciado a existência do movimento paramilitar que Rodríguez Gacha comandava no Magdalena Medio.
Apesar do fracasso da operação contra Maza, meu pai mandou Castaño manter seu grupo ativo para tentar um novo ataque. A nova oportunidade viria semanas depois, quando Maza esteve com a saúde fragilizada e necessitou de uma enfermeira. Os homens de meu pai ofereceram muito dinheiro a ela para envenená-lo, mas por algum motivo o plano não se realizou.
Em meados de Junho, meu pai estava no esconderijo Marionetas, na fazenda Nápoles, quando ouviu no jornal das sete horas da noite que, na convenção do Novo Liberalismo que se reunia naquele dia em Cartagena, Luis Carlos Galán decidira voltar para o Partido Liberal, com a condição de que uma eleição interna fosse realizada para a escolha do próximo candidato à presidência nas eleições de Maio de 1990. No mesmo ato, Galán voltou a falar em extradição, afirmando que era a única ferramenta eficaz para o combate ao narcotráfico.
Embora não tivesse subido o tom de voz, os que estavam com meu pai naquele momento ouviram dele uma frase que soou como sentença:
– Enquanto eu estiver vivo, você nunca vai ser presidente, porque um homem morto não pode ser presidente.
Entrou imediatamente em contato com “El Mexicano” e combinaram de se encontrar alguns dias depois numa propriedade dele no Magdalena Medio. Uma vez lá, e após uma longa conversa na qual avaliaram as consequências jurídicas e políticas do crime, acertaram que meu pai ficaria à frente do atentado contra Galán quando fosse a Medellín para fazer campanha. Então, meu pai deu ordens para Ricardo Prisco Lopera ir até Armenia, comprar um carro e colocá-lo no nome de Hélmer “Pacho” Herrera, o capo de Cali, para que as autoridades o responsabilizassem pelo atentado quando ocorresse. Enquanto Prisco tocava os preparativos, no começo de julho os capangas de meu pai cometeriam um equívoco fatal: detonaram um carro-bomba na passagem da caravana do governador de Antioquia, Antonio Roldán Betancur, achando se tratar do coronel Valdemar Franklin Quintero, comandante da polícia de Antioquia.
Meu pai se enfureceu quando soube que a vítima do carro-bomba era Roldán, e não o coronel. Escutei depois que “Mame” havia sido o responsável por acionar o controle remoto quando “Paskín” o avisou de que o alvo estava próximo do carro-bomba. Todavia, “Paskín” confundira o veículo – uma Mercedes azul – e a escolta de Roldán com o esquema de segurança de Franklin Quintero, e deu através do rádio o sinal que levou à forte explosão que matou o governador e mais cinco pessoas.
A onda de terror desencadeada por meu pai para amedrontar os juízes cresceu nos meses seguintes, quando seus homens assassinaram, em Medellín, uma juíza da Ordem Pública e uma magistrada do Tribunal Superior de Medellín. Em Bogotá, um magistrado do Tri bunal Superior da cidade também foi morto. A lista de compatriotas falecidos nessa triste guerra ia se tornando interminável, porque em determinado momento meu pai parou de medir as consequências de seus atos.
Em 1º de Agosto, meu pai ficou sabendo pelos noticiários que Luis Carlos Galán iria à Universidade de Medellín para dar uma palestra. Achou que aquele era o momento propício para atacá-lo, e deu a ordem para Prisco e seus homens planejarem o atentado, que seria executado com dois foguetes rocket lançados em direção ao lugar em que o candidato estaria.
Na manhã de 3 de Agosto tudo estava pronto, e Prisco mandou que estacionassem a caminhonete comprada em Armenia – uma Mazda Station Wagon – num terreno semiabandonado a dois quarteirões da universidade. Dali seriam lançados os foguetes, mas o plano falhou porque uma senhora viu do segundo andar de sua casa os movimentos suspeitos e avisou a polícia, que mandou vários oficiais para averiguar a informação. Descobertos, os encarregados do atentado fugiram, abandonando o carro e os projéteis.
Meu pai ligou para “El Mexicano” e, após falar sobre o ocorrido em Medellín, combinaram de se encontrar novamente. Muito tempo depois de todos esses acontecimentos, eu soube que nessa conversa acordaram que a próxima tentativa seria em Bogotá, mas sob o comando do “El Mexicano”. Então o nome de Carlos Castaño veio à tona, que ainda mantinha ativo o plano para tentar assassinar o general Maza Márquez.
Tendo sido encarregado do atentado, Castaño se valeu de seus contatos dentro do DAS e começou a obter informações detalhadas a respeito do esquema de segurança de Galán, bem como de sua agenda particular.
Em meados de Agosto, Castaño entrou em contato com meu pai e lhe disse que estava tudo pronto, mas pediu uma ajuda, pois não conseguira achar em Bogotá uma metralhadora mini-Atlanta, que por sua versatilidade e tamanho era a arma ideal e facilitaria a tarefa dos pistoleiros. Dois dias depois, e a pedido de meu pai, “Pinina” conseguiu a metralhadora e a entregou a um sujeito enviado por Castaño.
Por seus informantes do DAS, Castaño ficou sabendo com dois dias de antecedência que Galán realizaria um comício na praça principal do município de Soacha, no sul de Bogotá, na noite de 18 de Agosto de 1989, uma Sexta-feira. Inteirados dos detalhes gerais, meu pai e o “Mexicano” deram carta branca para a execução do assassinato do eminente político – segundo Castaño, seu plano seria infalível, pois a ideia era infiltrar vários de seus homens no esquema de segurança de Galán assim que ele chegasse ao lugar da concentração.
Meu pai sabia que o assassinato de Galán teria graves consequências, porque o governo cairia em cima da máfia, especialmente dele e do “El Mexicano”, a quem tinham como principais inimigos. Por esse motivo, mandou que seus homens reforçassem as medidas de segurança para proteção do esconderijo conhecido como La Rojita, uma casa pintada de vermelho que ficava na estrada entre Medellín e o município de La Ceja, no leste de Antioquia, onde ele estava escondido. Nós continuávamos vivendo no Altos, mas nos mudamos para a Cero Cero, uma cobertura no edifício Ceiba de Castilla em Medellín.
Como de costume, meu pai dormiu até quase o meio-dia daquela Sexta-feira, 18 de Agosto. Quando acordou, contaram-lhe que muito cedo, antes das sete horas da manhã, um grupo de seis homens liderados por Jhon Jairo Posada, o “Tití”, havia matado o coronel Valdemar Franklin Quintero quando seu carro parara num sinal entre os bairros de Calasanz e La Floresta, em Medellín.
O crime foi no estilo da máfia siciliana: os pistoleiros se puseram na frente do carro do coronel e dispararam sem parar, até esvaziar os pentes de seus fuzis. Conforme contaram a meu pai, o oficial recebeu cerca de cento e cinquenta tiros. Naquela época meu pai falava muito de Salvatore “Toto” Riina, um dos mais famosos membros da máfia siciliana, que enfrentara o governo italiano com assassinatos seletivos – foi dele que adotou os métodos terroristas com carros-bomba.
Após o homicídio do coronel da polícia, o presidente Barco anunciou na mesma tarde novas medidas, mais drásticas, para enfrentar o terrorismo do cartel de Medellín, mas a atmosfera conturbada do país se intensificaria ainda mais naquela noite, quando foi anunciado que Luis Carlos Galán morrera após ser gravemente ferido na praça de Soacha. O plano de Castaño havia dado certo.
Na madrugada do Sábado, dia 19, Fidel e Carlos Castaño foram ao esconderijo de La Rojita para falar com meu pai. Nós não estávamos lá naquele momento, mas me contaram tempos depois que falaram sobre a eficiência dos homens que participaram do atentado e previram a onda de operações de busca e perseguições das autoridades que desabaria sobre eles. Depois, meu pai disse para os irmãos Castaño que ele assumiria o custo da operação, calculado em 250 milhões de pesos, que lhes entregaria em dinheiro na semana seguinte.
Mas Fidel não aceitou:
– Pablo, fique tranquilo, você não deve nada pra gente; eu entro com essa grana como minha cota para a guerra.
Com a idéia de não ficar tempo demais no mesmo lugar porque as operações contra ele aumentavam, meu pai saiu do esconderijo de La Roja e partiu para a fazenda El Oro, a poucos quilômetros do porto de Cocorná, no Magdalena Medio.
Era lá que ele estava no dia 23 de Novembro, na companhia de meu tio Mario Henao e de Jorge Luis Ochoa, quando às seis horas da manhã foi avisado de que vários helicópteros e homens da elite da polícia acabavam de partir da base de Palanquero rumo àquele local.
Como sempre, meu pai pensou que ele não devia ser o alvo da operação e permaneceu lá, impassível. Mas estava enganado, porque poucos minutos depois surgiu um helicóptero de artilharia que os pôs para correr. A aeronave não conseguiu aterrissar porque meu pai havia mandado fincarem dezenas de hastes longas no chão, amarrando-as umas às outras com cabos de aço.
Em meio à desordem geral, os policiais começaram a disparar lá de cima e mataram meu tio Mario, que não conseguira encontrar um refúgio.
Meu pai e Jorge Luis conseguiram escapar, mas essa operação contra ele acabou gerando a morte de seu melhor amigo, o único a quem escutava e de quem tinha até certo temor: meu tio Mario. “Serei irmão dos seus irmãos”, diz um dos trechos de uma carta póstuma que meu pai escreveu a seu amigo de alma.
Em meio à caça feroz que empreendiam todos os organismos de segurança do Estado, uma noite meu pai recebeu seu advogado em outro esconderijo, e este lhe pediu que cessasse com aquela a onda de ataques terroristas. Mas meu pai pensava diferente:
– Doutor, os Estados Unidos só dobraram o Japão na Segunda Guerra Mundial com muitas bombas. Eu vou dobrar esse país com muitas bombas também.
E assim o fez.
Às 6h30 da manhã de 2 de Setembro, um Sábado, dom Germán – um homem de sessenta anos, integrante do grupo de “Pinina” – detonou um furgão carregado com mais de cem quilos de dinamite em um posto de gasolina situado na diagonal da entrada principal do jornal El Espectador de Bogotá. Poucas horas depois, homens enviados por meu pai destruíram a casa de veraneio da família Cano nas Ilhas Rosario.
Dias depois, “Pinina” contou esses detalhes do atentado contra o El Espectador, quando o vimos por alguns instantes num esconderijo. Nas semanas que se seguiram, meu pai semearia o caos: seus homens – cada vez mais habilidosos para detonar carros-bomba e artefatos explosivos – causaram graves estragos em dezenas de sedes políticas em Bogotá, no hotel Hilton de Cartagena e na sede do jornal Vanguardia Liberal de Bucaramanga, entre outros.
Com a certeza de que o governo estaria disposto a negociar uma saída, como quando o fez em 1984 após o assassinato do ministro Rodrigo Lara, meu pai pediu ao advogado Guido Parra que marcasse um encontro com seu padrinho de batismo, o ex-ministro Joaquín Vallejo Arbeláez, para que ele enviasse uma mensagem ao governo.
Bombas continuavam explodindo em boa parte do país. A estratégia avançou e meu pai, Vallejo e Parra se reuniram clandestinamente e estruturaram uma espécie de proposta de paz dos Extraditáveis, que se entregariam em troca de amplos benefícios judiciais, como a não extradição. Quase de imediato, Vallejo se reuniu em Bogotá com o secretário-geral da presidência, Germán Montoya Vélez, e o deixou a par da iniciativa de meu pai.
Não obstante, e como ocorrera cinco anos antes, esses contatos vazaram novamente – dessa vez pelo jornal La Prensa, propriedade da família Pastrana –, e o governo não teve outra opção a não ser dizer publicamente ter recebido a proposta da máfia e a recusado sem pestanejar.
Com a possibilidade de negociar novamente estragada e com o governo em cima deles, “Chopo” me contou que meu pai e “El Mexicano” resolveram atacar o candidato à presidência com maiores chances de vencer: César Gaviria.
Era previsível que o candidato liberal mantivesse as mesmas bandeiras referentes à extradição do líder assassinado, e por isso recorreram de novo a Carlos Castaño, que começou então a organizar a operação, mas rapidamente percebeu que Gaviria estava muito bem protegido e atacá-lo com os métodos conhecidos seria bastante difícil.
Assim, Castaño decidiu que a única maneira de eliminar Gaviria era derrubar um avião em que ele viajasse. Conforme “Chopo” me contou depois, meu pai e “El Mexicano” deram carta branca para a operação, e “Arete” – segundo ele mesmo confirmou ao Ministério Público ao depor à Justiça, tempos depois – se encarregou de plantar uma bomba com grande potencial explosivo dentro de uma maleta. Ao mesmo tempo, Castaño conseguiu a colaboração de um jovem humilde e com graves problemas de saúde, praticamente desenganado, que levaria a bomba e a ativaria quando o avião tivesse decolado. Em troca, Castaño ofereceu uma considerável quantia de dinheiro para a sua família. No universo da máfia de Antioquia, aquele rapaz era conhecido como um “suíço”, uma abreviatura malfeita da palavra “suicida”.
“Chopo” continuou contando que Castaño enganou o “suíço” e “Arete” também: mudou a bomba, que não explodiria mais com o toque do controle remoto e sim quando o avião alcançasse os 10 mil pés de altura.
Diante da impossibilidade de saber a agenda de Gaviria na campanha e da força de seu esquema de segurança, Castaño deu um jeito de descobrir na Aeronáutica Civil que o candidato tinha um bilhete para aquela Segunda-feira, dia 27 de Novembro, no voo 1803 da Avianca, que ia de Bogotá a Cali e saía às 7h13 da manhã.
Mas a informação que Castaño tinha acabou se mostrando equivocada, e o avião explodiu quando sobrevoava o município de Soacha, o mesmo onde Galán foi assassinado. Só que Gaviria não estava a bordo.
A brutal capacidade que meu pai tinha para desestabilizar tudo parecia sem limites, e o governo parecia incapaz de neutralizar o exército de pistoleiros espalhados por todo lado. Ainda assim, por maior que fosse o poder que ele ostentava à época, estava claro que as repercussões de seus atos muito brevemente alcançariam aqueles que o rodeavam.
Esse poder para o crime ficou em evidência novamente em 6 de Dezembro, quando Carlos Castaño atirou um ônibus repleto de dinamite na sede do DAS no bairro de Paloquemao, centro de Bogotá, com a intenção de assassinar o general Maza.
De novo, tempos depois, “Chopo” me contou que meu pai dissera a Castaño que queria que o edifício do DAS fosse arrancado do chão, e por isso mandou reforçarem a suspensão do ônibus para suportar o peso de onze toneladas de dinamite, que segundo ele derrubariam a edificação. Os homens de Castaño começaram a distribuir a enorme quantidade de explosivos ao longo da carroceria e abaixo dos vidros, para não levantar suspeitas. No entanto, meu pai comentou muito depois que, pela maneira como acomodaram a dinamite, couberam apenas sete toneladas, e tiveram de deixar as outras quatro no armazém. O ônibus explodiu muito perto da entrada principal do edifício e fez centenas de vítimas e incalculáveis danos materiais, mas o general Maza saiu com vida do ataque.
Naquela noite, meu pai assistiu aos telejornais, e as fontes oficiais afirmavam que o ônibus estava carregado com cerca de setecentos quilos de explosivos. Ao escutar a notícia, meu pai reagiu e disse aos presentes: “Esses veados não sabem de nada, sempre falam só 10% do total da dinamite que eu implanto”.
O duro confronto entre o governo e a máfia teria uma reviravolta radical no dia 15 de Dezembro de 1989, uma Sexta-feira, quando meu pai soube pelas notícias que o “Mexicano” fora abatido numa operação da polícia no porto de Coveñas, no mar do Caribe.
Meu pai lamentou a morte do “El Mexicano”, com quem sempre teve uma relação muito próxima. Nunca discutiram. Considerava-o um guerreiro, alguém presente nos bons e nos maus momentos. Quase sempre se cumprimentavam com um cálido “olá, compadre”, porque meu pai foi padrinho de batismo de um dos filhos do “El Mexicano”. Sempre chamou a atenção de meu pai o fato de que, apesar de seu jeito aparentemente afável e despojado, Gonzalo Rodríguez assumia comportamentos muito particulares, como mandar desinfetar os banheiros com álcool a cada vez que ia entrar, fazer as unhas várias vezes na semana e importar papel higiênico da Itália.
Meu pai nos contou que uma vez “El Mexicano” lhe expressara que temia pela própria vida. Estava em El Peñol, no esconderijo conhecido como La Isla, e disse a meu pai que tinham lhe contado que a polícia e o cartel de Cali estavam com ele na mira, porque alguém dentro de seu bando andava vazando informações.
Sua desconfiança era tanta que resolveu sair de La Isla de uma hora para a outra, e seguiu por uma trilha até uma propriedade no município de Barbosa, Antioquia, mas duas semanas depois saiu correndo de lá porque novamente teve a certeza de que estavam em seu encalço.
Meu pai lhe propôs que fosse até o esconderijo onde estava, mas “El Mexicano” disse que preferia ir na direção da costa.
– Andrés – assim meu pai chamava “El Mexicano” –, meu amigo, venha para cá comigo, a costa é muito perigosa; lá não tem selva e os gringos podem pegá-lo e você nem verá eles chegando... e além disso tem o mar do lado, é pior.
Com “El Mexicano” morto e sem possibilidades de negociação com o governo à vista, meu pai novamente lançou mão da violência e da chantagem para manter ativa sua postura de encarar o Estado.
Cinco dias depois da operação contra Rodríguez Gacha, e quando o país ainda celebrava o golpe que fora dado no cartel de Medellín, os jornais noticiaram que os homens de meu pai haviam sequestrado Álvaro Diego Montoya em Bogotá, filho de Germán Montoya, o secretário da presidência; e, em Medellín, mantinham em cativeiro Patricia Echavarría de Velásquez e sua filha Dina, que eram, respectivamente, filha e neta do industrial Elkin Echavarría; Patricia era casada com o filho do presidente Barco.
Os sequestros conduziram muito rapidamente a uma aproximação com o governo e a uma nova chance de meu pai se entregar à Justiça. A família Montoya buscou a ajuda dos industriais J. Mario Aristizábal e Santiago Londoño, que por sua vez contrataram o advogado Guido Parra para tentar convencer meu pai a soltar os sequestrados.
Os sinais que meu pai recebeu do alto governo através de Aristizábal e Londoño, que apontavam uma possibilidade de conseguir um tratamento jurídico diferenciado, levaram-no a pôr em liberdade as três pessoas que mantinha em seu poder, em meados de Janeiro de 1990, e expedir um comunicado em nome dos Extraditáveis no qual reconhecia a vitória das instituições e anunciava uma trégua unilateral. E, como prova de boa vontade – justamente quando o presidente dos Estados Unidos, George Bush, estava em Cartagena numa visita oficial –, entregou às autoridades um complexo de coca em Urabá, um veículo escolar com uma tonelada de dinamite e um helicóptero.
Nos encontros secretos entre meu pai e os enviados do governo, chegou-se inclusive a produzir um documento que estabelecia as condições para ele se entregar, e essa aproximação levou também o governo a demorar mais no trâmite de algumas extradições, de maneira imperceptível. O presidente Barco chegou inclusive a dizer que “se os narcotraficantes se renderem e se entregarem, poderíamos pensar num acordo”. Pedi muitas vezes a meu pai que encontrasse uma solução pacífica para seus problemas, implorei para que parasse com a violência e se dedicasse à família.
No entanto, em 22 de Março de 1990, o assassinato do líder de esquerda Bernardo Jaramillo Ossa, candidato à presidência pela União Patriótica, seguido pela renúncia do ministro de Governo Carlos Lemos Simmonds – que apontara sua ligação com as FARC – estragariam novamente a possibilidade de uma saída negociada com meu pai, e marcariam o início de uma nova onda terrorista sem precedentes no país.
Depois do crime de Jaramillo, as autoridades apontaram quase que imediatamente meu pai como responsável, mas ele divulgou uma carta em que repudiava a acusação e, pelo contrário, dizia que sentia apreço pelo político, pois havia se mostrado contra a extradição e era a favor da negociação com a máfia. No fim da mensagem, meu pai lembrava uma entrevista de Jaramillo para a revista Cromos na qual dissera que “agora vão jogar a culpa de tudo no senhor Pablo Escobar. Ele vai ser o bode expiatório de todas as ruindades que se fizeram neste país durante esses últimos anos. A verdade é que existem figuras muito poderosas do governo que estão comprometidas com os grupos paramilitares e têm de responder ao país pelos crimes que cometeram”. Meu pai costumava dizer, quando lembrava de sua morte, que Jarmillo Ossa lhe havia pedido que intercedesse junto aos Castaño para que não o matassem.
– Foram Fidel e “Carlitos” que o mataram, mas como são meus amigos não posso dizer isso por aí.
O fato é que a renúncia do ministro Lemos acabou por revelar que, após o sequestro de Álvaro Diego Montoya em Dezembro do ano anterior, o governo de Barco abrira uma porta para uma negociação com meu pai que o país desconhecia. Então, os políticos que haviam atuado nesse processo – entre eles Germán Montoya – saíram a público para dizer que a extradição nunca estivera em jogo, e que a única opção possível era a rendição incondicional dos traficantes.
Com relação a Lemos, lembro de uma frase de meu pai:
– E essa agora do Lemos. Compromete tudo que é meu e agora que o expulsaram e que não tem mais poder, manda virem me dizer que está à minha disposição, que no que estiver a seu alcance pode colaborar comigo.
O fracasso da negociação, somado à enganação que meu pai percebeu, levou-o a anunciar, no dia 3 de Março de 1990, através de um comunicado dos Extraditáveis, a retomada da guerra contra o Estado.
Nas semanas seguintes, seu aparato criminoso desataria uma nova e terrível onda de atentados terroristas. Ouvi dizer que alguns de seus homens disseram ter detonado bombas nos bairros de Quirigua e Niza em Bogotá, no centro de Cali e no hotel Intercontinental de Medellín; ao mesmo tempo, meu pai ordenou ataques frontais à Fuerza Élite da polícia, um grupo especial criado para persegui-lo. Resultado: dois carros-bomba explodiram na passagem de caminhões que transportavam soldados desse comando.
Em outra frente, meu pai reuniu informações precisas sobre os absurdos que as autoridades cometiam na cidade a fim de localizá-lo; eram frequentes os massacres nas esquinas de bairros populares de Medellín, executados por pistoleiros que procuravam dizimar seu exército privado. Inclusive, um jornal publicou a notícia de que uma patrulha militar frustrou um massacre e deteve vários agentes da Dijin.
Em represália, meu pai começou a combater fortemente a polícia de Medellín, valendo-se de dois métodos muito violentos:
O primeiro, conforme me disse “Pinina” bem depois, era com ataques a bomba seletivos, através da figura do “suíço” ou suicida: pessoas que começavam traficando pequenas quantidades de cocaína e recebiam os pagamentos devidos, para irem ganhando confiança; depois, recebiam um “serviço” para fazer, mas, em vez de levarem coca, carregavam, sem saber, dinamite, pois era embalada da mesma forma que os pacotes de pó. Desse modo, quando passavam por blitzes ou postos policiais, pessoas localizadas estrategicamente acionavam o disparador. Meu pai dizia a seus homens que os disparadores remotos comprados por sugestão do terrorista espanhol contratado para ensinar seus homens não funcionavam bem, e por isso mandou comprar controles remotos de aviões de aeromodelismo.
O segundo era o chamado plano “pistola”, cujo alvo eram os policiais da cidade. Meu pai mandou pegar dezenas de armas que havia armazenado em esconderijos em diferentes lugares da cidade e as entregou a gangues de vários distritos, dizendo que era para se defenderem e ao mesmo tempo pedindo que matassem qualquer policial que vissem pela rua. Os pistoleiros recebiam uma recompensa que variava de acordo com o cargo do oficial morto. Mais de trezentos policiais foram assassinados num período muito curto, por toda a cidade. Depois que esse tempo terrível passou, as pessoas comentavam que tudo o que o pistoleiro precisava fazer para receber seu dinheiro era ir até um dos escritórios de meu pai com o recorte do jornal onde a notícia tivesse sido publicada.
– Só vão chamar a gente para negociar se criarmos um caos terrível, e é isso que vamos fazer – meu pai disse, num dia daqueles, ao advogado Aristizábal, que fora ter com ele para prestar consultoria sobre alguns assuntos jurídicos. Com tamanho clima de guerra em Medellín – esquadrões de homens armados de ambos os lados circulavam pela cidade, que vivia praticamente uma guerra civil –, no começo de Junho de 1990 meu pai decidiu me tirar do país, com a desculpa de ver a seleção colombiana jogar a Copa do Mundo da Itália.
Ele me mandou para lá com nosso parente Alfredo Astado e com “Pita” e “Juan” de guarda-costas. Meu pai estava com medo de que seus amigos me localizassem lá, e por isso contratou um homem para fazer documentos novos para mim; enviou fotos minhas e impressões digitais e ficou orgulhoso porque tinha certeza de que eu poderia passar pelos controles de imigração ou policiais de qualquer parte do mundo.
E assim foi, porque em 9 de Junho assistimos à partida de abertura entre Itália e Áustria no Estádio Olímpico de Roma, e nos dias seguintes acompanhei a seleção da Colômbia em seus jogos contra Iugoslávia e Alemanha. Em todas as ocasiões fui com a cara pintada de amarelo, azul e vermelho, cobri a cabeça com uma bandeira e usei óculos escuros, ficando, assim, irreconhecível.
No entanto, nossa estadia na Europa acabou sendo muito complicada, porque eu não conseguia me desligar dos jornais e revistas – que chegavam com oito dias de atraso –, pois queria me inteirar de alguma maneira do que estava acontecendo na Colômbia e com meu pai.
Foi desse modo que soube que em 14 de Junho meu pai sofrera um golpe duro: a polícia matou “Pinina”, o verdadeiro chefe militar de sua organização.
Como os hotéis italianos não davam conta, viajamos de trem para Lausanne, Suíça, e nos hospedamos no hotel De La Paix; evitei sair para fazer turismo e preferi ficar jogando cartas com “Pita” e “Juan”, mas o longo confinamento dos hóspedes estrangeiros deve ter parecido suspeito ao concierge do hotel, que alertou as autoridades locais a respeito.
Um dia, na hora do almoço, saímos para tomar um pouco de ar e comer num restaurante chinês quando chegaram dez policiais que nos revistaram e nos levaram algemados. Do lado de fora do restaurante havia mais policiais e pelo menos dez viaturas com as sirenes ligadas; tinham isolado o quarteirão inteiro com fitas amarelas que impediam a passagem.
Separaram-nos uns dos outros, e me levaram para uma delegacia da polícia secreta onde havia uma cela de portas vermelhas e vidro blindado; lá, mandaram eu me despir e me revistaram pela segunda vez. Cinco horas depois, um homem e uma mulher me tiraram de lá num carro e me levaram para outro local secreto, onde me interrogaram por duas horas.
Disseram que não entendiam como um jovem de apenas treze anos tinha um relógio Cartier de 10 mil dólares; respondi que meu pai era dono de gado na Colômbia e que, com a venda de muitos bovinos, pois ele tinha mais de três mil e quinhentos, tinha me dado o relógio de presente.
Por fim não encontraram motivos para me manter preso e logo encontrei Alfredo e meus guarda-costas, que também haviam sido soltos. Os policiais perguntaram para onde poderiam nos levar, pois estavam envergonhados, e pedimos que nos deixassem no mesmo restaurante chinês de onde tinham nos tirado.
O ambiente extremamente conturbado de Medellín naquela época por conta da guerra declarada entre meu pai, as autoridades e o cartel de Cali levaria a um terrível massacre justo no dia em que a seleção colombiana foi eliminada da Copa por Camarões.
Foi na noite de 23 de Junho de 1990, um Sábado, quando um comando armado invadiu a discoteca Oporto, numa casa de fazenda de El Poblado, famosa por ser o lugar de diversão favorito dos ricos de Medellín. Cerca de vinte homens vestidos de preto, com bonés de couro e armados com metralhadoras chegaram em duas caminhonetes pretas com vidros escuros, ameaçaram os presentes e os mandaram descer enfileirados até o estacionamento do local. Então, dispararam indiscriminadamente, e assassinaram dezenove jovens entre vinte e vinte e quatro anos de idade, deixando mais cinquenta feridos.
Novamente as autoridades se apressaram a apontar meu pai como responsável, usando o argumento de que ele odiava os ricos de Medellín. Porém, tempos depois, confinados num esconderijo, falei com ele sobre o massacre, e ele me disse que não havia sido o responsável.
– Grégory, se tivesse sido eu, eu falaria; quantas coisas já fiz nessa vida, qual seria o problema de assumir mais uma? Muito perto de lá tinha uma blitz da polícia de elite, e os pistoleiros passaram sem o menor problema. Eu acho que aquela matança foi coisa deles mesmos, porque vários seguranças do “Otto” iam naquele lugar, e só um dos meus morreu ali... o resto era gente sem qualquer ligação.
Apesar das comodidades da viagem, eu estava muito tenso e queria saber a verdade sobre a situação de meu pai e sobre seu futuro imediato, e por isso lhe mandei várias cartas. Ele respondeu com uma mensagem longa, escrita no dia 30 de Junho, que recebi uma semana depois, justo quando minha mãe e Manuela estavam prestes a chegar à Europa para se encontrar conosco, porque a ideia de meu pai era que estudássemos outras línguas.
Querido filho:
Receba um abraço enorme e muito especial. Estou com saudades e te amo muito, mas ao mesmo tempo fico tranquilo por saber que você está bem aí, aproveitando, em segurança e com liberdade. Resolvi mandar sua mãe e sua irmãzinha para ficarem aí com você, porque na carta que você me escreveu disse que queria encontrar todo mundo aqui quando voltasse, mas como sabe a situação aqui anda um pouco difícil. Não esqueça nunca o que eu sempre te disse: que temos que acreditar no destino dos seres humanos, pois ele já está escrito, para o bem ou para o mal. Esses dias li no jornal a carta que o filho do presidente Carlos Menem da Argentina mandou para ele, reclamando que havia expulsado a família do palácio presidencial e dizendo que o pai precisava ser mais homem, e que o poder lhe tinha subido à cabeça. Fiquei chocado e perplexo, e reli a sua carta, filho, várias vezes, para me sentir orgulhoso e tranquilo. A única coisa que quero é que você esteja tranquilo e se sinta bem. Que entenda que às vezes as famílias precisam se separar um pouco, por causa de coisas que acontecem na vida. Quero que você encare isso tudo com muita serenidade. Imagine que estamos separados não por causa dessa situação desagradável, mas porque embora sejamos uma família muito unida, eu como pai resolvi fazer um esforço enorme para te mandar para estudar um tempo aí fora, para que o seu futuro seja mais belo e com mais possibilidades. Vamos supor que eu tenha tido que sacrificar muitas coisas. Vamos supor que tivemos de vender nossa casa para que vocês pudessem ficar estudando nessa terra aí por uns bons meses. Que para nós seria triste acontecer o que aconteceu com o presidente da Argentina. Qual sacrifício poderia ser pior para mim do que não ter vocês aqui comigo? Se você demonstrar serenidade com sua mãe e sua irmãzinha, elas vão ficar tranquilas; se você sorrir, elas e eu também vamos sorrir. Aproveite tudo, porque quando eu tinha treze anos como você, não tinha nada, mas ninguém foi mais feliz que eu naquela época. Não vá desperdiçar essa oportunidade de aprender outras línguas, de aprender as técnicas diferentes e conhecer outras culturas. Fique esperto com isso: lembre que você não está na sua terra, e por isso não deve fazer nada que não seja legal. Não vá deixar que ninguém lhe dê conselhos ruins. Faça apenas o que a sua consciência mandar. Não prove nada que não seja correto. Lembre-se de que, além de ser seu pai, sempre quis ser seu melhor amigo. Os corajosos não são os que bebem muito na frente dos amigos. Os corajosos são os que não bebem. Me perdoe por ficar filosofando tanto, e por esta carta tão comprida; é que, como hoje é Sábado, quero dedicar um pouco de tempo para você, como se você tivesse vindo me visitar. Eu, para te contar um pouco, estou muito bem. Muito trabalho, muita coisa para organizar, mas tudo anda muito bem. Estamos crescendo. Essa coisa vai ser grande. Sua mãe deve ter te contado, e além do mais estou muito contente porque os torturadores estão sendo postos de lado. Os mais importantes deles já estão sem o uniforme, e isso é muito positivo. Quero que você me mande mais fotos e que me conte o que anda fazendo. Não perca um minuto sequer, aproveite a sua vida, caminhe ou pratique algum esporte. Quem sabe se você se dedicar a um esporte poderá encontrar um lugar que esconde uma felicidade. Vou continuar te escrevendo e te mantendo atualizado de tudo.
Te amo muito, muito, muito, 30 de Junho de 1990.
Quando a Copa acabou, fomos para Frankfurt, na Alemanha, onde encontramos minha mãe, Manuela e outros parentes. Após conhecer várias cidades, voltamos para Lausanne, e minha mãe e eu nos matriculamos num curso para estudarmos inglês até o fim do ano.
Já assistíramos às primeiras aulas quando recebemos outra carta de meu pai, do dia 17 de Julho, na qual pela primeira vez em muito tempo parecia otimista a respeito de sua situação pessoal e da do país.
Resolvi mudar de estratégia e a guerra vai acabar no novo governo. O presidente eleito disse que a extradição não é um compromisso seu e que tudo depende da situação da ordem pública, e a situação vai ser boa. A Assembleia Nacional Constituinte será eleita em breve, porque o povo já decidiu, e eu tenho total certeza de que o primeiro projeto que ela redigirá será a proibição da extradição de colombianos. E a melhor notícia de todas é que, quando a trégua já decretada for posta em prática, o problema da segurança de vocês vai acabar, e poderão voltar.
Apesar dos bons presságios contidos na mensagem de meu pai, em 12 de Agosto de 1990, apenas cinco dias após a posse de César Gaviria como presidente, a polícia matou Gustavo Gaviria em Medellín, primo de meu pai, companheiro de andanças desde que eram pequenos, o homem leal.
Segundo a viúva, seis agentes do Bloco de Busca invadiram a casa de Gustavo com a intenção de levá-lo, mas ele se agarrou nas grades da porta e, como não conseguiram tirá-lo dali, acabaram disparando. Ela disse também que Gustavo estava desarmado e chegou a ligar para um serviço de emergência de Medellín, dizendo que estava para ser assassinado.
Na longínqua Suíça, ficamos sabendo, nos primeiros dias de Setembro, que meu pai novamente lançara mão de seu método de sequestrar pessoas importantes, dessa vez para pressionar o recente governo de Gaviria. Disseram-nos que um grupo encabeçado por “Comanche” sequestrou os jornalistas Diana Turbay, filha do ex-presidente Julio César Turbay e diretora da revista Hoy x
Hoy, Azucena Liévano, Juan Vitta e Hero Buss, e os cinegrafistas do noticiário Criptón, Richard Becerra e Orlando Acevedo.
A ordem incluía sequestrar o então diretor do jornal El Colombiano, Juan Gómez Martínez, mas os homens de meu pai falharam porque o executivo se entrincheirou com um revólver num canto da casa e não conseguiram tirá-lo de lá.
Diana Turbay e seu grupo foram mantidos em cativeiro numa propriedade no município de Copacabana e, desde o instante que ela soube que estava ali a mando de meu pai, comunicaram-se algumas vezes por carta. “Comanche” fazia a ponte entre os dois e, conforme meu pai me disse um dia, prometeu várias vezes a Diana que sob quaisquer circunstâncias a vida dela seria preservada.
A estratégia de chantagem com a nata da instituição funcionou, porque em 5 de Setembro o presidente Gaviria anunciou uma mudança radical na luta contra os narcotraficantes, e baixou o decreto 2047, que oferecia redução de pena àqueles que se entregassem à Justiça e a não extradição em troca de confissão de crimes. Meu pai examinou o decreto e disse para seus três advogados, entre eles Santiago e Roberto Uribe, falarem com o governo, pois o conteúdo não o beneficiava, e era melhor modificá-lo.
Para intensificar as intimidações, duas semanas depois, em 19 de Setembro, os homens de meu pai sequestraram Marina Montoya e Francisco Santos Calderón, diretor de redação do jornal El Tiempo.
Com um grupo de sequestrados suficientemente grande para negociar com o governo, meu pai ordenou ataques pesados ao cartel de Cali, que recentemente fracassara em vários atentados contra ele, incluindo duas tentativas de me sequestrar. Essa foi uma das razões pelas quais meu pai nos tirou do país.
Assim, na Terça-feira, dia 25 de Setembro, vinte pistoleiros liderados por “Tyson” e “Chopo” tomaram a fazenda Villa de Legua, entre os municípios de Candelaria e Puerto Tejada, ao sul do Valle del Cauca, porque sabiam que naquela noite os capos jogariam futebol ali.
Num intenso tiroteio, os capangas de meu pai mataram dezenove pessoas, entre elas catorze jogadores, mas Hélmer “Pacho” Herrera – dono da propriedade – e outros chefes do cartel conseguiram escapar por canaviais vizinhos. Ao voltar a Medellín, “Chopo” entregou a meu pai a agenda pessoal de Herrera, que a havia abandonado no local. Ele a leu inteira e gargalhava, porque as anotações demonstravam que seu principal inimigo era muito mesquinho: registrava ali os baixíssimos salários que pagava a seus empregados e até os menores gastos que tinha.
Quase três anos após o início da guerra entre os cartéis, os homens de meu pai haviam destruído umas cinquenta farmácias La Rebaja em Medellín, Pereira, Manizales, Cali e em outras cidades menores.
E em resposta a um ataque de helicóptero quando estava na fazenda Nápoles, que falhou porque a aeronave dos Rodríguez desabou no chão, meu pai contou que mandou “Otto” para os Estados Unidos, para que ele aprendesse a pilotar helicópteros Bell Ranger, com a ideia de atirar uma bomba em seus inimigos. O curso custou 272 mil dólares e foi ministrado ao lado do porto de Miami por um ex-guerrilheiro da Nicarágua.
Meu pai também contratou três homens para examinar as milhares de chamadas telefônicas que eram recebidas e feitas entre Medellín, Cali e o Valle del Cauca. As enormes listas eram fornecidas por funcionários da empresa telefônica local. Assim, os funcionários de meu pai, com régua, lupa e marca-texto em mãos, faziam o cruzamento entre as ligações recebidas com uma lista que continha os números dos capos de Cali. Se houvesse alguma correspondência, mostravam a meu pai, que mandava seus homens fazerem operações de busca e capturas. O mesmo acontecia com os carros que circulavam em Medellín com placas de Cali ou do sudoeste do país.
Uma nova carta que recebemos de meu pai no fim de Novembro deixava claro que a guerra na Colômbia estava longe de terminar. Em 14 de Novembro ele nos escreveu enfatizando sua descrença na possibilidade de qualquer saída judicial para ele.
Quando vocês foram embora, fiquei muito animado porque muitos líderes importantes me chamaram e me prometeram mundos e fundos. Meu representante era atendido diretamente pelo cara importante e ficava com ele por duas ou três horas. A moça importante me escrevia, mas depois começaram com picuinhas e eu não podia aceitar, ainda mais depois do que eles fizeram com meu sócio (Gustavo Gaviria). Eu acho que o que aconteceu com meu sócio nos prejudicou muito, porque com aquilo eles acharam que eu estaria terminado. Mas agora estão muito assustados, e sei que tudo vai dar certo.
Enquanto isso, a guerra com os capos de Cali nos forçaria a voltar da Europa na primeira semana de Dezembro de 1990, porque descobrimos que dois homens nos seguiam por todos os lugares, inclusive uma vez que fomos a vários supermercados atrás de bananas. Informei imediatamente meu pai disso, e ele nos mandou voltar para a Colômbia o quanto antes.
Em meio a muitas incertezas, chegamos ao esconderijo em que meu pai estava, um amplo apartamento no sétimo andar de um edifício na avenida oriental de Medellín, numa diagonal da clínica Soma.
Estavam com meu pai o “Gordo” e sua esposa, “Popeye” e a “Índia”, uma morena sensual que “Chopo” arrumara para ajudá-lo com uns serviços e com outras coisas. A estadia nesse local foi muito entediante, porque o apartamento era muito desagradável, não tinha nada para fazer ali e nem podíamos olhar pelas janelas, porque os vidros estavam cobertos por cortinas. Não havia tevê a cabo, brincávamos com jogos de tabuleiro ou líamos livros. Passáramos do confinamento na Suíça para um muito pior.
Durante esse tempo, meu pai nos contou detalhes da maneira como estava conseguindo que o governo cedesse a suas pretensões de obter benefícios judiciais, incluindo a não extradição. Claro que ele se valia de um poderoso mecanismo para fazer pressão, os sequestros: Diana Turbay, Francisco Santos, Marina Montoya, os jornalistas e cinegrafistas do jornal Criptón, bem como Beatriz Villamizar e Maruja Pachón de Villamizar – cunhada de Luis Carlos Galán –, que haviam sido sequestradas em novembro do ano anterior por um grupo liderado por “Enchufe”.
Por aqueles dias de Dezembro, meu pai já havia obtido a promessa do governo de modificar o decreto 2047 promulgado três meses antes, porque ele e seus advogados achavam que a extradição deveria ser suspensa com a simples apresentação do réu perante um juiz. Conforme nos disse, semanas antes haviam proposto um texto, enviado ao Ministério da Justiça por intermédio de seus advogados.
As recomendações chegaram ao Palácio de Nariño porque o presidente Gaviria fez menção ao assunto justamente numa visita a Medellín naquela primeira semana de Dezembro de 1990: “Nós estamos sim dispostos a modificar o decreto – o 2047 –, porque estamos interessados na pacificação do país. Estamos interessados que esses colombianos que cometeram crimes se submetam à nossa justiça. E, por esse motivo, no decorrer desta semana, faremos todos os esclarecimentos que sejam necessários sobre esse decreto e incorporaremos eventualmente algumas modificações.”
Nos dias seguintes, meu pai ficava por muito tempo assistindo aos telejornais do meio-dia, das sete e das nove e meia da noite; ficávamos nervosos ao vê-lo mudando de canal para ver o que estavam dizendo em um ou outro informativo. Começamos a reclamar daquilo, e então ele me ouviu e comprou uma televisão cuja tela se dividia em dois. Assim podia ver simultaneamente os dois canais e escolher a qual dos dois assistir com som.
Mesmo quando o tema dos decretos estava indo ao encontro dos interesses de meu pai, descobrimos que, como sempre, ele tinha um plano B para resolver suas questões com a Justiça. Soubemos disso porque na noite do dia 9 de Dezembro de 1990, um domingo, ele ficou muito ligado no resultado das eleições dos setenta constituintes que modificariam a Constituição Nacional vigente desde 1886.
Quando a Registradoria Nacional tornou pública a composição final da Assembleia Nacional Constituinte, cujas sessões começariam em Fevereiro de 1991, notamos em seu rosto um sorriso debochado.
– Não dá pra confiar muito nesse negócio de decreto. Do mesmo jeito que hoje anunciam que vão fazer as mudanças que eu pedi, amanhã voltam atrás e mudam tudo de novo quando eu estiver preso. Mas se a mudança estiver na Constituição, aí sim não vão poder me foder.
Em seguida, meu pai nos contou que, em outubro do ano anterior – quando estávamos na Europa –, durante a campanha dos constituintes, ele recebeu uma mensagem dos capos do cartel de Cali na qual pediam sua adesão para impulsionar os candidatos que garantiram ser favoráveis a eliminar a extradição da nova Constituição.
– Mandei lhes dizer que fizessem o que tivessem de fazer, e que eu faria as minhas coisas; que subornassem a quem tivessem que subornar – resumiu, e concluiu que já tinha uma boa quantidade de votos comprometida com ele para quando a Constituinte abordasse o tema da extradição.
Enquanto isso, em 15 de Dezembro, meu pai acordou como sempre ao meio-dia e viu nos noticiários que o governo havia promulgado um novo decreto, o 3030. Os jornais publicaram o texto completo, o que facilitou sua leitura. Após o café-almoço – como sempre, banana madura frita cortada em quadradinhos e mexida com ovo, arroz e carne –, ele permaneceu na mesa de jantar lendo com atenção o conteúdo do novo decreto, com o qual o governo pretendia que ele se submetesse à Justiça.
– Vamos ver se concederam o que eu pedi – disse, e depois mergulhou num silêncio profundo que duraria cinco horas, ao fim das quais havia sublinhado quase o texto inteiro com uma caneta e preenchido várias folhas com seus comentários.
Depois das cinco horas da tarde, cansado, ele nos disse que não concordava com muitos aspectos do decreto e que iria enviar suas sugestões para que o governo elaborasse outro.
Em nossa espera, naquela mesma noite, meu pai escreveu uma longa carta que enviou a seus advogados e cujo destino era o Palácio de Nariño. Também continha instruções do que seus assessores deveriam dizer em particular para os meios de comunicação, indicando que a declaração vinha da parte dos Extraditáveis.
Como pedira, os meios de comunicação informaram que os Extraditáveis haviam dito ao governo que o 3030 mais parecia um decreto de guerra, e que não concordavam com a maior parte do texto. Meu pai, por intermédio de seus advogados, insistia em que a necessidade de confissão fosse eliminada, porque o novo decreto a colocava como requisito indispensável para o acesso aos benefícios judiciais. Para meu pai, esse artigo era inaceitável.
Três dias depois, e para a surpresa de meu pai, Fabio Ochoa, o mais novo dos irmãos Ochoa, havia se apresentado à Justiça e já se encontrava na prisão de segurança máxima de Itagüí. Três semanas mais tarde Jorge Luis e Juan David Ochoa fariam o mesmo. Meu pai não entendeu muito bem as razões que levaram seus amigos a aceitar as condições de redução penal dos decretos e, embora lhe tenha parecido uma decisão apressada, resolveu esperar para ver.
O ano de 1991 começava e nós havíamos retornado ao deprimente confinamento no esconderijo da avenida Oriental de Medellín, após passarmos o fim de ano com meu tio Roberto. Meu pai tinha achado mais seguro ficarmos com ele.
E, como prevíamos, ele estava disposto a ir até as últimas consequências, porque sabia que aquele ano seria decisivo em nossas vidas.
Ficamos muito impressionados quando o “Chopo” nos contou – depois do ocorrido – que meu pai havia decidido assassinar Marina Montoya para pressionar o governo, que não respondera a seu memorando sobre as modificações no decreto 3030 de Dezembro do ano anterior.
A quebra da promessa pública do governo – a pedido das famílias – de que não tentaria resgatar os sequestrados à força geraria uma crise de grandes dimensões no fim de Janeiro de 1991. Numa fracassada tentativa de resgate numa propriedade do município de Copacabana, Diana Turbay morreu atingida por várias balas quando corria com o cinegrafista Richard Becerra.
Mesmo quando o governo e a polícia afirmaram que os sequestradores haviam atirado nos reféns no momento da chegada da polícia, meu pai sempre me disse que deixara muito claro para seus homens que deveriam preservar as vidas dos sequestrados, tal como havia prometido à jornalista Turbay.
Algumas semanas depois, quando a poeira do escândalo já baixara e meu pai continuava mandando mensagens públicas nas quais se mostrava disposto a se entregar à Justiça, ele recebeu um recado em que diziam que um grupo grande de agentes da Dijin – o órgão secreto da polícia – estava dentro de um caminhão estacionado debaixo da ponte da avenida San Juan, a cinquenta metros da praça de touros La Macarena.
Tempos depois, ouvi uma conversa de Giovanni na qual ele comentava que meu pai o enviara até lá com um Renault 9 branco que já estava carregado com cento e cinquenta quilos de dinamite. O veículo explodiu e dezoito pessoas morreram: três suboficiais, seis agentes da Dijin e nove civis.
Meu pai tinha certeza de que os integrantes da Dijin pertenciam a uma organização secreta proveniente de Bogotá conhecida como Los Rojos, que realizava assassinatos seletivos em Medellín.
Apesar dos motivos de meu pai, eu e minha mãe achamos que ele havia ido longe demais em sua determinação de pressionar o governo. Por isso, após o ocorrido na praça de La Macarena, que além dos mortos deixara dezenas de pessoas feridas, pedi que ele parasse:
– O que está acontecendo com você, filho?
– É que estou cansado de ver tanta violência, pai. Muito cansado e muito triste pelas mortes de pessoas inocentes. Muitos familiares nossos e amigos costumam ir nas touradas ali, e com essas bombas explodindo a toda hora qualquer um poderia morrer, até a vovó Hermilda. Esse não é um jeito de resolver seus problemas, e sim a forma de piorar os problemas de todo mundo. Lembro que estávamos só nos três na sala de jantar; minha mãe me abraçou e disse a ele:
– Meu bem, pelo amor de Deus, o que você está fazendo? Escute as súplicas do seu filho e de todos nós, e por favor pare com essas tragédias todas.
– Olhe, meu amor. Olhe, meu filho. Pode ser que alguns inocentes tenham morrido, mas eu acabei com muitos dos autores de assassinatos seletivos na cidade. Guerra é guerra, e nela morre quem tem que morrer. O destino dos homens já está escrito, para o bem ou para o mal.
Meu pai pareceu nos dar ouvidos, e nas semanas seguintes se concentraria em manter contato com o governo por intermédio de seus advogados e de ficar a par das deliberações da Assembleia Constituinte em Bogotá, que terminaria suas sessões no começo do mês de Julho seguinte, e promulgaria a nova Constituição. Ele sabia que o ponto relacionado à extradição seria discutido nos primeiros dias de Junho, e até lá intensificou seus esforços para conseguir a abolição dela por ato constitucional. Parecia algo simples, tendo o voto dos constituintes que ele e os demais cartéis do tráfico ajudaram a eleger em dezembro do ano anterior. O rumor que corria naquela época era de que o cartel de Cali investira 15 milhões de dólares e meu pai outros 5 milhões para eliminar a extradição da nova Constituição.
Pouco depois, no dia 16, fui a um lugar conhecido como El Vivero, ao lado de Montecasino, a mansão de Fidel Castaño, para a festa de aniversário da irmã mais nova de minha mãe. Era a primeira vez que eu via tanta gente reunida em torno de um evento social desde minha volta da Suíça, em Dezembro do ano anterior.
A aniversariante e eu havíamos sido criados praticamente como irmãos. Ela convidara algumas amigas do colégio, entre as quais estava Andrea, uma bela jovem de dezessete anos, que eu não consegui convidar para dançar, mas pedi a minha tia que me apresentasse a ela. Daquele momento em diante da festa nós ficamos conversando sem parar.
Quis o destino que durante essas miniférias houvesse uma sequência de primeiras comunhões, aniversários e eventos em minha família, para os quais minha tia convidava sua amiga Andrea, e eu não parava de flertar com ela. Após um mês e meio de ligações, flores e cartas com poemas, nos beijamos na estrada Las Palmas, num esconderijo em que se via Medellín. Desde aquele momento estou unido a ela numa relação bela e intensa que já dura vinte anos. Dias depois do começo de meu relacionamento com Andrea, apareceria a figura do sacerdote Rafael García Herreros, um homem além do bem e do mal, que apresentou por anos o programa El Minuto de Dios, transmitido todos os dias às sete horas da noite. Nas semanas que se seguiram, ele teria um papel decisivo na entrega de meu pai à Justiça.
Dom Fabio Ochoa Restrepo lembrou desse velho conhecido seu, o padre García Herreros, pensando que ele poderia de alguma maneira influenciar meu pai e fazer com que ele parasse com a violência que praticava, soltasse os sequestrados e se submetesse à Justiça com plenas garantias de segurança e sem correr o risco de ser extraditado.
Dom Fabio comunicou sua iniciativa a meu pai, que a aceitou imediatamente. Procurou o sacerdote, que não apenas se comprometeu a fazer o que fosse necessário como também enviou uma mensa gem a meu pai no programa El Minuto de Dios: “Me disseram que você quer se entregar, me disseram que você quer falar comigo. Oh, mar de Coveñas, às cinco da tarde, quando o sol estiver caindo, o que devo fazer?”
A partir daquele momento, meu pai e o sacerdote trocaram cartas nas quais se dispunham a se encontrar, e por muitas semanas o El Minuto de Dios foi a ponte de comunicação entre eles. “Quero poder servir de garantia para que respeitem todos os seus direitos e os da sua família e amigos. Quero que você me ajude e me diga que passos devo dar”, disse o religioso em uma das mensagens, dirigindo-se a meu pai.
Além disso, a frase “Oh, mar de Coveñas” ficou famosa, mas na verdade era uma espécie de código entre meu pai e o sacerdote. Omar era a identidade secreta do “Médico”, um homem que estava se escondendo com meu pai e ia buscar o sacerdote na propriedade de dom Fabio Ochoa, para levá-lo até meu pai.
Enquanto o país seguia de perto García Herreros, soubemos pelo noticiário que meu pai voltara a mostrar que não se esqueceria nunca daqueles que em algum momento tomaram decisões contra ele. O ex-ministro da Justiça Enrique Low Murtra foi assassinado quando saía da Universidad de la Salle em Bogotá, após dar uma aula.
Meu pai considerou que eu e Manuela deveríamos viajar para os Estados Unidos, para ficarmos resguardados de qualquer ataque, pois, embora se sentisse confiante em seu poder, temia que nos usassem para pressioná-lo num momento tão decisivo para sua entrega à Justiça.
Enquanto iniciávamos uma nova viagem que nos levaria a conhecer boa parte do país norte-americano, meu pai e o padre García Herreros enfim combinaram de se encontrar no dia 18 de Maio, em algum lugar de Medellín.
Conforme meu pai me contou tempos depois, o religioso estava muito assustado com a iminência do encontro, e começou a inventar vários impedimentos, querendo cancelar a viagem – por exemplo, disse uma vez que havia perdido os óculos e não conseguia enxergar nada. Para resolver a questão, levaram-no imediatamente ao oftalmologista. Cada nova desculpa que apresentava era resolvida em questão de minutos.
Ainda assim, o “Médico” buscou o religioso na fazenda onde ele estava com dom Fabio Ochoa; um vendaval que havia açoitava a região facilitou o translado, pois espantou todos os policiais que deveriam estar a postos em diversas blitzes ao longo do caminho.
Por fim, meu pai e o padre García Herreros se encontraram num apartamento na cidade depois de ter mudado de carro várias vezes para evitar que o seguissem.
Os acontecimentos após esse encontro foram vertiginosos: em 20 de Maio meu pai soltou Maruja Pachón e Francisco Santos, as últimas pessoas que mantinha em cativeiro. E dois dias depois o governo promulgou o decreto 1303, que atendia a praticamente todas as suas exigências jurídicas. Também o autorizaram a ficar recluso na prisão que ele mesmo havia construído.
Enquanto meu pai tinha tudo sob controle e claramente havia saído por cima, em 18 de Junho de 1991 chegamos a Miami, após passar vários dias em Las Vegas, Los Angeles e San Francisco. Uma vez instalados num hotel na capital da Flórida, dissemos a nossos guarda-costas que queríamos ligar para meu pai de uma cabine telefônica. Ele estava num esconderijo perto de Medellín, e não foi difícil localizá-lo através de uma frequência UHF.
Depois de lhe contar por longos minutos sobre os lugares que tínhamos visitado nos últimos dias, meu pai me disse que, no dia seguinte, 19 de Junho, ele se entregaria à Justiça, pois já sabia que a extradição seria eliminada da nova Constituição.
– Pai, não faça isso, se você se entregar vão te matar – eu lhe disse, esquecendo que não muito tempo antes tínhamos insistido para ele se submeter à Justiça.
Fique tranquilo, Grégory, está tudo certinho, e não podem mais me extraditar, porque a Constituição não permite mais isso.
Após nos despedirmos, passei o telefone para Manuela, que tinha sete anos, e eles conversaram por bastante tempo. Antes de desligar, meu pai disse para ela não se assustar se o visse nas notícias e na prisão, porque aquele era o lugar onde ele havia escolhido estar. Quando se despediram e desligamos o telefone, Manuela me perguntou:
– Então agora o papai vai poder me levar na escola?
A bomba que explodiu no edifício Mónaco, onde morávamos, seria o estopim da guerra entre os cartéis de Cali e Medellín, em 1988. Manuela, minha mãe e eu nos salvamos por um milagre. |
Este é o quarto onde eu e minha mãe dormíamos na madrugada do dia 13 de Janeiro de 1988, quando o carro-bomba explodiu. Vivemos momentos dramáticos, porque o teto desabou sobre nós. |
Esta foto foi tirada em Nápoles, poucos dias antes da extradição de Carlos Lehder. O jornalista Germán Castro tinha vindo falar com meu pai. |
Manancial: Pablo Escobar, meu pai
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