PABLO ESCOBAR, MEU PAI – CAPÍTULO 14: Histórias de La Catedral


O conteúdo aqui traduzido foi tirado do livro Pablo Escobar, meu pai, de seu filho, Juan Sebastián Marroquín, sem a intenção de obter fins lucrativos. — RiDuLe Killah














CAPÍTULO 14





HISTÓRIAS DE LA CATEDRAL











Palavras por Juan Sebastián Marroquín











– Filho, não se preocupe, eu estou muito bem, estou ótimo. Preciso que você me 
faça o favor de comprar 25 ou trinta jaquetas grossas e as envie com alguém num voo direto, pois precisamos delas com urgência. Gostaria de dizer que aqui está tudo perfeito, e estou sendo cuidado pelos mesmos que sempre estiveram comigo. Então, tudo tranquilo.

O tom de voz calmo de meu pai, três dias após ter entrado no presídio de La 
Catedral, em Junho de 1991, acabou por me convencer que sua entrega à Justiça seria boa para ele, para nós e para o país.

Ficamos de nos falar novamente quando eu tivesse as jaquetas em mãos, 
embora não parecesse uma tarefa fácil, pois era verão nos Estados Unidos. Naquela terceira semana de Junho, acabáramos de voltar de Nova York após um longo passeio familiar que já durava quarenta e cinco dias. Pela terceira vez, minha namorada pedira permissão para prolongar sua estada comigo, o que lhe gerou problemas com a família e com o colégio, onde cursava o último ano do ensino médio. Portanto, prometi que arranjaria para ela um voo direto a Medellín depois de passarmos alguns dias juntos na Big Apple.

Quando aterrissamos na cidade, os homens de meu pai haviam reservado 
quartos no St. Regis, um dos melhores hotéis nova-iorquinos e uma jóia arquitetônica de 1904, mas eu não me sentia tão se guro de passar a noite ali, e por isso pedi que me mostrassem o lugar. Não vi luxo ou nobreza em lugar nenhum. Pelo contrário: o hotel me pareceu velho e feio. Portanto, pedi aos dois cicerones para me tirarem daquele lugar, que me deprimia por ser velho. Devo ter sido um dos poucos hóspedes na história do St. Regis que chegou, conheceu-o de cima a baixo e saiu de lá quinze minutos depois com as malas. É claro que eles se recusaram a reembolsar o dinheiro que havíamos pago pelos cinco quartos.

– Quero um lugar moderno, rapazes. Um hotel em um arranha-céu de onde 
possamos ver grande parte da cidade. Prefiro um Holiday Inn a essa velharia.

Assim, mais tarde fomos para o Hyatt, que era exatamente o que eu queria: 
um lugar moderno e um quarto num andar tão alto que, para chegar até lá, era preciso trocar de elevador. A vista era impressionante. O calor do verão era muito forte, e logo percebi que não gostava nada daquela cidade; sentia que até o sol tinha dificuldade para chegar à terra em meio às sombras enormes projetadas pelos edifícios, que pareciam se empilhar uns sobre os outros.

Caminhar e caminhar sem rumo contribuiu para que a viagem se tornasse 
chata e entediante, mas me animei quando, logo na saída do hotel, encontrei uma loja enorme de artigos eletrônicos. Entrei nela com meu tio Fernando e comecei a comprar descontroladamente presentes para meus parentes e amigos de Medellín; trinta discmans da Sony do último modelo, à prova d’água, além de cinco câmeras fotográficas e cinco filmadoras.

Naquela noite, meu tio foi ao meu quarto e comentou que os donos do 
estabelecimento pediram que descêssemos cedo no dia seguinte, pois queriam nos mostrar em privado alguns artigos que poderiam nos interessar. A curiosidade falou mais alto, e fomos lá às nove horas da manhã. Assim que nos viram, os vendedores baixaram as venezianas para evitar que outros clientes entrassem. No dia anterior, deviam ter percebido que tínhamos dinheiro de sobra, e por isso nos mostraram todos os seus “brinquedinhos”.

Levaram-nos a um canto da loja e colocaram sobre o balcão uma maleta 
preta de couro. Dentro havia pequenas caixas com microfones de vários tipos e formatos; havia canetas, calculadoras, chaveiros e gravatas, todos com pequenos microfones; também havia uma câmera muito pequena para fotografar documentos, dotada de um tipo de filme especial.

Fiquei fascinado, sentindo-me como se estivesse no laboratório de James 
Bond, onde lhe apresentavam os últimos avanços tecnológicos inventados para ele pelo senhor Q.

Achei que aqueles artefatos seriam o presente ideal para meu pai, agora que 
estava na prisão. Não era fácil surpreendê-lo com lembrancinhas, e tampouco lhe agradavam joias ou relógios caros. Ainda por cima, ele não usava anéis nem correntinhas.

Portanto, pedi quatro microfones de Frequência Modulada, cuja bateria 
durava um mês de uso contínuo, uma dúzia de canetas e chaveiros com microfones, duas calculadoras e a câmera de microfilme.

Então perguntei se tinham algo melhor do que aquilo que haviam nos 
mostrado, e me disseram para voltar no dia seguinte, pois veriam outros artigos que se encontravam no depósito.

Na manhã seguinte, mostraram-me outros microfones com alcance de 
duzentos metros e gravador automático ativado pela voz. Acrescentei quatro desses ao pedido. Por último, apresentaram um estojo com receptores para todos os microfones, com alcance de mil e quinhentos metros. Incluí um desses na compra e pedi para o guarda-costas pagar a conta.

A surpresa para meu pai estava pronta, e foi bem naquele instante que ele me 
ligou para pedir as jaquetas, que precisava por causa do frio em La Catedral. Comprar roupas de inverno no verão se mostrou um desafio que nos levou a regiões que não aparecem nos mapas, mas no fim encontramos o que procurávamos. Andrea e Claudia ajudaram a escolher os modelos. Enchemos quatro malas com os casacos e enviamos tudo com um de nossos seguranças num voo direto de Nova York para Medellín.

Dois dias depois, recebi outro telefonema de meu pai, em que me agradeceu 
pelos agasalhos, mas disse que precisava de mais, e muito mais grossos, porque o frio era extremo, quase insuportável.

Então retornamos à loja da primeira vez e, depois de muito procurar, 
encontrei o famoso gorro preto, peludo e de estilo russo com o qual meu pai seria fotografado dentro da prisão um tempo depois. Dessa vez, comprei o que havia de melhor para se proteger do frio, incluindo luvas e casacos de montanhismo. Novamente, outro capanga voltou à Colômbia com cinco malas cheias.

Assim que recebeu a encomenda, meu pai me ligou e disse que havia gostado 
muito do gorro russo e que nunca o tirava porque esquentava muito.

Lembro que viajei aos Estados Unidos com a Colômbia em guerra, mas ao 
retornar me vi num país em paz, ao menos no tocante ao confronto entre o Estado e Pablo Escobar. Era uma sensação estranha.

“Nariz”, “Salchichón” e dez outros guarda-costas nos buscaram no aeroporto, 
e quando chegamos à cidade percebi que mudaram de direção, e não iríamos ao “00”, um apartamento no edifício Ceiba de Castilla, mas ao edifício Terrazas de Saint Mitchel, na Loma de los Balsos.

Tudo havia mudado. Aparentemente, já não era preciso se esconder de nada 
nem de ninguém. Não me deram um boné e óculos escuros para esconder minhas feições. Entramos no edifício recém-construído, onde minha mãe e minha irmã me esperavam com uma recepção calorosa enquanto “Nariz” e “Salchichón” carregavam as malas. Nosso novo lar tinha uma vista incrível da cidade e era amplo e confortável.

Perguntei a minha mãe sobre meu pai, imaginando que, como eu chegara 
numa Quarta-feira, a visita ao presídio seria, como ocorre em todas as cadeias do país, nos Sábados e Domingos, e por um número restrito de horas. Mas minha mãe disse que, se eu quisesse, poderia passar a noite com meu pai, ou mesmo o fim de semana inteiro.

– Lá não há restrição de visitas, querido. Seu pai organizou tudo, a gente 
entra num caminhão que nos leva para lá e fica quantos dias quisermos. É como se fosse uma das nossas fazendas – disse minha mãe. Fiquei surpreso por ele estar tão bem acomodado em sua nova vida.

“Limón” me buscou cedo e chegamos ao bairro conhecido como El Salado, 
na parte baixa e semiurbana de Envigado.

Eu conhecia bem o caminho, pois antes de a prisão existir costumava passear 
ali perto, percorrendo os pântanos daquelas montanhas. Preparávamos um sancocho e tomávamos banho no jorro de água fria de uma cascata com vinte metros de altura. Naquela época, também conheci os terrenos que meu pai comprou, onde construiu três esconderijos. O primeiro era acessível desde a estrada, o segundo apenas montando num burro ou numa moto, e o terceiro apenas de burro ou a pé, pois era impossível chegar de outra maneira: levava pelo menos duas horas de cavalgada para chegar à cabana de três quartos em meio ao pântano, aos abismos e às pedras úmidas e repletas de musgos.

Na metade do caminho, “Limón” desviou para um pequeno sítio ao lado de 
uma estrada de barro e sinuosa e parou em frente ao letreiro que dizia Restaurante: um enorme estacionamento cheio de carros luxuosos e um pequeno e improvisado boteco com mesas de sinuca, uma máquina para pôr discos que não exigia moedas e diversas cadeiras e mesas posicionadas entre duas grandes geladeiras repletas de cerveja e refrigerante. Eu nunca estivera ali, mas aquela parte abaixo de La Catedral pertencia a meu pai.

Em outras palavras, cheguei à fachada que meu pai criara, o lugar para os 
visitantes deixarem seus carros e esperarem pelo caminhão. Ninguém além dos visitantes especiais da prisão podia entrar, e ninguém sabia chegar ao Restaurante, que não tinha telefone, mas sim um sistema fechado de comunicação cujo cabo estava enterrado por baixo da montanha e chegava até a prisão. Antes mesmo de visitá-lo, descobri que meu pai havia instalado um telefone à prova de interceptações que seria muito útil nos meses seguintes.

O restaurante recebia bandidos que não precisavam entrar na prisão para 
receber ordens diretas de meu pai, pois ele as dava através do telefone com toda a tranquilidade e sem usar qualquer tipo de código, visto que considerava o sistema infalível. O aparato também servia para coordenar os turnos de utilização do caminhão, de capacidade limitada.

Era um veículo japonês azul-escuro com lona preta e fundo duplo, onde era 
possível acomodar de dez a quinze pessoas mais ou menos apertadas.

A parada de Limón no Restaurante foi breve, pois quase imediatamente me 
disseram que eu entraria em um carro particular, porque era o filho de Pablo e não precisava me esconder. Subi por volta do meio-dia em uma velha caminhonete Toyota Land Cruiser de carroceria vermelha e cabine branca.

Meu pai estava vestindo um poncho branco e ria alegremente quando se 
aproximou para me cumprimentar, como se dissesse: “Veja tudo o que consegui fazer aqui.” Sempre costumava cumprimentá-lo com um abraço e um beijo na bochecha, e dessa vez não foi diferente.

Minha avó Hermilda já estava lá, pois vivia atrás de Roberto, seu filho mais 
velho, que acordava mais cedo que meu pai.

Comecei a ver mais caras conhecidas do que esperava, pois dentro dos 
uniformes de guardas penitenciários estavam os rapazes com quem convivi a vida toda, que sempre estiveram ao lado de meu pai, protegendo-o.

Senti como se entrasse numa grande peça de teatro, onde os guardas e os 
presos interpretavam papéis.

Alguns dos rapazes que se entregaram junto com meu pai em 19 de Junho 
não tinham nada a ver com ele e não integravam seus grupos de capangas. Foram simplesmente “infiltrados”. Como John Jairo Betancour, o “Icopor”; Juan Urquijo, um vagabundo do bairro de Aranjuez; Alfonso León Puerta, “El Angelito”, que estava sem trabalho em Cúcuta e pediu a “El Mugre” que o trouxesse a La Catedral; José Fernando Ospina; “El Gordo Lambas”, que entrava em uma cadeia pela terceira vez para prestar um favor a “El Mugre”; Carlos Díaz, “a Garra”, o pistoleiro do abatedouro de La Estrella; Jorge Eduardo e “Tato” Avendaño, que vivia no bairro de La Paz.

Eram tão pouco importantes que, no dia em que deviam se entregar, 
esperaram por cinco horas a chegada dos agentes do CTI do Ministério Público no Centro Comercial Oviedo. Tiveram que telefonar diversas vezes para que os buscassem porque não tinham dinheiro para o transporte.

Além disso, meu pai já havia dito a cinco guardas enviados de Bogotá que 
lhes pagaria um salário mensal em troca de seu silêncio. Meu pai contou que, antes de enviá-los a uma zona distante da prisão onde não teria mais contato com eles, disse:

– Aqui ninguém vê nem escuta nada. Cuidado com os comentários e não vão 
fazer merda.

Ingenuamente, eu chegara a acreditar que meu pai deixaria de cometer crimes 
e passaria alguns anos na cadeia, para então voltar para casa em definitivo. Estava enganado, pois com o passar dos dias se tornou mais e mais evidente que, em La Catedral, meu pai trataria de reorganizar seu aparato militar, redesenhar as rotas do narcotráfico e manter o sequestro e a extorsão como fontes seguras de renda. E tudo isso bem debaixo do nariz do governo, que parecia respirar tranquilo depois de finalmente ter encarcerado seu inimigo número um.

Depois de tomar um café, fiz um tour pela prisão com o meu pai. Na entrada 
havia três mesas de bilhar, uma de pingue-pongue e muitos jogos de tabuleiro espalhados pelo chão. Ao fundo ficava o refeitório, e logo atrás a cozinha, que tinha uma abertura pela qual eram entregues as bandejas de comida. Mas o refeitório quase nunca era utilizado devido ao frio extremo. O problema foi resolvido com a contratação de três chefs de cozinha, para quem telefonavam pelo circuito interno para pedir a entrega da comida.

Chegamos à enfermaria, e me surpreendi ao encontrar ali Eugenio, o médico 
da fazenda Nápoles, que disse estar à disposição para o que eu precisasse. A pedido de meu pai, ele explicou os sintomas e como deveria ser utilizado o antídoto que guardavam cuidadosamente para situações de envenenamento por cianureto.

Muito tempo antes, meu pai havia tomado precauções porque temia que seus 
inimigos do cartel de Cali envenenassem sua comida. Por isso, ao chegar em La Catedral, levou duas empregadas para cuidar exclusivamente de suas refeições, que preparavam numa cozinha diferente da dos outros.

Descemos quinze degraus e chegamos a uma enorme e ampla varanda 
semi-coberta, um terraço com acesso a todas as celas-suítes. Dali era possível ver toda a cidade, pois havia telescópios de diversos tamanhos, entre eles um grosso e laranja que me chamou a atenção.

– Com esses equipamentos, conseguimos enxergar até a placa dos carros que 
passam pelo Pueblito Paisa. O que você acha? Dê uma espiada, é possível ver muito longe.

Fiquei impressionado, porque de fato a história das placas era verdade. O 
telescópio permitia ver com precisão a muitos quilômetros de distância.À direita do terraço ficava a cela de meu pai, gelada como o resto da cadeia.

Não adiantou instalarem madeira no piso e nas paredes. Fazia muito frio, e 
entendi por que meu pai queria os agasalhos. A cela dele tinha um cômodo de vinte e cinco metros quadrados na entrada. Ao passar por uma porta, chegava-se ao quarto, que tinha um banheiro amplo e outros vinte e cinco metros quadrados. Ainda não havia maiores luxos, pois fazia pouco tempo que tinham se instalado lá. Meu pai disse que deixaria sua cela para “Otto”, porque minha mãe já havia começado a construir uma nova, situada numa das extremidades da prisão, maior e com uma vista melhor.

Eu não tinha levado roupa para passar a noite porque realmente não 
acreditava que isso seria possível numa prisão, e porque a ideia me assustava um pouco – sentia que algo grave poderia acontecer se descobrissem que eu estava lá. Mas meu pai insistiu que eu ficasse para mostrar a ele e a todos os rapazes os presentes que havia trazido.

Vários guardas buscaram as malas que eu trouxera, e nos reunimos na sala da 
entrada da cela de meu pai. Além de nós dois, todos os seus homens sentaram em círculo, em cadeiras brancas de plástico.

Tirei os casacos um por um, e começaram a passá-los de mão em mão e a 
fazer piadas, como se estivessem em um desfile. Enquanto isso, meu pai chamou alguns guardas que não tinham proteção contra o frio e os presenteou com algumas das jaquetas.

Meu pai achou as canetas muito úteis, e guardou quatro para seus advogados. 
Disse que não seria nada mal que eles as utilizassem quando se reunissem com políticos em Bogotá.

– Para que não esqueçam o dinheiro e os favores que arranjei para eles.


Em Nova York, eu havia comprado alguns presentes mais pessoais para meu 
pai, porque durante muitos fins de semana de minha infância assistimos juntos aos filmes de James Bond e de Charles Chaplin. Levei para ele a coleção completa do famoso espião inglês em vhs, o que o deixou muito contente. Também o presenteei com um videocassete portátil que lia filmes europeus do sistema pal e os típicos NTSC americanos.

– Grégory, você já viu algum filme de John Dillinger? Adoro a história dele, 
sabe? – Meu pai se referia ao famoso ladrão de bancos norte-americano que pôs em xeque as autoridades de seu país durante muitos anos.

– Não, pai, não vi nenhum.


Naquela noite, fomos ver a situação da obra da nova cela de meu pai, 
projetada por minha mãe. Entramos com lanternas, porque ainda não tinha fiação elétrica, e enquanto ele me explicava onde ficaria cada coisa percebi que não estava muito convencido de que aquele lugar atenderia aos seus desejos. Os rapazes não economizaram críticas a uma pequena parede que haviam erguido naquele mesmo dia.

– Esta parede aqui não serve – disse meu pai, e derrubou um terço dos tijolos 
com um chute. Os guarda-costas ajudaram a terminar com o resto.

Lembro que alguém havia presenteado meu pai com um colchão d’água que 
podia ser aquecido. De início, achamos divertidos seus movimentos ondulantes, mas depois descobrimos que era como passar a noite num veleiro em alto-mar; cada movimento meu ou de meu pai gerava ondas internas que me deixavam enjoado. Um desconforto total. Acordei com dor na coluna e um frio indescritível.

Minha mãe foi até La Catedral no dia seguinte para me trazer roupas e levar 
Manuela para que meu pai a visse. Passaríamos o fim de semana inteiro juntos. Percebi por causa do tamanho da bagagem, e isso não estava em meus planos, pois sentia muitas saudades de Andrea após nossa viagem idílica pelos Estados Unidos. Estava havia quase três semanas sem vê-la, e passava o dia pendurado no celular falando com ela.

Insisti em voltar para Medellín com o objetivo de visitá-la, mas meu pai não 
gostou muito disso.

Então, meus pais me chamaram para uma conversa a sós.


– Filho, você sabe que não incomodo ninguém por causa de dinheiro, mas 
pegue leve com os gastos de viagem, cara, que você gastou um monte em muito pouco tempo, e deve saber que não estamos no melhor momento. “Kiko” Moncada tem me emprestado dinheiro há muito tempo para a guerra. Sei que vou me recuperar, porque a única coisa que sei fazer bem na vida é dinheiro, mas é hora de gastarmos menos. Então, preste atenção, que isso não volte a se repetir – disse meu pai enquanto bagunçava meu cabelo com a mão direita.

Eu não quis discutir muito, porque ele tinha toda a razão. Mas disse em 
minha defesa que não havia gastado todo aquele dinheiro sozinho, pois éramos quinze pessoas hospedadas nos melhores hotéis, comendo nos melhores restaurantes e viajando sempre de primeira classe.

Aquele fim de semana em família teve seus altos e baixos. Quando minha 
mãe viu a parede da nova cela reduzida a destroços, começou a gritar a plenos pulmões e reclamou com meu pai pelo ocorrido. Ela disse que era uma falta de respeito, e que ele não sabia como as coisas ficariam depois de prontas.

– Já que você e os seus homens sabem tanto de projeto, resolva isso com 
eles, porque eu não ajudo mais. Encontrem vocês uma solução.

Sempre que podia, eu falava por horas no telefone com Andrea, até que meu 
pai não aguentou mais e me chamou num canto para conversar comigo, porque percebeu que eu estava apaixonado.

– Grégory, o que está acontecendo? Você está tão apaixonado por essa garota, 
e ainda é muito novo para entrar numa dessas, falta muita experiência de vida e muitas mulheres para conhecer. Não vá se apaixonar assim pela primeira que você conheceu, que o mundo está cheio de mulheres encantadoras. Você tem que sair com outras garotas e se divertir, porque é jovem demais para estar tão apaixonado e caído por uma só.

– Mas pai, não preciso de outras mulheres, estou muito feliz com a Andrea e 
não sinto falta de nenhuma outra para experimentar nada. Não é minha primeira namorada, você sabe que já tive outras, além de algumas amigas. Mas nunca tinha me sentido tão bem junto de alguém. Então não preciso sair por aí procurando o que já encontrei nela.

Isso não é bom, meu filho. Não é normal ficar o dia inteiro pendurado no 
telefone, pensando apenas em uma única pessoa. Ela não é tudo, nem deve ser tudo para você. Então encontre um jeito de conhecer outras garotas, ou se preferir eu posso apresentar algumas a você.

A conversa aconteceu dentro de seu quarto, quando Manuela já tinha pegado 
no sono. Minha mãe entrou para ver o que estava acontecendo, pois era óbvio que discutíamos, e perguntou o que havia acontecido. Eu não quis dizer nada, pois estava prestes a derramar lágrimas de raiva por meu pai ter enfiado na cabeça a ideia de que eu precisava ser infiel.

– Pergunte para ele.


O fato é que meu pai estava mal informado a respeito de Andrea, devido ao 
medo que alguns familiares haviam semeado nele. Fizeram-no acreditar que ela estava comigo apenas pelo dinheiro, e que a diferença de idade entre nós dois era um agravante.

Mas estavam todos enganados, inclusive meu pai.


No fim de semana seguinte, voltamos lá para passar dois dias. Eu estava na 
cela do “El Mugre” quando, de repente, escutamos por um dos receptores dos microfones os gritos de Dora, a esposa de meu tio Roberto, envolvida numa discussão intensa e escandalosa porque havia encontrado lingeries no chuveiro.

“El Mugre” não conseguia parar de rir e se contorcia no chão, porque ele 
mesmo havia pendurado as calcinhas no chuveiro e instalado o microfone para gravar a discussão conjugal. Meu pai sabia dessa brincadeira de mau gosto, e foi até a cela de “El Mugre” para escutar o que estava acontecendo.

– Pelo amor de Deus, “Mugrezinho”, que problemão você foi arranjar para o 
Roberto. Ele vai te matar quando ficar sabendo. Mas deixe que eu ajeito o problema entre eles – disse meu pai, morrendo de rir.

O escândalo estava prestes a custar um divórcio a Roberto quando meu pai e
 “El Mugre” revelaram o lugar onde o microfone havia sido plantado e admitiram terem sido os responsáveis por aquela maldade. Houve muitos risos e olhares tortos, mas assim eram feitas as brincadeiras em La Catedral, onde todas as piadas eram sempre muito pesadas.

Com tanto tempo livre, meu pai se divertia planejando brincadeiras, e
“El Mugre” sempre o acompanhava no jogo. Um dia, combinaram de aprontar uma para o gordo “Lambas”.

Quando tudo estava pronto, meu pai se reuniu com diversos de seus homens 
e pediu a “Lambas” o favor de lhe trazer um “periquito” (uma bebida quente com mais leite que café). “Lambas” foi até a cozinha e pegou um copo, e como a reunião não era importante, meu pai disse que ficasse ali para conversar com eles.

Depois de beber o “periquito”, fingiu que estava enjoado e começou a 
espumar pela boca, dizendo:

– Gordo, o que você pôs no meu café? Amarrem ele, fui envenenado. 
Chamem o Eugenio e tragam o antídoto para cianureto... rápido, que eu vou morrer.

“El Mugre” pegou a metralhadora de meu pai e apontou para o “Gordo” 
enquanto outros dois cúmplices foram correndo amarrá-lo.

– Você me matou, Gordo, você me matou. Se eu morrer, o mandem junto. 
Estão escutando?

– Você envenenou o chefe, seu verme traidor, o que você fez com ele, 
Gordo?

– Confesse! – diziam os rapazes em meio à algazarra, enquanto meu pai 
continuava espumando.

– Patrão, juro por Deus que não coloquei nada no seu “periquito”. Por tudo 
que há de sagrado, não façam nada comigo que não sou um traidor como o patrão acha. Eu vi o café sendo preparado na cozinha e não colocaram nada de estranho. Perguntem às moças, mas por favor não me matem.

“El Gordo” chorou durante os dez minutos da armação organizada por meu 
pai, que então ficou de pé, limpou a baba e mostrou o papel de Alka-Seltzer que havia enfiado na boca. Depois que soltaram as cordas que amarravam “El Gordo”, ele abraçou meu pai e disse que tinha mesmo achado que os dois morreriam naquela noite.

Em La Catedral havia um campo de futebol em construção, que, assim como 
todas as obras do lugar, era financiado por meu pai. Foi investida uma fortuna nele, porque o sistema de drenagem deveria garantir a absorção de água para evitar que o campo enchesse de poças. Tampouco poderia faltar iluminação, que era tão potente que podia ser vista de boa parte da cidade.

Pronto o complexo esportivo, meu pai organizou partidas acirradas com 
convidados especiais que vinham de Medellín. O goleiro René Higuita, os jogadores Luis Alfonso, “Bendito” Fajardo, Leonel Álvarez, Víctor Hugo Aristizábal e Faustino Asprilla e o técnico Francisco Maturana foram até lá algumas vezes para jogar.

Em um desses encontros, chamou-me a atenção a agressividade de Leonel 
contra meu pai. Ele dava entradas mais fortes nele do que em qualquer outro, mas meu pai não dizia nada. Sem dúvida era um jogador muito valente, até que “El Mugre” o chamou para a lateral do campo e disse:

– Pegue mais leve com o patrão, porque ele não disse nada, mas já está 
olhando feio para você.

Não seria exagero dizer que as partidas de futebol em La Catedral só 
terminavam quando a equipe em que meu pai jogava vencesse. Os eventos podiam durar até três horas e, para que pudesse ganhar, meu pai não tinha nenhum problema em passar para o seu time os melhores jogadores adversários.
E ainda que houvesse um árbitro rigorosamente vestido de preto, a duração da 
partida dependia da equipe de meu pai estar à frente no marcador.

Sempre se especulou que meu pai fosse dono de times de futebol 
colombianos, como Medellín, Atlético Nacional, Envigado e até mesmo de alguns jogadores. Isso não é verdade. O futebol sempre foi uma de suas paixões, mas ele nunca se interessou por ser dirigente ou empresário.

Enquanto isso, os luxos e as comodidades avançavam a toda velocidade. Nós 
também estávamos acostumados a viver sempre cercados de obras e reformas, que começavam todos os dias, e La Catedral não seria exceção.

A insistência de meu pai convenceu minha mãe a terminar a nova cela. A sala 
ficou na entrada, com um sofá italiano de vime e duas poltronas confortáveis combinando; em seguida, havia uma sala de jantar para seis pessoas e uma cozinha completa com fogão e geladeira, integrada a uma varanda de madeira onde, segundo meu pai, todos os dias um pássaro amarelo aparecia para ganhar comida.

Achei que era conversa fiada, mas o passarinho apareceu para visitá-lo diante 
de mim e de diversas outras testemunhas. Eu não conseguia acreditar na relação que meu pai tinha com a pequena ave, pois era claro que ela confiava totalmente nele. O passarinho caminhava tranquilo pela varanda, e meu pai lhe dava pedacinhos de pão ou banana. O pássaro deixava que fizesse carinho, e quase se deitava ao recostar-se em seu braço para ser acariciado. Então, subia em seu ombro e ficava ali por um tempo enquanto meu pai continuava conversando como se nada tivesse acontecido. Não me espantou sua boa relação com as aves, pois sempre cuidou muito bem delas em Nápoles, e quando soube que seriam confiscadas deu ordens para que Pastor, o cuidador, deixasse as portas das gaiolas abertas para que todas voassem para a liberdade. Em cada esconderijo a que íamos, meu pai sempre ia até a varanda, o pátio ou o que fosse para deixar comida para os pássaros.

Na “cela”, minha mãe pôs duas pinturas e uma pequena escultura de um 
artista local que pintava e esculpia cenários dos bairros populares de Medellín. Também estavam emoldurados os cartazes de “Procura-se” que as autoridades haviam utilizado na perseguição do cartel de Medellín. Em outra parede, via-se a famosa foto de meu pai com Gustavo Gaviria, seu sócio, vestidos como mafiosos italianos. Ao lado de sua escrivaninha, pôs uma foto pouco conhecida de Ernesto “Che” Guevara.

O acesso ao quarto de meu pai se dava por uma porta de madeira de tamanho 
padrão; à esquerda, perto do canto, havia uma cama com base de concreto, e no encosto tinha uma imagem da Nossa Senhora das Mercês, a conhecida padroeira dos presidiários. Havia apenas uma escrivaninha, e sobre ela um belo abajur Tiffany colorido.

A cama tinha um degrau de vinte centímetros que lhe permitia ver a cidade 
do travesseiro. Ao lado, havia uma estante de livros com uma televisão da Sony de vinte polegadas e a coleção de filmes de James Bond que havíamos começado a ver juntos outra vez.

Ao lado da janela ficava o seu escritório de trabalho com escrivaninha, outro 
sofá, uma pele de zebra decorando o piso com carpete e uma lareira para apaziguar o frio. Mais adiante ficava o banheiro, com banheira e sauna, um armário com as roupas dele e um esconderijo (que não poderia faltar) onde ocultava dinheiro e armas.

Pouco depois, foi construído também um bar com uma imensa piscina de 
hidromassagem para vinte pessoas, situada abaixo das celas e com a mesma vista para Medellín. “El Mugre” foi autorizado por meu pai a decorá-lo, e encheu de quadros com pinturas sobre espelhos estampando o logo de grandes marcas de bebida e tabaco. Instalou também um equipamento de som enorme. Mas o frio intenso fez com que o lugar ficasse sempre vazio. Só usaram umas poucas vezes a piscina, que era tão grande que levava um dia inteiro para ser enchida e aquecida.

Em uma viagem breve que fiz aos Estados Unidos, comprei vários carrinhos 
de controle remoto que “El Mugre” havia encomendado para brincar na cadeia. Ele tinha diversos helicópteros e aviões de controle remoto que manejava sobre o campo de futebol. Nós dois éramos fanáticos por motos e por tecnologia, e na cadeia compartilhávamos nosso hobby. Com uma pá e uma picareta, ajudei-o a construir uma pista com diversos saltos e curvas acentuadas para os carrinhos. Passávamos horas brincando com as crianças que iam visitar a prisão.

Ao lado da pista foi construído um tanque onde começamos a criar trutas. 
Um dia, meu pai ficou furioso com Juan Urquijo porque ele pescou umas vinte trutas de uma só vez. Meu pai mandou “El Mugre” pôr um letreiro, escrito por este último, com a seguinte advertência: “Multa para quem tirar mais de uma truta: uma bala na cabeça.”

Chegou enfim o momento de comparecer a um interrogatório diante de um 
promotor sem rosto, que perguntaria a meu pai a respeito da verdadeira origem de sua fortuna e de seus delitos como traficante. Para preservar a identidade dos funcionários do Ministério Público, prepararam uma casa apartada da prisão, mas dentro de seu perímetro.

Meu pai assistiu à audiência acompanhado de um de seus advogados, com 
quem planejara negar todas as acusações e obrigar o Estado a provar sua culpa. Também ficou acertado que meu pai falaria do menos grave de seus delitos junto ao tráfico, e assim daria por cumprido seu compromisso legal de confissão para obter benefícios. Meu pai se perguntava: “Por que diabos vou facilitar a minha própria condenação?”

– Informe seu nome completo, data de nascimento e número de identidade 
para a audiência – pediu o promotor sem rosto.

– Meu nome é Pablo Emilio Escobar Gaviria, nascido em 1º de Dezembro de 
1949, o número de minha identidade é 8.345.766, e trabalho como pecuarista.
– Se você é dono de gado, por favor, poderia me informar o preço 
aproximado de um gado em pé na feira desta semana?

– Solicito que a audiência seja postergada para outro momento, estou com 
uma dor de cabeça forte demais para continuar – disse meu pai, ao mesmo tempo que se levantou e saiu sem dizer mais nada.

Ao retornar à cela, comentou o episódio com seus homens e todos riram às 
gargalhadas, porque a audiência para confissão havia sido uma chacota com a Justiça.

Em Dezembro de 1991 houve várias festas em La Catedral, e na noite de 
Natal evitaram os fogos de artifício para não chamar a atenção. Ainda assim, compartilharam champanhe Cristal em grandes quantidades e houve bons presentes, como o de meu tio Roberto, que me deu um relógio Cartier. Minha mãe e Manuela me disseram que eu devia encontrar meu presente em algum lugar de La Catedral, porque era uma surpresa.

Procurei em diversos lugares sem muita ansiedade, até que entrei no quarto 
de meus pais e encontrei escondida atrás das cortinas uma motocicleta Honda CR-125, último modelo, perfeita para a prática do motocross, um de meus esportes preferidos. Não conseguia acreditar que haviam levado meu presente até a prisão.

Meses mais tarde, fui à cadeia com um recorte de jornal que relatava meu 
triunfo como campeão de uma corrida de motos na categoria livre. Meu pai ficou muito contente com meu sucesso com a moto que havia me dado.

Pouco depois, a Liga de Motociclismo de Antioquia organizou uma 
competição de carros conhecida como quarto de milha, em que os veículos correm em linha reta e em alta velocidade até a linha de chegada. Comecei a me preparar para competir com diversos carros emprestados, entre eles um BMW M3, um Toyota Celica, um Porsche 911 e um Ford Mustang 1991 conversível. Nos dias anteriores ao evento, fui inscrever os veículos e encontrei dezenas de curiosos que se aproximavam para ver os carros e perguntar sobre a corrida.

Em meio à aglomeração, vi dois homens que claramente não estavam

interessados na corrida, mas em mim e nos guarda-costas ao meu redor. Para
evitar problemas, decidi sair dali e deixar os guarda-costas para investigarem um
pouco mais.

Quando eu estava saindo, dirigindo o veloz Toyota Celica, vi algo que me 
pareceu ainda mais estranho: havia uma ambulância estacionada em frente à porta principal da sede da Liga de Motociclismo. Era a mesma ambulância da qual eu escapara alguns dias antes, quando me dirigia às minhas aulas particulares do colegial. Dessa vez, achei estranho ver uma ambulância às sete horas da manhã em uma região relativamente pouco habitada, e por simples precaução desviei dela com um giro brusco de 180 graus.

Meu pai sabia que eu ia competir, e quando isso acontecia ele mandava 
redobrar minha segurança, pois eu estaria exposto em lugares públicos, onde os riscos eram maiores.

Por causa desse episódio, lembro que meu pai dizia com muita frequência 
que estava cansado de evitar que eu fosse sequestrado pelos capos do cartel de Cali. Ele tinha certeza de que, se eu caísse nas mãos de seus inimigos, cobrariam muito dinheiro pelo resgate, e então me matariam. Também dizia respeitar o velho pacto segundo o qual não devia atacar as famílias dos mafiosos, apesar de conhecer os movimentos de cada filho, filha, pai, mãe, tio, tia, primo e amigos de todos os capos, aos quais não causaria dano, exceto se encostassem um dedo em mim ou em Manuela.

Com o esquema de segurança reforçado, continuei a preparação para a 
corrida, mas de uma hora para a outra ele pediu que eu fosse com urgência a La Catedral.

Urgente era um termo que não podíamos usar na vida cotidiana. Portanto, 
sem fazer nenhuma pergunta, fui a La Catedral, onde era esperado por meu pai com um monte de fitas cassete sobre a escrivaninha e documentos com o selo oficial da polícia. Cheguei sem entender o que estava acontecendo. Ele me cumprimentou apressadamente e pediu que eu esperasse um momento.

– Tenho boas e más notícias, meu querido – disse, olhando em meus olhos e 
dando a entender que lamentava o que tinha para dizer. A má é que iam sequestrar você nessa corrida... A boa é que fiquei sabendo a tempo, e localizei o grupo que acha que vai te capturar.

Fiquei pálido. O castelo de cartas que havíamos construído desde que 
chegáramos a La Catedral acabava de ir abaixo.

– Preciso que você fique aqui na cadeia. Mande trazer algumas roupas, 
porque você não pode descer para Medellín até que eu solucione esse caso pessoalmente. Já tenho gravações desses otários, que acham que são mais espertos do que eu. Aqui estão os dados completos da operação. O complicado é que, dessa vez, juntaram forças para sequestrar você: há alguns militares envolvidos na primeira fase da operação, e policiais na segunda.

– Nossa, pai, mas como você descobriu tudo isso? Não vou poder correr? Ah, 
que tristeza as coisas estarem desse jeito. Achei que íamos viver mais tranquilos, mas pelo visto continuo no meio do fogo cruzado. O que você vai fazer? Para quem vamos denunciar?

– Para ninguém, meu filho. Esses veados respondem diretamente pelo que 
acontecer com você. Por isso eu precisava que você viesse, para não dar chance para eles. Espera só um minutinho, que estão me confirmando os últimos dados dessas pessoas, para que você veja os nomes e decore, caso algum dia eles parem você por aí com a intenção de lhe fazer algum mal.

Fui comer e telefonei para minha mãe, pedindo que me mandasse roupas para 
alguns dias, mas escutei ao fundo a voz de meu pai dizendo para eu pedir roupas para pelo menos dez dias. Aquilo me deixou pior. Minha mãe não entendeu nada, e eu simplesmente disse para que ficasse tranquila, pois estávamos todos bem e meu pai lhe explicaria tudo quando ela subisse para La Catedral.

Voltei para o quarto de meu pai e observei que ele estava organizando com 
muito cuidado todas as informações que havia recebido sobre meu sequestro. A seu lado estavam “Otto” e “El Mugre”. “Popeye” entrou pela porta e ofereceu ajuda, mas meu pai disse que não, obrigado, tratava-se de um assunto muito delicado.

– Quer saber? Você pode ajudar se trouxer “periquitos” para todos nós.


– Sim, patrão, vou pedir para as moças prepararem. – “Popeye” deu meia-volta 
e partiu resmungando.

– Otto, me passa o celular, por favor. Filho, venha, sente na cama aqui do 
meu lado. Fique tranquilo que vou falar com seus sequestradores e avisar o que pode acontecer com eles se levarem essa ideia adiante.

Em seguida, começou a digitar o telefone de cada um dos envolvidos – 
capitães, tenentes, sargentos e até um cabo –, e deu a cada um o mesmo sermão.

– Quem fala aqui é Pablo Emilio Escobar Gaviria, o número da minha 
identidade é 8.345.766 e quero que você saiba que já estou ciente dos seus planos de sequestrar meu filho Juan Pablo na corrida do quarto de milha em Medellín, com a ajuda do Exército, que fará uma operação preventiva para desarmar os guarda-costas dele e levá-lo dali. Mas quero que você saiba que sei onde sua mãe e toda a sua família moram, e se acontecer algo com meu filho, você e toda sua família vão responder por isso. Então é melhor que você vá embora do estado de Antioquia, porque já dei você sabe qual ordem caso alguém o encontre por aqui. Ferrou para vocês porque se meteram com a minha família, e aí não respondo pelo que pode acontecer, está entendendo? Você tem vinte e quatro horas para abandonar a cidade, senão declaro você um objetivo militar e saio à caça. Agradeça por eu deixá-lo vivo. Ou acha que só porque você é policial e eu me entreguei tenho medo de você?

Contando essa nova investida, era a quinta vez que tentavam me sequestrar. 
No fim das contas, não pude participar da corrida e fiquei quase vinte dias em La Catedral, até que meu pai verificou que os envolvidos haviam sido transferidos de seus postos.

Naquela época, foi celebrado em La Catedral o casamento de “Tato” 
Avendaño e sua esposa Ivonne. Os dois ficaram ali durante quinze dias, e passaram a lua de mel estreando a cama giratória em forma de coração que ele mandou fazer para a ocasião. Houve uma cerimônia completa, à qual compareceram dezenas de pessoas, como se o evento tivesse acontecido num hotel chique.


Fidel Castaño aproveitou a amizade com meu pai para se esconder em La 
Catedral. Chegou a passar duas ou três semanas escondido ali. Dormia num quarto ao lado de meu pai, tomava banho em seu banheiro e comia a sua mesa: era um amigo como os outros. Até o dia em que meu pai começou a desconfiar, porque descobriram-no coletando informações dentro da prisão. Naquele momento, começou o distanciamento de meu pai dos irmãos Castaño, que resultaria numa guerra mortífera entre eles.
No mesmo período, “Comanche”, um dos líderes do bando dos “priscos”,
também tinha uma suíte por lá para se esconder sempre que as coisas
“esquentavam” na cidade.

Certa vez, fui passar o fim de semana com meu pai e decidi que ficaria até a

metade da semana, porque a prisão era confortável, tinha uma boa vista e o
serviço era tão bom que ninguém queria ir embora.

Nessa oportunidade, “Kiko” Moncada foi até lá, e me cumprimentou com a

mesma ternura de sempre, pois já havíamos nos encontrado três ou quatro vezes.
A primeira foi numa casa de fazenda ao lado de Yerbabuena, no bairro de El
Poblado, quando nos contou que teve dificuldade para comprar uma Ferrari,
porque na concessionária não vendiam uma para qualquer pessoa. Ele a adquiriu
por intermédio de um testa de ferro. A segunda vez que vi Moncada foi em um
prédio de escritórios ao lado do edifício Mónaco, quando meu pai já havia
declarado guerra ao governo. Naquela ocasião ele disse ao meu pai:

– Pablo, cara, estou comprometido com a luta, e vamos mostrar o que é 
dureza pra todos esses filhos da puta. Você sabe, eu já disse e vou dizer mais uma vez, para você não achar que é da boca para fora: tenho 100 milhões de dólares prontos para serem usados nessa guerra. Conte com esse dinheiro, que a minha família já está muito bem organizada com suas continhas, se é que você me entende, por isso tenho isso sobrando, e aja como se fosse seu, meu irmão. Pode me pagar quando quiser e puder, sem juros. Essa é minha contribuição.

Diga para o seu pessoal passar no meu escritório no centro, que ali podemos 
fazer as contas e entregar o dinheiro no momento em que você precisar. Ou me diga onde está que eu faço a grana chegar a qualquer hora, mesmo.

– Não, meu irmão, está tudo bem, sei disso e agradeço, e assim que o meu 
dinheiro acabar, vou incomodar você, porque essa guerra está custando muito caro. Qualquer hora dessas eu dou uma avisada. Obrigado pelo apoio, Kiko.

Também o vi certa vez no esconderijo de La Isla, em El Peñol, quando ele, 
Lehder, Fidel Castaño e meu pai estavam lendo o livro El hombre que hizo llover coca, escrito por Max Mermelstein, que trabalhou para meu pai e para outros integrantes do cartel de Medellín.

Meu pai mencionou Moncada muito poucas vezes diante de mim, mas cada 
vez que fez isso se referia a ele com muito carinho, pois era perceptível que se davam bem, e não só por questões de dinheiro. Sempre falou de sua seriedade, de sua eficiência e rapidez para levar e desembarcar a droga e de como eram bons amigos.

Agora, em La Catedral, contou a Moncada os detalhes de como a guerra 
contra o cartel de Cali estava se desenrolando, pois essa última etapa do confronto havia sido financiada com o dinheiro de “Kiko”.

Horas mais tarde, eu estava deitado na cama de meu pai assistindo a um 
filme quando os dois entraram e se sentaram para conversar no escritório dentro do quarto. Por prudência, levantei-me para deixá-los a sós, mas meu pai disse que eu podia continuar vendo o filme tranquilamente. Mas a curiosidade foi mais forte, e é claro que prestei atenção no que estavam dizendo, sobretudo quando meu pai perguntou:

– E aí, “Kiko”, me diga quanto estou lhe devendo.


– Só um segundinho, Pablo, vou chamar o secretário ali fora.


Um homem desconhecido entrou, nos cumprimentou e deixou ali uma maleta 
executiva, da qual “Kiko” tirou uma grande folha de papel impressa, mas meu pai não a pegou.

– Não, “Kiko”, não precisa me mostrar as contas. Fique tranquilo, irmão, só 
me diga quanto devo a você e está feito, para não precisarmos repassar todas as contas.

– Pablo, até o momento você me deve 23,5 milhões de dólares, e quero que 
você saiba que não estou cobrando. Você sabe que estou aqui porque você me pediu as contas, mas os outros setenta e seis milhões estão prontos para quando você precisar.

– Muito obrigado por tudo, “Kiko”, meu irmão. Mas espero que não seja 
mais necessário incomodá-lo, porque as coisas estão indo bem no México, e vou aproveitar e pagar tudo o que lhe devo de uma vez só.

– Ah, fico contente, meu irmão. Bacana. Acho que esse serviço a gente 
entrega rapidinho, e então ajeitamos bem as contas. Esse é o bom da cocaína, que ela dá pra tudo, não é? – disse, rindo.

Eu os observava com o canto do olho e fingia assistir ao filme, mas era difícil 
não prestar atenção em uma conversa como aquela.

– Feito, meu irmão, então fica acertado. Veja bem, não estou mandando você 
embora, se quiser ficar não tem problema, mas o caminhão parte às oito da noite, e faltam quinze minutos, caso você precise ir. Como você queira.

– Ah, certo, Pablo. É melhor eu aproveitar e ir, porque tem uma boazuda me 
esperando; estamos nos falando.

Meu pai disse que o acompanharia até o caminhão, e os dois saíram do 
quarto. Continuei vendo o filme de James Bond. Nos dias seguintes, aconteceu uma coisa incrível de qualquer ponto de vista: o diretor da prisão ordenou que os guardas praticassem tiro num campo improvisado em frente à montanha. Mas não foram apenas os guardas que participaram do treinamento: tomaram parte os soldados e seus superiores, e também meu pai e seus homens.

Obviamente, as melhores e mais modernas armas estavam sob poder do 
esquadrão de meu pai, que tinha reluzentes fuzis Colt AR-15 com mira a laser, metralhadoras Heckler e pistolas Pietro Beretta e Sig Sauer. Os soldados, por sua vez, praticaram com seus fuzis G-3 pesados e enferrujados, ainda que muito potentes, e os guardas usaram seus velhos revólveres calibre .38.

O espetáculo armamentista de meu pai foi algo notável, mas nem os 
funcionários da prisão nem os militares disseram nada, porque tudo parecia muito normal.

Muitas beldades subiram até La Catedral enquanto meu pai estava lá. Ao 
mesmo tempo, ele foi suavizando sua posição dura em relação ao meu namoro com Andrea, e até chegou a convidá-la para ir lá conhecê-lo, mas ela se refugiou habilmente em seus estudos universitários de publicidade, através do qual podia expressar seu talento artístico. E acabou nunca indo a La Catedral.

Meu pai, velho astuto, dava um jeito de que eu fosse para lá justo quando as 
garotas apareciam para visitar La Catedral. O azar era tanto que, em duas ocasiões que Andrea me acompanhou até o Restaurante, encontrou-se com mais de dez rainhas perfumadas e de salto alto.

O caminhão azul com fundo duplo saiu rumo a La Catedral repleto de mulheres lindas, e eu em meio a elas. Nunca me esqueci do curioso episódio que, conforme me contaram, ocorreu quando o veículo chegou à segunda barreira do Exército, pouco antes de entrar na prisão. No primeiro, simplesmente levantaram uma cancela para que o caminhão passasse, mas no segundo anotaram o tipo do veículo, a placa, os dados do motorista e o conteúdo, que obviamente era fictício. A lona do caminhão tinha alguns pequenos furos por onde era possível olhar de dentro para fora, mas não o contrário.

O oficial em serviço deteve o veículo por mais tempo que o normal e 
começou a caminhar em volta dele. Muitas vezes, aquele militar havia deixado o caminhão entrar sem nem olhar ou fazer perguntas, mas naquele dia parecia que a curiosidade tomara conta dele. Então, ele olhou para a lona e gritou:

– Da próxima vez, ao menos me façam o favor de pôr menos perfume, 
caralho!

As mulheres e eu caímos na risada. Os soldados e os demais presentes 
tampouco conseguiram se conter.

Os presos as esperavam, perfumados, bem vestidos e com presentes e flores 
com os quais pretendiam conquistar as beldades, cuja permanência ali era efêmera, embora muito bem remunerada.

A apenas dez metros de seu quarto, meu pai mandou construir uma casa de 
bonecas para Manuela. Ela foi pintada de branco e rosa, e diversas filhas pequenas dos presos brincavam nela, entre as quais as filhas do “El Mugre”.

Uma vez, minha irmã se queixou porque, apesar da casinha de bonecas ser 
dela, todas as garotas a utilizavam. Para satisfazer seus desejos, meu pai mandou instalar uma grade ao redor da casa com uma placa que dizia “Propriedade Privada” e um cadeado cuja chave apenas Manuela tinha. Só faltou uma cerca elétrica.

As filhas do “El Mugre” também protestaram, e isso gerou uma divertida 
rivalidade entre os pais. Em voz alta e para garantir que meu pai e minha irmã escutassem, “El Mugre” prometeu construir para suas filhas uma casa maior e mais bonita.

Ele cumpriu com a palavra e construiu uma casa na árvore em miniatura. 
Conseguiu despertar tanta inveja em minha irmã que ela quis tirar o cadeado da sua para poder compartilhar a nova casa de bonecas com todas as garotas.

Lembro que, com sua reconhecida habilidade de carpinteiro, “El Mugre” 
construiu um grande pombal, pois sabia da paixão de meu pai pelas aves. Achei estranho manter cerca de duzentos daqueles animais em um lugar tão frio, mas logo descobri que o plano era treinar pombos-correios.

Em pouco tempo, já havia diversas pombas treinadas que Juan Carlos, um 
amigo do “El Mugre”, levava a lugares distantes para soltar. Incrivelmente, as pombas chegavam sãs e salvas a La Catedral.

– Filho, o que você acha dos pombos-correios? Os gringos passam por cima 
de nós com seus discos voadores e nossos pombos voando ao lado. Quem consegue pegá-las? Nem os mais ágeis.

Um dia, ele mandou Juan Carlos levar os pombos até “o treze”, como 
chamávamos por código o apartamento no Terrazas de Saint Mitchel. Ele pediu que Manuela escrevesse uma pequena carta de amor dedicada a ele para que as pombas levassem-na até La Catedral e os dois pudessem ler juntos quando ela fosse visitá-lo.

A curta permanência de meu pai em La Catedral serviu para fortalecer os 
laços conosco, seus filhos. Por exemplo, ele deu um pager para que Manuela lhe enviasse mensagens todos os dias. Ele também tinha um exclusivamente para receber as mensagens dela, e carregava-o consigo o tempo todo no bolso da calça.

Em La Catedral, meu pai não voltou a andar armado, pois sempre havia um 
guarda ao seu lado à disposição para lhe entregar a metralhadora ou o telefone celular.

De repente, em meio a esse ambiente de relaxamento, meu pai se viu 
obrigado a tomar medidas de emergência, pois os meios de comunicação revelaram a existência de um plano dentro do cartel de Cali que pretendia lançar bombas de um avião sobre La Catedral.

Vários dias depois, subi à prisão, que parecia deserta: não havia ninguém em 
nenhum canto do pavilhão principal, e só se viam alguns guardas com caras de assustados. “Onde estarão todos?”, me perguntei ao mesmo tempo que um dos guardas fez sinal para que eu o seguisse por um caminho de terra batida que levava até o campo de futebol. Quando já estávamos ali, ele apontou para o bosque, onde se viam algumas cabanas de madeira ocultas no matagal.

Descobri que meu pai e todos os seus homens haviam se mudado para alguns 
refúgios que construíram junto à única cerca que rodeava a prisão. Não obstante, meu pai escolheu o pior lugar de todos para a sua cabana, porque só a encontrei depois que ele saiu de um mato alto e me mostrou o caminho. Cumprimentei-o e perguntei o que estava acontecendo. Ele me disse que decidira que todos deveriam sair do pavilhão principal da cadeia, porque certamente seria ali que lançariam as bombas.

– A ordem que todos têm é de atirar em qualquer um que sobrevoe a cadeia. 
Este espaço aéreo está interditado, e vou ver como fazer para instalar uma artilharia antiaérea. Grégory, escolhi essa vala na montanha porque não é possível me ver de cima, nem que a vaca tussa. Nem você conseguiu me encontrar, então estou tranquilo, mas o frio aqui é duas vezes pior, porque embaixo passa uma pequena nascente de água gelada, e o sol não chega aqui.

– Mas então você vai cumprir sua pena aqui? Com esse frio terrível?


– É temporário. Pedi à sua mãe para encomendar ao arquiteto alguns projetos 
antibombas que vão chegar amanhã. Me faça o favor de não ir para onde estávamos antes, porque é perigoso.

Os projetos eram futuristas, gostei deles. Cada ambiente tinha uma forma 
oval, e instalariam em cima uma enorme quantidade de aço e concreto, que cobririam com terra para que não fosse visível do céu nem rastreável por satélite. Mas a idéia do arquiteto não foi adiante, porque meu pai achava que as cabanas de madeira eram discretas... e muito mais baratas. Alguns dias depois, mudou-se para uma casinha mais bem localizada e menos fria, mas igualmente escondida.

Algo muito comum lá naquela montanha eram as apostas no bilhar ou nos 
jogos de carta. Apostavam quinhentos dólares em quedas de braço que duravam cinco minutos na época de vacas magras, e uns 15 mil dólares ou mais nos momentos de abundância. Meu pai jogava por horas com “Arete”, “Otto”, “Comanche” e “El Mugre”, e isso que era considerado um apostador contido. Muitos outros apostavam até 1 milhão de dólares nos dados. “Popeye” nunca jogou nada, porque dizia que não ia apostar seu dinheirinho suado. Também comentava com os rapazes que era melhor comprar barras de ouro para esconder dentro das paredes, pois não se desintegravam com a umidade, como as notas de dólar.

Um tempo depois, alguns meios de comunicação começaram a publicar 
notícias sem confirmação de que “Kiko” Moncada e Fernando Galeano teriam sido assassinados dentro de La Catedral. A confusão foi total, e inesperadamente meu pai proibiu a entrada de qualquer pessoa, inclusive da família. Era evidente que algo estava acontecendo lá em cima, e por isso telefonei para perguntar por que não podíamos visitá-lo, mas ele não me deu explicações claras, dizendo apenas que as coisas logo voltariam à normalidade.

Chamou-me a atenção que ninguém quisesse falar no assunto, e preferi 
esperar, porque no ambiente de meu pai não pegava bem fazer muitas perguntas. No entanto, as dúvidas começaram a ser esclarecidas quando os meios de comunicação informaram que os presos de La Catedral não haviam permitido a entrada de uma comissão de investigadores do CTI do Ministério Público, que pretendiam inspecionar a prisão para confirmar ou desmentir os rumores sobre o desaparecimento dos dois sócios de meu pai.

Quando finalmente se tornaram públicas as acusações de que ele 
possivelmente teria matado os sócios do cartel, lembrei da excelente relação que ele mantinha com “Kiko” Moncada. Havia poucos dias, antes da notícia de sua possível morte, meus pais e eu caminhávamos pela prisão, e percebi um sorriso debochado no rosto de meu pai, o mesmo que tinha quando algum desembarque ou “serviço” tinha dado certo. Até que não se aguentou mais e me contou:

– Estou muito contente, filho. Tenho notícias ótimas para você. Acabo de 
pagar para o “Kiko” a quantia total da dívida que tinha pendente com ele, que foi tão amável comigo e colaborou tanto para a causa. Ganhei um dinheirinho com ele no México, e a melhor notícia é que a minha parte é de 32 milhões de dólares... Descontados os 24 milhões que devia a ele, sobrou um saldo de 8 milhões.

Depois de lembrar da proximidade de meu pai e “Kiko”, tudo soava muito 
estranho. Eu não podia acreditar que fosse verdade o que diziam os jornalistas. Teria de esperar.

Alguns dias depois, meu pai autorizou novamente o ingresso. Cheguei ao 
Restaurante e percebi que muita gente queria subir a La Catedral ao mesmo tempo. Embora tenham me dado prioridade, precisei esperar um bom tempo, e enquanto aguardava, “Chopo” e “Tití” se aproximaram para falar comigo.

– E aí, chapa, Juancho, que anda fazendo? Tudo bem? – perguntou Chopo.


– Ah, tudo bem, cara. “Chapulín”, e você e aquela menina, que tal? – 
respondi.

– Tudo bem. E o que você achou desse golpe do governo? – perguntou, com 
uma risada nervosa.

Nesse momento me chamaram para entrar no caminhão, e só consegui fazer 
um sinal de que não entendia a que ele se referia. A frase de “Chopo” ficou ressoando em minha mente, e não demorei muito para deduzir que o golpe do governo estava ligado ao que diziam as notícias sobre Moncada e Galeano, e de alguma maneira tomei aquilo como a confirmação de que a ordem para matá-los poderia, sim, ter partido de meu pai.

Com a pergunta de “Chopo” na cabeça, pensei que não podia ser possível que 
meu pai fosse um amigo tão ruim. Ele me ensinara a importância da lealdade, e era claro que boa parte de seus problemas tinham sua origem no afã de ajudar a seus amigos e resolver os problemas deles.

Não tenho nada para dizer sobre Fernando Galeano, pois nunca o conheci. 
Escutei seu nome e fiquei sabendo de sua existência dentro do cartel apenas quando foi descoberto o escândalo de sua morte.

Assim que tive a oportunidade de falar com meu pai, comentei que estava 
preocupado e não sabia o que estava acontecendo.

– Pai, o que está acontecendo? Estou preocupado. As pessoas e as notícias 
estão dizendo que o “Kiko” está morto. É verdade? O que aconteceu, se vocês eram tão amigos?

– Filho, venha que eu lhe conto, para você não dar bola para isso. Acontece 
que me disseram que “Kiko” e “Galeano” haviam sido capturados pelo cartel de Cali, e os dois foram soltos com vida, mas com o compromisso de não me ajudar a financiar a guerra contra eles, e de cortar todo o apoio econômico a mim e dar informações a meu respeito. Achei que não fosse verdade, pois você sabe que “Kiko” era um grande amigo meu, até que escutei gravações em que um cara do cartel de Cali reclamava que ele continuava me mandando dinheiro.

– Mas e o que “Kiko” fez a você, afinal? – perguntei, já que percebi que meu 
pai estava disposto a falar sobre o assunto.

– Bem, eu ligava para ele todo contente e pedia que viesse até aqui para ver 
os avanços da inteligência contra o cartel de Cali. Contava sobre algumas operações que eu tinha prontas contra Gilberto Rodríguez e “Pacho” Herrera, mas que de um momento para outro iam por água abaixo porque aparecia a polícia e os bandidos de Cali atirando nos meus homens. Na primeira vez em que aconteceu, achei que pudesse ser qualquer coisa, mas na segunda e na terceira comecei a investigar e descobri que ele estava passando essas informações. Deve ter feito isso por medo, porque o “Kiko” nunca foi de armar complôs ou de se meter com gente estranha. Mas, enfim, você sabe o que acontece com quem me apronta uma dessas. Ele era muito querido, um grande amigo, e fiz todo o possível para não ter que tomar essa decisão, mas em vez de vir me contar o que havia acontecido, ele se aliou com os outros. Aconteceu a mesma coisa com Galeano: lhe mandei que lhe pedissem dinheiro, e ele respondeu que andava bastante pobre e não podia mais contribuir comigo, e alguns dias depois o “Tití” apareceu e me contou que descobriu um esconderijo dele com 23 milhões de dólares. Não me peça mais detalhes, essa é a história inteira. “Kiko” e Galeano me traíram com o pessoal de Cali.

Fiquei em silêncio e meu pai foi se reunir com as pessoas que estavam 
esperando por ele, mas antes se virou e disse:

– Cuidado com o Fidel Castaño, se encontrar ele por aí; esse é outro que 
descobri que me traiu e anda trabalhando com os de Cali, e está aproveitando para dizer por aí que mato meus amigos para lhes roubar dinheiro. Fique esperto, e se topar com ele tome muito cuidado, com ele e com o irmão dele, o “Carlitos”.

Em relação aos irmãos Castaño, eu saberia mais tarde que meu pai tentou 
fazer com eles o mesmo que fizera com Moncada e Galeano. Convidou-os a visitar La Catedral ao mesmo tempo, mas Fidel, desconfiado, foi sozinho, enquanto Carlos ficou esperando. Eles nunca mais se falariam, e os Castaño se aliariam ao bando que no fim acabaria com meu pai.

Na tarde de 21 de Julho de 1992, uma terça-feira, meus guarda-costas, alguns 
amigos, meu primo Nicolás (filho de meu tio Roberto) e eu terminamos de jogar uma partida de futebol em um lugar conhecido como “o 20”, próximo à Loma del Chocho, na parte alta do município de Envigado.

Nicolás me convidou para um churrasco em seu apartamento, a cobertura de 
um edifício que ficava a quatro quadras do Centro Comercial Oviedo. Fomos acompanhados por um amigo que estivera na partida de futebol. Às seis horas da tarde, Nicolás recebeu uma ligação em seu celular. Era Roberto, que estava claramente alterado.

– Fique por aí esperando, porque alguma coisa estranha está acontecendo nos 
arredores de La Catedral.

Então passou o telefone para o meu pai:


– Grégory, tem mais soldados que o normal e uma movimentação de 
caminhões militares. Também tem uns helicópteros sobrevoando. Pode ser que aconteça alguma coisa, mas não sabemos o quê.

– Pai, o que faço enquanto isso?


– Ligue para o Giovanni e diga para ir até aí, caso eu precise falar com ele.


O telefonema inesperado nos deixou preocupadíssimos, sobretudo Nicolás, 
que sentiu que seu pai estava se despedindo. Achei que meu pai até estava tranquilo, mas isso não significava muito, porque estávamos acostumados à sua espantosa tranquilidade mesmo nos piores momentos.

Uma hora mais tarde, atendi uma nova chamada no celular de Roberto:


– Juan Pablo, chame meus filhos que quero falar com eles. Acho que vieram 
nos matar, quero me despedir.

– Tio, passe para o meu pai. O que a gente faz? Querem que falemos com 
alguma autoridade?

Meu pai pegou o telefone e pediu que eu passasse para Giovanni, que acabara 
de chegar.

– Giovanni, mande alguém para os aeroportos Olaya e Rionegro para ver se 
tem algum avião gringo lá. Deixe tudo preparado. Se tiver algum avião estranho, espere minhas ordens para destruí-lo.

As primeiras sombras da noite começaram a cair sobre a cidade, e 
continuávamos sem saber o que estava acontecendo. Mas alguns minutos depois Roberto telefonou, e a partir desse momento manteríamos comunicação permanente com ele. Em diálogos curtos com Nicolás, Roberto contou que o Exército havia chegado à entrada da prisão, mas os guardas (na verdade, guarda-costas do meu pai) não deixaram que entrassem e apontaram suas armas contra eles, pois estavam violando território soberano da Direção Nacional de Presídios e os acordos com o governo, segundo os quais os militares só podiam atuar na área externa.

Minutos depois, ele relatou que a situação estava ficando muito complicada, 
e que temia um confronto armado com os solados, pois meu pai havia dado ordens para que pegassem todo o armamento e se entrincheirassem em locais estratégicos do presídio.

Nesse momento, Giovanni já havia constatado que nenhum avião estrangeiro 
aterrissara nos aeroportos próximos naquele dia, e informou isso ao meu pai. Também disse que vários de seus homens estavam alertas, recebendo informações por aparelhos celulares.

Em meio a tal incerteza, decidi tentar uma cartada e pedi a Giovanni que me 
acompanhasse para encontrarmos com o governador de Antioquia, Juan Gómez Martínez, uma autoridade civil que podia saber o que estava acontecendo em La Catedral.

O capanga concordou, e fomos até El Poblado, onde o político morava. No 
trajeto, Giovanni contou algo de que eu não sabia: meu pai ordenara o sequestro de Gómez Martínez quando este era diretor do jornal El Colombiano, mas ele se entrincheirou em sua casa com um pequeno revólver .38 e conseguiu impedir que vinte homens armados com fuzis o levassem.

Diante de tal revelação, me enchi de pessimismo, mas Giovanni pensou que 
poderíamos ter acesso ao governador se ele apresentasse uma carteira de jornalista de uma emissora de Medellín. A idéia deu certo, pois chegamos ao conjunto residencial onde ele vivia e os policiais a postos na recepção nos deixaram entrar imediatamente.

Depois de tocarmos várias vezes a campainha, Gómez Martínez abriu a 
porta. Estava meio adormecido, descabelado e de roupão. Giovanni começou a falar:

– Senhor governador, sou jornalista e viemos até aqui porque está 
acontecendo alguma coisa em La Catedral. Há uma movimentação estranha, e por isso vim com Juan Pablo, o filho de Pablo Escobar.

– Sim, senhor governador, estão muito preocupados por lá, e o senhor sabe 
quem está na prisão. O compromisso do governo era de não transferir os presos.

Gómez Martínez não escondeu a surpresa e certo desagrado pela minha 
presença em sua casa, mas pediu que esperássemos um momento para que averiguasse o que estava acontecendo. Fechou a porta e trancou os dois ferrolhos.

Dez minutos mais tarde, a abriu outra vez e disse que havia telefonado para o 
Palácio de Nariño, em Bogotá, para a Quarta Brigada, em Medellín, e para diversos generais, e não haviam lhe dado qualquer informação. Esclareceu que um general amigo seu havia dito que a operação tinha como objetivo transferir meu pai para uma base militar.

Retornamos ao apartamento de Nicolás e lá ficamos sabendo de diversas 
notícias, todas muito preocupantes. De fato, o Exército havia cercado a prisão, e o vice-ministro da Justiça, Eduardo Mendoza, e o diretor do sistema carcerário, coronel Hernando Navas Rubio, haviam vindo de Bogotá para dizer a meu pai que o governo decidira transferi-lo para outra prisão.

Assim que foi inteirado dessa decisão, meu pai discutiu com o vice-ministro 
e disse que não a aceitaria de maneira alguma. O conflito chegara ao extremo de Mendoza e Navas serem amarrados com cordas, com “Angelito”, “Otto” e “El Mugre” apontando armas para eles. Em outras palavras, os funcionários do governo estavam sequestrados em La Catedral, e o Exército ameaçava entrar atirando. Meu pai disse que Mendoza e Navas eram uma espécie de seguro de vida.

Nesse momento chegou Dora, a esposa de meu tio Roberto, que conseguiu 
entrar em contato com ele pelo celular. Falaram durante alguns minutos, choraram inconsolavelmente e se despediram.

Uma das pessoas que esteve presente naquele momento contou, tempos 
depois, que o nervosismo entre os guardas e os presos era mais que evidente. Então meu pai lhes disse:

– Rapazes, não fiquem nervosos ainda. Só se preocupem se vocês me virem 
amarrando o tênis.

Os homens que o acompanhavam naquela noite entenderam que meu pai 
estava pronto para escapar de La Catedral, pois apoiou o pé esquerdo sobre um muro e amarrou o calçado. Então fez o mesmo com o pé direito.

A confirmação de que meu pai não ficaria em La Catedral chegaria minutos 
depois, quando telefonou outra vez.

– Grégory, olha só, lembra da casinha do Álvaro?


– Claro, pai.


– Tem certeza de que nunca levou ninguém lá?


– Pai, já levei algumas pessoas sim, mas tenho certeza de que é um lugar 
tranquilo.

– Deixe ela pronta.


Minutos depois de desligar, observamos da sala do apartamento de Nicolás 
que, de uma hora para a outra, La Catedral ficou às escuras. Por instruções de meu pai, que a essa altura já havia chegado com os demais fugitivos à cerca do perímetro da prisão, um guarda pressionou o botão que controlava a totalidade do sistema de iluminação da cadeia.

Depois que tudo ficou no escuro, abriram uma fenda em um segmento da 
parede de tijolos que sustentava a grade e saíram por ali. A verdade é que meu pai sempre soube que esse momento poderia chegar, e por isso aquela fuga foi prevista durante a fase de construção da prisão. Por isso, bastou dar dois chutes na parede de tijolos, pois ela fora construída com uma mistura fraca de cimento.

Ficamos um bom tempo sem saber o que havia acontecido com os fugitivos, 
e por isso decidi esperá-lo com Nicolás na casinha de Álvaro. Mas ele nunca chegou.

Àquela hora, meu pai já estava tomando um banho de piscina na propriedade 
do “Memo Trino”, no bairro de El Salado, aonde fora com os nove homens que o acompanharam na fuga. Dali escutaram as explosões e a agitação dos militares que haviam entrado na prisão à sua procura.

Levariam mais de doze horas para confirmar que ele havia escapado.


O padre Rafael García Herreros desempenhou um papel determinante no processo de entrega de meu pai à Justiça.



Nossa vida familiar foi totalmente restabelecida durante o tempo que meu pai esteve em La Catedral.

Durante o ano em que meu pai passou recluso em La Catedral, passávamos todos os fins de semana com ele.








Manancial: Pablo Escobar, meu pai

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