Por que Eminem foi a aposta ameaçadora do Dr. Dre?
Marshall Bruce Mathers III, a.k.a Eminem ou Slim Shady (nascido 17 de Outubro de 1972 em Saint Joseph, Missouri), também é um daqueles artistas que começaram do fundo do poço; ele é um artista controverso que já atacou e debochou de famosos como: Christina Aguilera, o ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush, Michael Jackson, e Elvis Presley. Ele foi criado longe do pai (que o abandonou quando ele tinha somente 18 meses de vida), mas perto de sua mãe nada protetora e amigável com o próprio — ela já até o processou. Eminem foi apresentado ao hip-hop com 11 anos de idade através de seu tio Ronnie Nelson — que mais tarde morrera se suicidando com um tiro na cabeça em 1991. Ronnie é citado em canções como “Stan”, “Cleanin’ Out My Closet”, e “My Dad’s Gone Crazy”.
Criado em um bairro negro, abandonado, e sendo vítima de racismo invertido tanto na escola de maioria negra quanto na rua, Em sofreu demasiado bullying durante sua infância. (Geralmente, o bullying se resume em: “Aqui não é o seu lugar e, além disso, vamos castigar você simplesmente por ser como é.”)
Sua dificuldade ao lidar com as pessoas só aumentou quando nem em casa era ouvido. Desde sempre teve uma família problemática: sua avó, também, supostamente sofreu abusos de sua bisavó. Sua mãe, Debbie, casou-se com seu pai Bruce Marshall Mathers II em 1970, que também tinha um gênio assaz difícil. Juntando tudo isso, nota-se que seria (literalmente) impossível ter uma vida boa e buscar absorver o melhor disso para crescer como um ser humano visionário. O garoto sofria de problemas internos e externos. Era uma batalha suada, mas que ele conseguiu dar a volta por cima. Enquanto criança, Eminem foi parar no hospital, ficando dias em coma graças a uma perturbação de um adolescente chamado D’Angelo Bailey, como citado na música “Brain Damage”:
I was harassed daily by this fat kid named D’Angelo Bailey.
Não sendo novidade, Em chutou o balde e abandonou o ensino médio e foi trabalhar na cozinha de um fast-food para ganhar um salário mínimo. Enquanto trabalhava nesse local, escrevia rimas sobre os cardápios e até mesmo sobre os pedidos dos clientes.
Recebendo a bênção de Proof, tornou-se uma figura estranha (por ser o único branco em meio ao público completamente negro) mas respeitada no hip-hop da área, participando de batalhas de freestyle. Proof já era uma lenda na área, um personagem conhecido pela cidade, onde organizava eventos abertos, e numa dessa ele convidou Eminem.
“Eu componho letras desde os 14 anos. Quanto mais eu compunha, melhor ficava.” — Eminem
Graças ao seu dom de apresentações em batalhas de freestyle, a radialista Lisa Lisa, de uma rádio local WDRQ, deu uma oportunidade a ele. Em ligava constantemente para a rádio, até que ela aceitou.
Em 1992 ele assinou com a FBT Productions, dos irmãos Mark e Jeff Bass, que tinham a gravadora Web Entertainment. A partir daí veio Infinite, seu primeiro disco, que fala sobre a luta para criar sua filha recém-nascida e do desejo sair da pobreza e ter sucesso na música. Nota-se facilmente sua técnica neste projeto, apesar de ter sido um fracasso nas vendas e repercussão. Com isso, seu lado deprimido veio a tona e com ele trouxe uso excessivo de drogas e álcool. Dizem que ele até tentou cometer suicídio. A morte de seu tio Ronnie o abalou profundamente.
Para amenizar o fracasso de seu primeiro disco, ele criou o alter ego Slim Shady, provando ser uma pessoa forte, repleta de assertividade nas atitudes. Sua loucura entrou em cena. Pode-se dizer que o hip-hop nunca viu um personagem como Slim Shady. Quando questionado sobre onde cada um de seus três nomes terminam e começam e a diferença entre os mesmos, ele disse: “Marshall Mathers termina quando o álcool faz efeito, então surge o Slim Shady. O Eminem começa quando subo ao palco. É a melhor forma de responder.”
Dando força ao seu alter ego, ele dropou Slim Shady EP, atingindo em cheio Jimmy Iovine (co-fundador da Interscope Records), que trabalhava com Dr. Dre (Aftermath Entertainment) na época. Esse foi o primeiro projeto que Eminem disponibilizou através da produção executiva de Dr. Dre, que recentemente havia disponibilizado seu icônico disco 2001, tendo Eminem nas faixas “Forgot About Dre”, “Whats the Difference” e no refrão da “The Watcher”. Dre foi questionado sobre apoiar um repper branco, e respondeu sem pensar duas vezes: “Impossível não assinar com ele. É muito bom.”
Com a Aftermath já fundada, ele precisava de mais alguém para prover riquezas capazes de atrair mais sucesso. “Ele fez um bom negócio, se aliou à Interscope”, lembra Peter Paterno, advogado de Dr. Dre. “E foi Dre controlando, Dre no comando e Dre responsável.”
Entre 1996-1997, Dr. Dre dropou dois discos pela Aftermath e Interscope — Dr. Dre Presents the Aftermath e The Album — que foram completamente um fracasso nas vendas. Tudo estava afundando. “Não há nada mais humilhante que lançar um fracasso”, disse um Dr. Dre apreensivo, lembrando aquela época. Porque ele havia caído em um buraco fundo, e não via nenhuma possibilidade de sair dali. Jimmy recebeu muita pressão para se livrar de Dre e seguir sozinho. Após ouvir essa proposta, ele disse: “Claro, podemos fazer isso. Aí você economiza o meu salário também, pois vou com ele.”
Dre manteve a cabeça erguida e mesmo com o fracasso nas vendas dos discos, ele sabia que era hora de seguir em frente, continuar tentando e lançar algo novo.
Naqueles dias, Dre não tinha um artista para trabalhar. Ele ia a casa de Jimmy e ouvia músicas. Ele tentou ajudar Dre a descobrir um lugar para ele levar sua música. Em sua garagem tinha milhares de fita cassete... E foi aí que ele pegou o ouro.
Dre e Eminem |
A aparição do Slim Shady
“Eu me lembro dele [Jimmy Iovine] pegando uma fita”, lembra Dr. Dre no The Defiant Ones. “Ele pôs no toca-fitas. Reagi tipo, ‘Que porra é essa? E quem é esse? Rebobine isso. Toque de novo.’”
Abismado com o que ouviu na fita, Dre recebeu vídeos de Eminem rimando em batalhas de freestyle na época que disponibilizou Infinite. Chocado com sua lírica e seu estilo único de pronunciar e se manifestar, o estagiário de Jimmy disse a ele: “Vi um cara na batalha de rep, ontem à noite.” E Jimmy imediatamente se mostrou interessado: “Se você conseguir um CD, darei ao Dre.”
“Bum, aí veio meu parceiro caucasiano”, comenta Dre. Ansioso para ir direto ao assunto, Eminem diz: “Eu só quero ser conhecido como um legítimo MC, é tudo o que sempre sonhei. Sabe, pôr comida na mesa, fazendo o que amo fazer, seria o objetivo final.
“Eu me lembro fazendo viagens diferentes a qualquer lugar onde poderia fazer alguma fama e distribuir minhas fitas. Eu estava totalmente abalado por ter chegado à final do Rap Olympics e perder. E um garoto veio até mim e perguntou: ‘Pode me dar uma das fitas?’ Achei tanto faz aquilo.”
Eminem acabou indo parar no escritório da Interscope. Era o Jimmy Iovine que estava por trás de tudo. Espantado também ao ver Dr. Dre, Eminem lembra: “Puta merda, eu me derreti.”
E lá estava Eminem, com uma jaqueta amarela brilhante. Moletom, calça, tudo. Aquele amarelo brilhante. Dre, ao ver isso, pensou consigo: “Uau!” Eminem olhou para Dre ali mesmo e disse: “Cara, eu te vejo na TV o tempo todo. Você é uma das pessoas que mais me influencia na vida.” E Dre: “Cara, eu acho isso tudo incrível e adoraria trabalhar com você.”
Dre tinha um estúdio em sua casa e juntou uns samples, fez algumas coisas no tambor, e convidou Em para ir até lá. “Dre, você grava muito aqui?” Eminem pergunta. “Sim”, responde Dre. “A maioria faço aqui. Nada é mais confortável que o lar.” Deixando o papo de lado e focando já nos trabalhos, Dre diz a Eminem: “Cara, escuta, eu juntei esse sample. Diga-me se gosta.” Quando Dre apertou o play e começou a tocar, passaram-se dois ou três segundos e Eminem cuspiu: “Hi, my name is... My name is...” Dre, boquiaberto, parou e disse: “‘Ei, pare! Isso é quente.’ Assim foi o nosso primeiro dia nos primeiros minutos dentro do estúdio.”
Eminem incansavelmente ficou cantando esse refrão, e Dre amou. “Ok, preciso fazer meu processo de gravação”, disse Dre. Uns cortes no refrão para enfatizá-lo.
“Este é o maior produtor. Estou na sua casa, gravando”, disse Eminem, boquiaberto. “Não sabia nada sobre nada. Eu só queria garantir que cada batida que ele tocasse para mim, eu tivesse uma rima pronta.
“Vi aquilo causando reação em Dre e ele começou a rir”, comenta Eminem.
Extasiado com o momento, Dre não parava quieto. Eminem dropava suas rimas e Andre Young seguia o fluxo e se envolvia cada vez mais com seu novo xodó. Era uma cena atípica na vida de Dre. Seu legado como produtor aparentemente havia morrido. Mas ele botou um longo sorriso no rosto e voltou ao êxtase que sempre esteve com ele.
“Não importa quanto se trabalha no estúdio, você não sabe se as pessoas vão entender.” — Dr. Dre
Dre estava nas nuvens. Era uma situação onde se tornou perceptível sua especialidade. Algo ímpar na vida dele. “Eu corro, tentando gravar essa coisa”, lembra Dre. “Como produtor, você pode sentir a mágica acontecendo e não quer que o artista perca o ímpeto. Foi como mágica.”
Jimmy, que já conhecia Dre há um tempo, notou como ele estava se vendo diferente. “Dre me ligou e disse: ‘Tenho um garoto. Vamos contratá-lo, tipo, hoje. E não quero perdê-lo. Ele é inacreditável. Ele precisa assinar.’” lembra Paterno. Só que, de acordo com Paterno, contratos na indústria discográfica levam dois meses para ficarem prontos. “Meu instinto me disse que Eminem é o artista com quem devo trabalhar agora. Mas eu não sabia quantos racistas eu tinha em torno de mim”, recorda Dre.
“Entrando em cena como repper de batalha”, diz Eminem, “tive vários momentos que estive aqui [em cima] e acabaram assim [em baixo]. Porque, você sabe... Todos estavam dizendo a ele: ‘Não se envolva com ele.’” Dre não sabia que os executivos ao redor dele estavam contra essa escolha. Os discos disponibilizados na época não tinham funcionado quando fundou a Aftermath Entertainment. Tudo estava um caos. Dre quase perdeu seu cargo de união com a Interscope. Então ele apareceu com esse repper branco, com seu gerente dizendo: “Dre, este rapaz têm olhos azuis. O que estamos fazendo?” Porém, esqueceram de um detalhe: eles [Dre e Jimmy] estavam procurando excelência, e não um repper branco e controverso.
Eminem e Dr. Dre durante o MTV Music Awards Party em 1999 |
Depois desse dia na Interscope, Eminem voltou para Detroit triste e sem esperança, pensando que não aconteceria para ele o que esperava. Despejado de sua casa e sem ter onde viver e se estabilizar, ele e Dre estavam (literalmente) na mesma situação, no entanto. Eles acabaram se tornando amigos, não só se conectando a música.
Hora da aposta
“Eu pensei: ‘Ok, foda-se. Vou jogar o dado.’ ” lembra Dre. “‘Aposto todas as fichas no Eminem.’ ”
Eminem sabia que Dre estava arriscando, mas não com quanta coisa interna ele lutava. “‘Eu sei que você arriscou tudo por mim’”, Eminem disse, na época.
Para deixar o mundo ainda mais furioso, Eminem foi o vencedor do MTV Music Awards de 1997 com a música “My Name Is”. “Quero agradecer Dr. Dre, todos na Interscope Records que tornaram isso possível, e Paul Rosenberg”, Eminem disse ao subir para pegar seu prêmio.
“Toda vez que faço um verso ou uma canção, quero algo completamente diferente do que fiz antes, com as rimas e o ritmo completamente diferentes. Eu me considero um perfeccionista. Sempre quero superar a última canção que fiz.” — Eminem
Como todo artista em tal gravadora, seu produtor executivo sempre tem algo a dizer... Mas melhor ainda se vier de alguém como Dr. Dre. “Quando meu primeiro álbum saiu”, comenta Eminem no The Defiant Ones, “Dr. Dre disse coisas para mim, como: ‘Trabalhe duro para obter e duas vezes mais para manter.’”
The D.O.C., a arma secreta por trás do N.W.A, também comentou sobre Dr. Dre, que durante seus dias de N.W.A, produziu muitos registros e seu disco de estreia, No One Can Do It Better: “Dre sempre disse que lançar músicas de sucesso é a coisa mais fácil do mundo, e ao mesmo tempo, a mais difícil que você fará.”
Dre teve muita sorte de trabalhar em várias ocasiões no estúdio com um gênio. E quando Slim Shady LP saiu, Dre estava animado, porque era algo inédito e funcionou. Sua aposta no branquelo de Detroit que só subia em palcos em batalhas deu bom. Seu pescoço não estava mais na corda que queria enforcá-lo naquela forca. “Recebi uma energia nova e fresca. Como um começar de novo”, enfatiza Dre, gesticulando e não poupando alegria ao lembrar daquela época.
Nessa época, Andre estava sendo pressionado e subestimado sobre sua capacidade de produzir e cantar como fez em sua estréia solo, The Chronic em 1992. Seu cargo na Interscope estava ameaçado, e se ele falhasse ao jogar os dados para apostar em Eminem ele estaria fora dos planos da gravadora. Aí veio Chronic 2001, o disco que, segundo D.O.C., foi a formatura deles. “Estávamos todos juntos, tínhamos um super grupo”, recorda Doc.
Durante toda controvérsia que o branquelo de olhos azuis causava, Jimmy, que apresentou a fita a Dre, não estava se importando, pois seu pensamento era “deixe-o ser ele mesmo. Não importa o que os outros pensam. Quando você é um cavalo de corrida, a razão deles colocarem viseira em você é, que se olhar o cavalo da esquerda ou o da direita, você perde o pé. Por isso é que os cavalos têm viseiras. As pessoas deviam ter também. Quando correr atrás de algo, não olhe a torto ou a direito. O que esta pessoa pensa ou essa outra? Não! Olhe só para frente.”
Finalmente, a Aftermath se levantou e alcançou um sucesso indizível, tendo agora uma ameaça tripla. “Acha que Eminem e Dre são responsáveis pelo meu sucesso?” pergunta um risível 50 Cent.“Eu vou dizer... Diabos! Claro!” Desde então as portas começaram a se abrir, e veio Get Rich Or Die Tryin’ (50 Cent), The Documentary (The Game), alguns outros do Eminem. Tudo voltou ao normal, e hoje temos Eminem, o repper branquelo de olhos azuis e controverso como um dos que mais venderam na história do hip-hop (se não o mais).
Manancial: RiDuLe Killah; Behind the Lyrics - Eminem; The Defiant Ones
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