PABLO ESCOBAR, MEU PAI – CAPÍTULO 4: Ambição desmedida
CAPÍTULO 4
AMBIÇÃO DESMEDIDA
Palavras por Juan Sebastián Marroquín
Pouco antes do meio-dia do dia 20 de Março de 2014, uma Quinta-feira, Alba Marina e Gloria Escobar Gaviria chegaram sem aviso e tocaram a campainha do apartamento de tia Isabel no edifício Altos, em Medellín.
As duas mulheres nem repararam que minha esposa Andrea saía do apartamento em frente, onde naquele momento eu repassava dezenas de fotografias e cartas para compor este livro.
– Nem pense em sair, que as suas tias Gloria e Alba Marina acabaram de chegar aqui no prédio; acho que elas não me viram – minha esposa disse, após voltar correndo.
– Bom, vamos ver qual é a novidade dessas aí. Não vejo as duas há vinte anos e resolvem aparecer agora. Muito estranho.
A chegada de minhas parentes naquela manhã foi inesperada; elas não anunciaram a vinda, mesmo as famílias de meu pai e de minha mãe estarem declaradamente distantes há muitos anos.
Dez minutos depois, quando confirmei que tinham ido embora, fui falar com a pessoa que as recebeu.
– Vieram procurá-lo, disseram que sabiam que você estava na cidade e que você as tinha prejudicado com o tal processo de cinco anos atrás; querem encontrá-lo para acertar as coisas.
– Não tenho nada para falar com essas duas. Negociar o quê? O que estou pedindo é justo, que elas nos deem o que tiraram de mim e da minha irmã, o que é nosso direito legítimo como herdeiros do avô Abel. Os bens dele estão embargados preventivamente, é melhor deixar a Justiça decidir – respondi.
– Receba as tias, vai, você não tem nada a perder. Fale com elas, aproveite que está aqui e faça isso.
Minha tia Isabel interveio na conversa e disse que notara que as Escobar pareciam com boas intenções, com vontade de acertar as coisas. Então liguei para minha mãe, que também se encontrava em Medellín, e contei o que havia acontecido; ela, como a irmã, concordava que eu deveria me reunir com as duas.
Então liguei para meu novo advogado, Alejandro Benítez, que me convenceu a tentar um acordo, pois nos aproximávamos de uma etapa longa e complexa do processo que tinha se iniciado em Setembro de 2009, contra quase todos os meus tios por parte de pai – Alba Marina, Gloria, Argemiro e Roberto –, por causa da forma arbitrária e ilegal com que tomaram posse das propriedades que meu avô Abel deixara após sua morte, em 26 de Outubro de 2001.
Naquele momento, o litígio tinha a ver com o espólio dos bens de meu avô, mas na verdade era o terceiro pleito judicial em que entrávamos com meus parentes paternos por conta de questões de herança. O primeiro dizia respeito à divisão dos bens de meu pai, o segundo ao testamento de minha avó Hermilda e o terceiro à herança de meu avô Abel, o qual já estava havia treze anos sem solução, e por isso eu precisaria encontrar minhas tias.
O pleito com os Escobar Gaviria pelos bens de meu pai ocorreu assim: um dia em Setembro de 1983, dez anos antes de morrer, meu pai nos contou que tinha acabado de escrever seu testamento e validá-lo no Quarto Cartório de Medellín. O documento permaneceu oculto durante esse tempo todo, mas não tivemos dificuldade em encontrá-lo depois que baixou a poeira de notícias advinda de sua morte violenta. Mas, independentemente do que meu pai tivesse disposto no testamento, eu tinha certeza de que não faltaria nada para meus avós e para meus tios, irmãos dele.
Na divisão dos bens, meu pai deixara uma porcentagem para os Escobar Gaviria, e nós os comunicamos imediatamente. Estávamos dispostos a cumprir ao pé da letra a vontade expressa dele: 50% correspondia a minha mãe como cônjuge, 37,5% para mim e os 12,5% restantes seriam destinados, em livre disposição, a meus avós Hermilda e Abel, a meus tios paternos e a uma tia dele.
O documento estipulava claramente as porcentagens a serem distribuídas, mas representava um desafio legal, pois meu pai tinha em seu nome apenas 30 mil dólares em ações e um Mercedes-Benz modelo 1977; mas tanto as ações como o automóvel estavam confiscados, de modo que não fazia sentido dar início ao espólio.
De cara surgiu um problema muito sério, porque meu pai adquirira uma grande quantidade de imóveis e outras possessões, mas as escrituras não estavam em seu nome. Era preciso recuperá-las. Havia muitas em meu nome e no de Manuela, mas já estavam em processo de extinção de domínio no Ministério Público.
O primeiro sinal de que a questão da herança de meu pai não seria resolvida facilmente com meus parentes veio em Maio de 1994, quando Argemiro Escobar nos visitou no apartamento de Santa Ana e afirmou que a porcentagem que correspondia a eles segundo o testamento era de 25%. Expliquei que na verdade era a metade disso, e ele ficou furioso. No fim, concordamos que nosso advogado e uma engenheira especialista em assuntos cadastrais os procurariam para resolver o impasse.
Após algumas reuniões, nossos parentes entenderam que meu pai havia lhes deixado 12,5% dos bens, e foi sobre essa base que estruturamos os acordos particulares para cumprir o testamento.
Assim, os Escobar Gaviria receberam uma grande quantidade de propriedades livres de amarras judiciais. Os bens eram, em sua maioria, terrenos em zonas rurais e lotes em Medellín; havia também a casa azul de Las Palmas, um apartamento perto da Quarta Brigada do Exército e a casa no bairro Los Colores, aquela que meu pai comprou quando era recém-casado e que minha tia Gloria reivindicou como sua porque, segundo ela, havia dado a casa de presente a meu pai.
Nós ficamos com os edifícios Mónaco, Dallas e Ovni e a fazenda Nápoles, sabendo que estavam nas mãos do Ministério Público, mas com esperanças de recuperá-los.
A divisão dos bens foi aprovada naquela época por meus avós e por meus tios, mas eles nunca assinaram os documentos devidos. Em outras palavras, a herança de meu pai foi distribuída, mas nunca foi iniciada legalmente.
Embora tivessem recebido os bens acordados, eles consideraram a divisão de bens insuficiente e tentaram tirar de nós os três edifícios, com o argumento de que Pablo os havia construído, e não seus filhos, e que por isso também deveriam ser repartidos conforme os termos do testamento. No afã de se apropriarem desses bens valiosos, chegaram ao extremo de envolver o cartel de Cali, prestando queixa a eles.
As feridas que a divisão da herança de meu pai deixou ficaram em segundo plano no fim de 1994, quando saímos do país e conseguimos refúgio na Argentina, onde nos concentramos em começar uma nova vida.
Por um bom tempo conseguimos deixar para trás os assuntos relacionados a meus parentes da família Escobar, mas em Outubro de 2001, sete anos após a nossa chegada em Buenos Aires, ligaram-nos de Medellín para avisar do falecimento de meu avô Abel.
Lamentamos profundamente a sua morte, porque ele sempre manteve uma postura equilibrada em meio às confusões que envolveram a família desde o começo da década de 70, quando meu pai optou por viver na ilegalidade.
Lembro da discrição dele, de sua decisão radical de não abandonar sua condição de homem do campo. Mesmo nos piores momentos, quando corríamos de esconderijo em esconderijo fugindo das autoridades, meu avô dava um jeito de mandar para todos um saco de batatas, que cultivava em seu sítio. Essa foi sempre sua maneira silenciosa de demonstrar o amor que sentia por nós.
Meu avô falecera e, pela lei, eu e Manuela éramos herdeiros da parte de seus bens que corresponderiam em vida a meu pai, representados por várias propriedades situadas no leste de Antioquia, em La Ceja, El Uchuval e El Tablazo.
Demos uma procuração para que o advogado Francisco Salazar Pérez pudesse ir adiantando os trâmites do espólio na Colômbia. Ele já administrava os processos em que tentávamos recuperar os bens apreendidos pelo Ministério Público.
De acordo com as notícias que recebíamos do advogado Salazar nos meses seguintes, o processo judicial referente à herança de meu avô caminhava a passos lentos e sem maiores dificuldades.
Tempos depois, em Novembro de 2005, recebi uma mensagem da jornalista Paula López, do jornal La Chiva de Medellín, em que pedia minha opinião pois estava prestes a publicar uma matéria que revelava a existência de um testamento de minha avó Hermilda.
Paula acrescentou que o documento havia sido registrado no Cartório Único do município de La Estrella e, segundo estava escrito, ela deixava os bens para seus cinco filhos – Pablo e Fernando já haviam morrido –, para a irmã, para seus dezesseis netos na época e para os quatro bisnetos. Como meu pai, minha avó Hermilda decidira escrever seu testamento antes de morrer.
Após ler o documento que Paula me encaminhou por e-mail, confirmamos que minha avó havia renegado seu filho no testamento, e que mais uma vez eu e Manuela nos encontrávamos muito longe dos afetos de nossa família paterna. O dia a dia em Buenos Aires ocupou toda nossa atenção e guardamos esse incômodo na gaveta do esquecimento.
No entanto, precisaríamos ter um último contato com ela em Setembro de 2007. Minha mãe estava em Medellín para resolver alguns assuntos pessoais e contaram a ela que a saúde de Hermilda havia se deteriorado muito nas últimas semanas devido a diabetes. Então minha mãe foi visitá-la no edifício Abedules em El Poblado, e o encontro entre as duas foi muito emotivo. Quase no fim da conversa e quando minha mãe já começava a se despedir, minha avó pronunciou algumas palavras que pareceram demonstrar arrependimento.
– Antes que eu morra, queria pedir a vocês que honrem os compromissos pendentes e entreguem o que corresponde a cada um dos filhos de Pablo – disse ela, na presença de tios paternos, que a acompanhavam naquele momento.
Finalmente, em Outubro de 2007, a diabetes desencadeou a morte de minha avó Hermilda, que foi sepultada no cemitério Jardines de Montesacro, ao lado do túmulo de meu pai. Dias depois, já em Buenos Aires, recebemos um e-mail de Luz María Escobar pedindo que designássemos um advogado para nos representar na questão do espólio de minha avó.
Assim o fizemos; liguei para o advogado Salazar de um telefone público perto de casa e pedi que ele cuidasse também desse processo de espólio. Assim, ele estaria à frente da divisão de bens dos meus dois avós.
Combinamos que seus honorários seriam 15% do que ficasse para nós, embora soubéssemos de antemão que seria muito pouco, pois tínhamos certeza de que a família de meu pai não faria esforço algum para entregar o que era nosso por direito.
Com efeito, as boas intenções de minha avó antes de morrer não serviram de nada, porque logo soubemos que meus tios haviam rifado entre eles vários carros, móveis, obras de arte e diversos objetos. E também repartiram entre eles algo que não estava escrito no testamento e que era talvez a coisa mais valiosa: uma fortuna em joias e milionários certificados de depósito bancário expedidos por minha avó em favor de terceiros.
Não era segredo para ninguém na família que, na época das vacas gordas, meu pai chegava com sacolas de plástico repletas de joias e as repartia com minhas tias, e especialmente com minha avó. Em algumas ocasiões, para se divertir um pouco, rifava-as comigo sentado em seu colo, dizendo para eu escolher o número vencedor. Esses anéis, pulseiras, colares e relógios eram ou um pagamento pelas dívidas daqueles que haviam perdido carregamentos de cocaína, ou um oferecimento daqueles que queriam entrar no negócio.
A verdade é que, sete anos após a morte de minha avó, não recebemos tudo aquilo de sua herança que era nosso por direito. Segundo os filhos dela, seus bens haviam praticamente desaparecido nas mãos de credores, que para nós nunca existiram. Meus tios deram um jeito de tirar de nós o pouco que nos pertencia.
Ainda resta resolver a situação do apartamento no edifício Abedules no qual ela morava, que hoje está vazio e cheio de dívidas acumuladas, mas com uns vinte herdeiros esperando por ele.
O espólio da avó Hermilda abriu nossos olhos para o comportamento de Salazar, nosso advogado, pois descobrimos que ele não comparecia às audiências relacionadas ao espólio de meu avô Abel, cujo processo havia adentrado uma etapa de definições. Se não nos movimentássemos a tempo, correríamos o risco de perder tudo.
Até então acreditávamos no advogado, que nos enchia de esperanças por telefone e dizia que os trâmites avançavam normalmente.
Mas a desconfiança foi maior e um dia viajei secretamente para a Colômbia e confirmei que Salazar estava mentindo o tempo todo. É o que mostram os inúmeros autos do processo, pois em pouquíssimos ele se apresentara como nosso representante, e quando esteve lá não realizou trâmite algum.
Decepcionado, fui até a vara da família, onde o processo do espólio de meu avô tramitava. Tive uma sorte enorme, pois faltavam apenas quarenta e oito horas para a prescrição do prazo. Lá mesmo desfiz a permissão para ele nos representar. Quando soube que havia sido descoberto, Salazar disse por telefone que reconhecia seus equívocos na administração do caso e perguntou quanto me devia pelo erro.
– Isso é o cúmulo, doutor! Não é questão de dizer o quanto você me deve. Você conhece melhor que ninguém a nossa realidade econômica; sabe o quanto precisamos desse dinheiro para pagar nossa permanência na Argentina. Já roubaram de mim e da minha irmã uma vez, com a história da herança do meu pai, e agora, graças a sua negligência, vão conseguir de novo.
Sem Salazar, ficamos à deriva, e tivemos de procurar uma firma de advocacia especializada em todos os assuntos porque os processos ficaram sem ninguém à frente. Chegamos enfim a Darío Gaviria, que se interessou em administrar os casos, embora através de outro advogado que assinasse por ele, pois não queria se envolver diretamente com assuntos da família.
Mas essa relação também terminaria muito mal, porque nosso novo advogado de defesa não apenas cometeu todos os erros possíveis ao longo dos processos como também descobrimos que ele era cúmplice de meu tio Roberto, e deixava expirar os prazos judiciais do processo.
Indignado, liguei para reclamar com Gaviria, pois o acordo inicial era que ele coordenaria o advogado, mas ele saiu pela tangente e disse não ter nada a ver com esses casos. Após vários dias de discussões duras, em que eu inclusive disse que o processaria, cancelei os serviços do escritório de Gaviria e contratei o advogado Alejandro Benítez, que por fim nos conduziu pelo caminho certo.
Tendo Benítez assumido o processo referente ao espólio de meu avô, dirigimo-nos à Nona Vara da Família de Medellín, onde apresentamos uma ação em que solicitávamos o embargo preventivo de todos os bens de meu avô Abel, porque tínhamos informações que indicavam que meus tios paternos os estavam vendendo pelas nossas costas.
Dias depois, disseram-nos que meus tios haviam tido uma surpresa desagradável ao saber que as propriedades incluídas no espólio de meu avô tinham sido congeladas.
Pela primeira vez em muitos anos tínhamos virado o jogo e agora estávamos com a faca e o queijo na mão.
Os anos de abuso estavam prestes a ter um fim. Lembro que o autor da arbitrariedade mais exacerbada de todas foi o juiz de um dos processos, um sujeito do litoral que passava os dias de chinelo no escritório, com os pés em cima da mesa, e sempre procurava uma maneira de abusar de nossos direitos.
Como a vez em que convocou a mim e a minha mãe para uma audiência e negou nosso pedido de a realizarmos à distância, no consulado de Buenos Aires. Não teve jeito, tivemos de ir até Medellín. Fiquei preocupado com o fato de que, depois de tantos anos de conflito, a família de meu pai soubesse com muita antecedência a hora exata em que estaríamos na vara. Assustado, pedi ajuda e proteção a familiares e amigos, que me emprestaram um carro blindado e quatro guarda-costas, e tomamos medidas para garantir que nada acontecesse conosco.
A audiência começou muito tempo depois da hora marcada porque o juiz demorou a chegar. Alguns de meus tios estavam representados pela advogada Magdalena Vallejo, que tomou a palavra e começou a fazer perguntas com a clara intenção de me confundir. Consegui sair do aperto com uma frase, que havia pensado muito tempo antes, e que tirou a advogada do sério:
– Independentemente disso tudo que a doutora me pergunta, a única verdade é que meus tios não cumpriram nada, ficaram com todos os bens e não deixaram nada para nós.
A advogada, visivelmente desesperada, deu-se por vencida depois da quinta pergunta a que respondi com essa mesma frase.
Antes de encerrar a audiência, o secretário perguntou se eu queria acrescentar algo ainda, e eu disse que sim. Olhei para Magdalena e disse que não entendia porque ela ficava tão furiosa se sabia que estavam cometendo um verdadeiro abuso com minha irmãzinha e comigo.
– Juan Pablo, não estamos mais nos anos 80 e vocês não mandam mais aqui; tenho muitos amigos e conhecidos com poder, que me protegem.
Então eu disse ao secretário que queria dizer algo para constar nos autos: “Quero deixar muito claro que sinto vergonha de ter de recorrer à Justiça para lembrar aos irmãos de meu pai que Pablo Emilio Escobar Gaviria existiu, e que, além do mais, era irmão deles e seu único benfeitor. Ninguém em minha família paterna, sem exceções, jamais trabalhou por conta própria, e se até hoje têm o que vestir ou a possibilidade de tomar um café na rua, é por conta do meu pai, e não deles. A Colômbia não esquece quem foi Pablo Escobar. Mas parece que sua família, sim.”
Então, com os bens embargados, tornava-se claro que a bola estava do nosso lado do campo e que essas arbitrariedades seriam coisa do passado. A família Escobar seria obrigada a negociar conosco e enfim nos dar o que era nosso por direito.
Esse novo cenário foi o que levou minhas tias Alba Marina e Gloria a virem atrás de mim no edifício Altos em Março de 2014. Embora a visita inesperada tenha me deixado muito incomodado, depois de ouvir as opiniões de minha mãe, de minha tia e de meu advogado aceitei falar com elas na tarde do sábado, dia 22, naquele mesmo mês.
O primeiro a chegar foi meu advogado, com quem combinei duas coisas: que nós falaríamos depois de minhas tias e que de maneira alguma voltaríamos a assuntos do passado, para não nos perdermos em discussões inúteis.
Cinco minutos depois tocou o interfone e a empregada acompanhou minhas tias. Saí para recebê-las no hall, e elas me cumprimentaram sorridentes, com aquele sorriso falso que eu estava cansado de ver.
– Oi, como você está? – disseram, quase em uníssono.
Estiquei a mão para que entendessem a distância de meu cumprimento, mas Alba Marina se aproximou, me deu a mão e me puxou bruscamente para me dar um beijo na bochecha. Ela não era mais minha tia. Nenhuma das duas.
Pedi para que fossem direto ao ponto, para não perdermos tempo. Estava com
o estômago embrulhado. Levei-as para a mesa de jantar, sentei-me na cabeceira e
disse que era todo ouvidos.
– Juan Pablo, nós estamos sendo muito prejudicadas pelo que está acontecendo; não era necessário que vocês nos processassem por causa da herança, porque sempre estivemos dispostos a entregar a vocês as coisas do vovô – disse Marina.
“Começou bem”, pensei com meus botões. “Nada melhor que uma mentira do tamanho do mundo para começar uma reunião conciliatória.” Lembrei que uns anos antes, quando requeríamos o que era nosso por direito, elas respondiam, indolentes: “Com muito prazer; vamos dar a parte de vocês assim que pagarem todos os gastos, as escrituras, os impostos que devem ser pagos por essas propriedades”. Por meio de nossos advogados respondíamos que o justo era pagar proporcionalmente. Mas eles sempre se faziam de desentendidos.
– O que queremos é encontrar uma saída para isso. O que vocês querem? O que pretendem? A quanto aspiram? – Marina replicou.
Respondi que queríamos uma única parte de uma das propriedades do vovô, para não ter um pedacinho em várias, e além do mais economizaríamos com os gastos de várias escrituras. Expliquei que pretendíamos ficar com catorze quadras, uns nove hectares, da fazenda La Marina, em La Ceja.
– E por que catorze quadras? Vocês não teriam direito a tudo isso! Dez, no máximo, se muito – Marina respondeu, elevando a voz.
– Porque pela lei o mínimo que nos corresponderia seriam dez quadras, mas consideramos que os danos causados valem quatro quadras a mais – expliquei.
– Não estamos nem falando da questão penal, porque houve falsificação de documentos e foram cometidos delitos pelos quais todos vocês deveriam responder, incluindo seus advogados, pelas graves omissões que ocorreram dentro do processo. Mas a ideia não é essa, a ideia é procurar uma saída amigável – meu advogado interveio.
– Vou contar a verdade para vocês: Roberto é dono de 25% dessa propriedade, mas como está endividado vendeu tudo para um homem muito perigoso que está na cadeia – Marina falou.
– E quem é esse homem? – perguntei.
– Tenho até medo de dizer quem é. Pergunte para o Roberto. Uma advogada desse homem embargou a parte que Roberto vendeu, mas ela sabe que não pode fazer muito mais até que vocês suspendam a medida que impede qualquer transação. Esse homem está furioso e quer tomar posse da propriedade. Então não sabemos o que fazer. Um dia, Roberto estava lá e nós duas chegamos... O homem ficou furioso, nos xingou, nos chamou de tudo um pouco e nos expulsou aos gritos, dizendo que ele era dono de tudo, falando para não voltarmos a aparecer por lá. Se você não ceder, Juan Pablo, Roberto vai acabar vendendo as propriedades do meu pai e, nesse ritmo, todos vamos ficar sem nada.
Quase sem me deixar abater, respondi que a minha briga estava na Justiça, e que se elas achavam meu pedido muito alto, não fazia sentido continuarmos
tentando achar uma saída, deixaríamos então tudo nas mãos do juiz, mesmo que
ele decidisse a favor de Roberto. Disse ainda que poderia apelar a instâncias
superiores, e que tinha certeza de que ganharia.
– Juan Pablo, ponha a mão no coração. Diminua o que está pedindo, para ir com uma proposta sensata a esse homem na cadeia; com Roberto é impossível, porque ele não nos deixa entrar na casa dele, a casa azul que era do pai dele e que nos corresponde uma parte Marina propôs.
– Olhe, Marina, minha intenção é acabar com esse processo que tem desgastado a todos nós. Vou falar com o doutor Benítez e por intermédio dele comunicarei qual é nossa proposta final. Mas aí vai ser pegar ou largar.
Dois dias depois, e após se reunir com minhas tias, o advogado me ligou e disse que finalmente haviam chegado a um acordo. Naquele mesmo dia suspendemos o embargo sobre os bens de meu avô Abel e tudo ficou resolvido. Por fim. Após treze anos, encerrávamos um longo litígio no qual só queríamos que reconhecessem aquilo que era nosso por direito.
Tendo superado esse obstáculo, lembrei de uma carta que havia escrito para meus tios paternos uma tarde, quando o conflito parecia não ter saída. Aqui estão alguns trechos:
Para a família que não tive:
Esta talvez seja a última carta que enviarei aos irmãos e irmãs de meu pai. [...] Meu desejo de alcançar a paz é tão grande que me atrevo a sentir apenas o legítimo desejo de cobrar de vocês tanto por suas ações quanto por sua falta de ação, ou por sua deslealdade à pessoa e à memória de meu pai, ao homem que chegou a dar a própria vida para que as nossas pudessem continuar. [...] Não vou falar de dinheiro, não vou enumerar a imensurável (embora já velha e corroída) lista de danos sofridos. Não sei de quantas maneiras vocês ainda lucrarão com a história de meu pai, mas isso já não me importa. Quero apenas preservar as gratas lembranças que tenho dele e, com o tempo, com a ajuda de Deus e a sabedoria da vida, talvez eu possa, como um arquiteto, reconstruir as ruínas dessa família e projetar sobre elas um futuro mais nobre e digno.
Manancial: Pablo Escobar, meu pai
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