PABLO ESCOBAR, MEU PAI – CAPÍTULO 5: As origens de meu pai
CAPÍTULO 5
AS ORIGENS DE MEU PAI
Palavras por Juan Sebastián Marroquín
– Minha filha, você está disposta a ficar levando quentinhas para o Pablo na prisão pelo resto da vida?
– Estou disposta sim, mãe.
Esse curto diálogo entre Victoria Eugenia Henao Vallejo e sua mãe, Leonor, em 1973, selaria o destino daquela que poucos anos depois seria minha mãe.
Leonor – a família a chamava de Nora –, fez essa pergunta à filha de treze anos porque de alguma maneira havia se dado por vencida; não conseguia acabar com o namoro da filha com Pablo Emilio Escobar Gaviria, um homem onze anos mais velho, malvestido, mulherengo, baixinho, sem um trabalho sério e que, além do mais, não escondia sua inclinação para o crime.
Minha avó Nora queria, na verdade, que Victoria, uma menina bonita, alta, esbelta e que era boa aluna, se juntasse com alguém mais abastado e de família, e não com Pablo, claramente a pessoa menos indicada para ela.
Os Escobar e os Henao chegaram ao incipiente bairro de La Paz em 1964, mas só se conheceriam muitos anos depois. Naquela época, o acesso a essa zona rural do município de Envigado era por uma longa e estreita estrada de terra.
Em Janeiro desse mesmo ano, o Instituto de Crédito Territorial (ICT) – a entidade do governo encarregada de construir moradias populares para famílias de baixa renda –, designou para os Escobar uma casa na última das três etapas da nova urbanização, composta por casas térreas idênticas, com telhados cinza e pequenos jardins com flores das mais vivas cores, mas sem água e sem luz.
A chegada de Hermilda e Abel e seus sete filhos àquele bairro encerrou um longo período de peregrinação iniciado vinte anos antes, quando ela foi contratada como professora na escola primária de El Tablazo, um pequeno povoado frio e brumoso no município de Rionegro, leste de Antioquia, que possui extensos terrenos em que se cultivam amora, tomate-francês e uma grande variedade de flores. Depois de vários meses, Abel, que morava com os pais numa propriedade na parte alta de El Tablazo, a seis quilômetros de distância da escola, ficou vidrado na professora Hermilda – chamaram-lhe a atenção seu porte, a cultura que ela tinha e seu espírito empreendedor. Então ele, agricultor inquieto e solitário, pediu-a em casamento, e ela aceitou imediatamente. Casaram-se no dia 4 de Março de 1946 e ela deixou o magistério, porque assim ditavam as normas da época, e se mudou para morar com o marido na casa dos sogros.
Dez meses depois, no dia 13 de Janeiro de 1947, nascia meu tio Roberto, e em 1 de Dezembro de 1949 seria a vez de meu pai, a quem deram o nome do avô: Pablo Emilio.
Em Abril de 2014 voltei a El Tablazo para recriar algumas passagens deste livro e percorri a propriedade de meu avô Abel, que se mantém de pé, embora notadamente deteriorada. Ainda assim, o passar dos anos não conseguiu apagar a marca que minha família paterna deixou naquele lugar. Do lado de fora, à direita, próximo à entrada, está o quarto que meu pai ocupou, de dois metros de largura por dois e meio de comprimento. A porta de madeira é a mesma, mas me chamou a atenção a cor das paredes porque, apesar da sujeira e do desgaste, ainda se via o tom azul-claro, que seria sua cor predileta em vários momentos da vida.
Minha avó se dedicou incondicionalmente a criar Roberto e Pablo, negando a si mesma, mas Abel não conseguia sustentá-los, porque a propriedade não rendia o suficiente, de modo que meu avô teve de ir procurar emprego. Conseguiu um com o vizinho, um respeitado político de Antioquia, Joaquín Vallejo Arbeláez, que o contratou como administrador de sua fazenda El Tesoro.
Meus avós e seus dois filhos foram morar na propriedade de Arbeláez, que se tornou um verdadeiro protetor para eles. Minha avó Hermilda, que adorava contar suas histórias, me disse uma vez que, quando chegaram para morar com Arbeláez, ele deixou claro que seu administrador era Abel, e que de maneira alguma ela seria sua funcionária. Como minha avó contou, Arbeláez foi muito bom para eles, e por isso o convidaram para ser padrinho de batismo de Pablo. Ele aceitou com gosto, e no dia 4 de Dezembro de 1949 compareceu à cerimônia com sua esposa Nelly, na paróquia de San Nicolás de Rionegro, em Antioquia.
Mas minha avó estava longe de aceitar as penúrias diárias e o aperto econômico, e um belo dia, contra a vontade de Abel, solicitou sua readmissão como professora, em qualquer lugar do estado. Os burocratas de então aceitaram o pedido, mas a castigaram pelo fato de estar casada e mandaram-na para uma escola no município de Titiribí, sudoeste de Antioquia.
Foram todos para lá e, como era costume naquela época, os professores podiam morar nos alojamentos escolares, de modo que os Escobar Gaviria se acomodaram numa pequena casa anexa à escola. Enquanto Hermilda dava aulas, Abel tentava sem sucesso encontrar algum trabalho como agricultor, pintor ou jardineiro.
Mas o longo braço da violência partidária, que eclodia no país após a morte do caudilho liberal Jorge Eliécer Gaitán em Abril de 1948, haveria de alcançá-los naquela inóspita região.
Era o ano de 1952 e o confronto entre liberais e conservadores forçou meus avós a se esconderem várias vezes. Os bandidos chegavam procurando por eles para matá-los, armados com facões. Durante aqueles anos, tiveram de mudar de escola em ao menos quatro ocasiões para fugir dos “chusmeros”. De Titiribí, mudaram-se para Girardota e para outros povoados, onde o perigo era seu café da manhã de todos os dias.
Anos depois, num fim de semana na fazenda Nápoles, minha avó juntou vários netos ao lado da piscina, mandou a gente sentar e contou com detalhes sobre essa época terrível em que estiveram à beira da morte. Ainda comovida, relatou que, numa noite chuvosa e fria, quatro bandidos foram atrás deles, armados com facões, e precisaram se esconder numa das salas de aula da escola e trancá-la à chave para evitar que entrassem lá e lhes cortassem as cabeças, comportamento comum entre os liberais e conservadores naquela época. Aterrorizada, minha avó falou para o marido e os filhos ficarem em absoluto silêncio, não saírem do chão nem irem até as janelas, porque via nas paredes a sombra projetada dos assassinos. Naquele momento, e quando achava que estava tudo perdido, minha avó entregou a vida deles à única imagem religiosa que havia no lugar: a do Menino Jesus de Atocha. Em voz baixa, prometeu que construiria uma igreja em sua honra caso os salvasse aquela noite.
Todos saíram com vida, e a partir daí minha avó se tornou devota do Menino Jesus de Atocha, cuja imagem carregava em todo tipo de santinhos. Chegou até a montar um altar no próprio quarto. A promessa de construir uma igreja em sua homenagem viria a se cumprir muitos anos depois, num dos terrenos que meu pai comprou para seu projeto de habitação popular gratuita chamado Medellín sin Tugurios (Medellín sem Favelas). Ele pagou pela obra e minha avó ficou em paz, pois havia cumprido a promessa que salvara sua vida.
A angústia e a instabilidade finalmente terminaram quando a Secretaria de Educação de Antioquia transferiu minha avó para a escola de Guayabito, em Rionegro, uma velha construção com duas salas, banheiro e uma casa grande onde se acomodaram meus avós e seus filhos, que então já eram seis, pois durante o périplo pelas escolas rurais do estado nasceram Gloria, Argemiro, Alba Marina e Luz María, que se somaram a Roberto e Pablo.
Em Guayabito, Roberto e Pablo cursaram os primeiros anos do primário com a mãe, mas como a escola só ia até a quarta série, foram transferidos para outra maior, dessa vez na zona urbana de Rionegro. Os irmãos Escobar entraram na escola Julio Sanín, mas ela ficava longe e tinham de caminhar duas horas para ir e duas para voltar, muitas vezes descalços, por uma estrada de terra.
Minha avó observava com pesar as agruras dos filhos e resolveu economizar para comprar a primeira bicicleta para Roberto. Foi um alívio. De manhã, quando saíam para a escola, Roberto dava impulso e Pablo subia na garupa. Pouco tempo depois, e por conta das repetidas queixas de Roberto por ter de carregar Pablo, minha avó conseguiu comprar a segunda bicicleta, que resolveu as diferenças.
Com o tempo, Roberto foi se tornando um corredor, e a rivalidade entre os dois cresceu – Roberto morria de raiva porque treinava diariamente, esforçava-se, mas Pablo, que era mais preguiçoso nesse sentido, era quem ganhava todas as corridas.
Essa brincadeira, aparentemente inocente, foi enraizando em Roberto um ressentimento contra Pablo, que se acentuaria depois, quando Pablo de novo ganhou de Roberto em outra corrida: a de quem ficava milionário primeiro. Além disso, Pablo começaria a se encontrar cada vez com mais frequência com seu primo Gustavo Gaviria, que vinha visitá-los e passava os fins de semana na casa.
O destino daria uma guinada inesperada na vida dos Escobar Gaviria quando minha avó Hermilda – de novo contra a vontade de Abel, que queria permanecer no campo – conseguiu ser transferida para uma escola em Medellín. Ela sabia que seus sete filhos – Fernando, o último, já tinha nascido – só poderiam receber uma educação decente na capital de Antioquia, e acionou todas as suas influências e amizades até conseguir a transferência.
Chegaram à casa grande e confortável de minha bisavó Inés – mãe de Hermilda – no bairro Francisco Antonio Zea, em Medellín, onde possuía uma próspera fábrica de corantes. Minha avó começou a dar aulas na escola do bairro de Enciso, um lugar no alto de um morro, habitado por famílias de baixa renda.
Os Escobar Gaviria tinham enfim chegado a Medellín, mas sua peregrinação estava longe de terminar. Com efeito, nos dois anos seguintes, minha avó foi transferida para as escolas Caracas e San Bernadita, e a família teve de se mudar várias vezes.
Até que, em meados dos anos 1960, fincaram raízes no bairro de La Paz. A casa tinha três quartos, um banheiro, sala, cozinha e pátio. Uma vez instalados, acomodaram-se do jeito que deu nos dois primeiros quartos e, no terceiro, o que dava para a rua, meu avô Abel instalou um pequeno negócio, que por falta de clientes acabou fechando alguns meses depois.
Pablo, então, esperto como sempre foi, passou a ocupar esse espaço e o pintou de azul-claro, como seu antigo quarto em El Tablazo; além disso, montou uma pequena biblioteca com as tábuas de madeira que sobraram do fechamento do negócio de meu avô. Nela colocou, perfeitamente ordenados, alguns livros de política, sua coleção de Seleções do Reader’s Digest e textos dos líderes comunistas Vladimir Ilich Ulianov, Lênin e Mao Tsé-tung. Num canto de sua biblioteca improvisada pôs um crânio de verdade.
– Grégory, um dia resolvi que ia enfrentar meus medos e decidi que o melhor a fazer seria entrar num cemitério à meia-noite e tirar um crânio de uma tumba.
Ninguém me enxotou de lá, não aconteceu nada comigo. Depois de limpar, pintei a caveira e coloquei em cima da minha escrivaninha, para usar como peso de papel – meu pai me contou um dia.
Meu pai ia fazer quinze anos quando a família chegou ao bairro de La Paz, e poucas semanas depois ele já estudava no turno da tarde no Liceu de Antioquia, que ficava a meia hora de ônibus de casa.
De noite, encontrava-se com “Rasputín”, os Toro, os Maya e “Rodriguito” na sorveteria La Iguana, onde tomavam café e ele anotava numa cadernetinha os pensamentos que lhes vinham à cabeça.
A camaradagem era tão forte que fundaram os Boy Scouts do bairro, recolhiam dinheiro nos incipientes bailes caseiros, cortavam grama aos Sábados e iam acampar nos fins de semana em um morro na parte alta do bairro.
Também se tornaram assíduos no Teatro Colombia de Envigado; iam duas ou três vezes por semana até lá para ver filmes de James Bond, filmes mexicanos e de faroeste.
Os correligionários tinham a particularidade de fazer piadas muito pesadas entre eles, e todos tinham de aguentar. Meu pai só impunha uma condição: não podiam chamá-lo de anão, banana ou cotoco. Para ele era muito humilhante se sentir baixinho; medir 1,67 sempre foi um carma.
A política bateu à porta do grupo de amigos, que naquela época – especialmente meu pai – tinha como referência mais próxima o processo revolucionário de Fidel Castro em Cuba e o assassinato, em Janeiro de 1961, do líder anticolonial congolês Patrice Lumumba. Meu pai se interessou pela vida deste último e constantemente se referia a sua personalidade marcante.
A agitação mundial se refletia nas universidades públicas de boa parte do país e os estudantes se viram imersos em grandes manifestações de rua. Meu pai compareceu a um desses protestos na Universidade de Antioquia, e nessa noite disse o seguinte para seus amigos na sorveteria La Iguana: “Um dia vou fazer uma revolução, mas uma revolução para mim.”
A birra enorme que meu pai sempre teve da polícia começou naquela época, por causa da maneira como ela reprimia as manifestações estudantis. Tanto que, a partir desse momento, cada vez que uma patrulha passava pelo bairro, ele jogava uma pedra e gritava “policiaizinhos filhos da puta” para eles.
No dia a dia de meu pai já aparecia constantemente a figura de seu primo, Gustavo Gaviria, porque além do mais estudavam no mesmo colégio; por sua parte, meu tio Roberto se dedicou com afinco às corridas de ciclismo e competiu na Volta da Colômbia e em outras provas regionais; também competiu com algum êxito na Itália e na Costa Rica. Ainda assim, não dispunha de dinheiro suficiente para bancar os gastos nas competições, mas conseguiu um patrocínio da loja de eletrodomésticos Mora Hermanos.
Mesmo meu pai evitando falar do assunto, após várias conversas entrecortadas nos esconderijos em que ficávamos, concluí que sua carreira no crime começou no dia em que descobriu a maneira de falsificar os diplomas de formatura do Liceu em que estudava.
Para cometer a fraude, meu pai e Gustavo pediram emprestadas as chaves da sala de professores e secretamente fizeram uma cópia delas, usando um molde de massinha; em seguida, roubaram os diplomas, que então eram expedidos em papel selado, e mandaram fabricar os selos do colégio. Também aprenderam a copiar a letra dos professores para colocar as notas finais, bem como suas assinaturas. Assim, dezenas de jovens se formaram no Liceu de Antioquia sem sequer terem assistido às aulas.
O molho de chaves também serviu para durante um tempo venderem para os alunos o gabarito das provas mais complicadas, como matemática e química. Até que alguém ficou desconfiado das notas altas naquelas matérias e os diretores do liceu modificaram os sistemas de avaliação e mudaram as respostas.
Pablo Escobar já tinha conseguido juntar um dinheirinho e isso o animou a seguir com seus ainda “pequenos” delitos.
Ao mesmo tempo que lucravam com os diplomas falsos, meu pai e Gustavo roubavam laranjas de uma propriedade conhecida como “a dos Negros” – situada muitas ruas acima de La Paz – e as vendiam no mercado ou nas casas do bairro. Em outras ocasiões, passavam por uma vendinha na parte alta da zona urbana e fingiam que tropeçavam para que as laranjas caíssem no chão e rolassem rua abaixo, onde as recolhiam e à noite as vendiam de novo para o dono do estabelecimento.
Foi por aqueles dias que a coleção das Seleções começou a crescer em sua estante. O motivo? Ele pedia que os meninos do bairro pegassem escondidos essas revistas em suas casas e as dessem para ele de presente. Assim, recebia as mais recentes; e falava tão bem e com tantos argumentos que os vizinhos do bairro alugavam-nas para ler aos fins de semana, e depois as devolviam.
Meu pai e os amigos dele começaram a ganhar confiança em cometer delitos, e um dia roubaram o Cadillac do bispo de Medellín, que viera para a inauguração de uma obra no bairro. Um deles estudava no Sena e sabia como ligar um carro sem chave. Conseguiram dar a partida e foram dar umas voltas pelos municípios próximos a Medellín, e quando voltaram perceberam que o bairro estava cheio de policiais procurando o veículo. Então, foram até um lugar entre os bairros de La Paz e El Dorado, no caminho para Envigado, e o abandonaram lá.
Com o dinheiro que economizou durante esse tempo, Pablo deu entrada para a compra de uma Vespa, uma moto italiana modelo 1961, cinza, com a qual do dia para a noite virou o garanhão do bairro; as garotas de repente descobriram um galã apaixonado, de conversa fácil e muito detalhista, mas também exótico ao se vestir, pois não se importava se a roupa combinava ou não; além do mais, gostava de deixar a camisa para fora da calça e dobrar a manga. De vez em quando aparecia pelas ruas do bairro dentro de um poncho de lã branca, parecido ao que anos depois vestia quando recém-chegara ao presídio La Catedral.
A moto ocupava toda sua atenção, mas o dinheiro ainda era curto, e por isso na gaveta de roupas tinha apenas quatro camisas, duas calças jeans e um par de mocassim.
Apesar de tudo e das limitações, Pablo adotou quatro costumes que o acompanhariam pelo resto da vida: um deles era que o primeiro botão da camisa deveria ser abotoado exatamente na metade do peito. Nem mais acima, nem mais abaixo. É curioso, mas já vi dezenas de fotos de meu pai e em todas, sem exceção, ele aparece com o primeiro botão abotoado da camisa no lugar que preferia.
Outro costume era o de sempre cortar o próprio cabelo. Não gostava de barbeiros e havia se acostumado a aparar as pontas com uma tesoura. Nunca foi a um barbeiro, e só permitiu que minha mãe cortasse o cabelo dele algumas poucas vezes; ela insistiu em diversos momentos para chamarem urgentemente um cabeleireiro, mas ele nunca aceitou.
O terceiro costume era usar o mesmo tipo de pente para o cabelo. Era um pente de tartaruga pequeno, e o mantinha sempre à mão no bolso da camisa. Ajeitar com frequência o penteado durante o dia era uma das poucas demonstrações de vaidade de meu pai; não seria exagero dizer que num dia normal sacava o pente pelo menos umas dez vezes. Sua fixação com o pente de tartaruga era tal que, anos depois, na época da abundância, mandava trazerem até quinhentos deles dos Estados Unidos de uma vez.
E o quarto hábito era tomar banhos demorados. Era impressionante. Como estudava de tarde e ficava até altas horas da noite com os amigos, acostumou-se a acordar depois das dez horas da manhã. Ficava até três horas debaixo do chuveiro. Essa rotina não mudou nem nas piores épocas, quando vivia de esconderijo em esconderijo, com a sombra de seus inimigos muito próxima. O simples ato de escovar os dentes durava no mínimo quarenta e cinco minutos, e sempre com uma escova para crianças.
Anos depois, eu brincava com ele por causa da demora na escovação dos dentes, mas ele respondia:
– Filho, vivendo na clandestinidade eu não posso me dar ao luxo de ir ao dentista... Você, diferente de mim, pode.
Quando meu pai e Gustavo ainda começavam pouco a pouco a se envolver em assuntos obscuros, minha avó convenceu o filho a tentar prestar vestibular para a faculdade de ciências contábeis da Universidade Autônoma de Medellín. Passou sem muita dificuldade, mas só permaneceria ali até meados do primeiro semestre, quando decidiu sair porque estava farto das dificuldades econômicas de sua família e da falta de dinheiro em seu bolso.
Então, meu pai se dedicou em tempo integral a seu grupo de amigos, com quem passava muitas horas na sorveteria La Iguana. Nessa época, para eles, ver passar as mulheres do bairro ficara mais interessante do que falar de política.
A música começou a ocupar um lugar importante em seu dia a dia. Era o ano de 1970 e Pablo se deleitava com os ritmos alegres e contagiosos das orquestras Billos Caracas Boy’s, Los Graduados e a recém-formada banda de Fruko y sus Tesos; também gostava de ouvir Piero, Joan Manuel Serrat, Camilo Sesto, Julio Iglesias, Miguel Bosé, Raphael, Sandro, Elio Roca, Nino Bravo e seu ídolo máximo, Leonardo Fabio. Mas houve uma música que escutou numa noite na La Iguana pela qual durante muito tempo sentiria uma devoção especial. Trata-se de “En casa de Irene”, uma canção pop interpretada pelo italiano Gian Franco Pagliaro.
O bairro de La Paz crescia a cada dia, e as festas de garagem nos fins de semana ficaram famosas porque os rapazes de Medellín terminavam suas farras por lá, atraídos também pelas sorveterias, que não fechavam.
Porém, logo as festas acabariam dando problema, porque Pablo se enfurecia com a chegada de jovens bem vestidos em carros luxuosos, que tiravam as meninas do bairro para dançar. E mesmo quando não estava de namorico com nenhuma delas, ficava com muita raiva de os “rapazes bonitos” de Medellín arrastarem as asas para as moças de La Paz. A turma de Pablo atirava pedras nos carros dos visitantes e as confusões sempre terminavam em brigas, com cada bando se juntando numa esquina e de lá atirando nos rivais todo tipo de coisa, incluindo cadeiras e garrafas.
Vários conflitos desses ocorreram com a conhecida Gangue dos Onze, um grupo encabeçado por Jorge Tulio Garcés, um jovem rico que chegava bancando o Don Juán para levar consigo as moças em seu carro conversível. Até que uma noite Jorge Tulio chegou sem ser convidado a uma festa de quinze anos, e aquilo foi a gota d’água para meu pai. Furioso, ele se aproximou do forasteiro e disse:
– Olha aqui, seu riquinho filho da puta, você acha que só porque tem um carro desse pode sair levando as gostosinhas do bairro?
A confusão estava armada. Foi uma pancadaria só entre os dois, que terminou quando Jorge Tulio acertou um soco no nariz de Pablo que o fez cair no chão.
Não muito tempo depois, Pablo teve uma desavença com Julio Gaviria, um homem que costumava ir ao bairro para dançar, mas sempre bebia demais. Uma noite, Gaviria chegou a uma festa e fez um escândalo porque uma jovem se negou a dançar com ele. Pablo estava lá e, sem pensar duas vezes, sacou um revólver muito pequeno, que comportava cinco balas, e deu um tiro no pé dele. Gaviria o denunciou e pela primeira vez Pablo recebeu um mandado de prisão e foi encarcerado, mas por poucos dias, pois Gaviria retirou a queixa e Pablo foi solto.
Para confirmar que o episódio não havia ficado registrado em sua ficha nos órgãos de investigação, no dia 2 de Junho de 1970 ele foi à sede do Departamento Administrativo de Segurança, o DAS, em Medellín, e requisitou o certificado judicial, que foi expedido quase imediatamente. Assim que o recebeu, escreveu na última página: “Caso este documento seja extraviado, favor ligar para Pablo Escobar no telefone 762976.”
Enquanto isso, o dia a dia de Pablo transcorria ao lado de Gustavo, sempre em busca de algum negócio ou delito para terem dinheiro no bolso. Um dia, roubaram um caminhão carregado de sabonetes Rexona e Sanit K, que venderam a varejo e pela metade do preço das lojas do bairro. Com o dinheiro que conseguiram pela venda dos sabonetes, trocaram imediatamente a Vespa por outra motocicleta italiana, uma Lambretta modelo 1962, placa A-1653, na qual os passeios com as garotas do bairro se tornaram mais frequentes.
A necessidade de dinheiro levou-os um dia a se tornar vendedores de lápides, aqueles pequenos blocos que são colocados na frente dos túmulos nos cemitérios, com o nome dos defuntos. O negócio era atraente porque o pai de Gustavo era proprietário de uma fábrica que fazia lápides e relevos, e isso lhes dava uma boa margem de lucro.
Os dois sócios iam de Lambretta visitar os clientes em povoados próximos a Medellín e levavam lápides de amostra. Claro que não demoraram a descobrir que seria mais lucrativo comprar as lápides dos coveiros de cada local, os quais certamente as roubavam à noite e as ajeitavam para parecerem novas.
Entre as lápides do negócio do pai de Gustavo e as que traziam usadas para gravar os nomes de novos mortos, não demorou a correr o rumor em La Paz de que Pablo e Gustavo roubavam lápides de cemitérios, gravavam novos nomes e depois as vendiam.
O boato foi tão forte que um dia o pai de uma vizinha muito próxima à família Henao faleceu, e Pablo foi oferecer a lápide de presente. A viúva se negou a aceitar, e, embora não lhe tivesse dito nada na hora, depois comentou que não colocaria uma lápide roubada no túmulo do marido.
Pablo e Gustavo deixaram enfim o negócio das lápides porque não era tão rentável quanto desejavam. Essa constante busca por alternativas levou meu pai a pronunciar uma frase que muitos dos que integraram seu grupo de amigos não esqueceriam nunca. Foi numa noite em que conversavam na sorveteria La Iguana; num tom sério, decidido, Pablo disse a eles: “Se eu não tiver conseguido 1 milhão de pesos até completar trinta anos, eu me suicido.”
Decidido a bater essa meta o quanto antes, ele e Gustavo se dedicaram a roubar as bilheterias dos teatros e cinemas no centro de Medellín. As salas de cinema El Cid, La Playa, o Teatro Avenida, o Odeón e o Lido foram vítimas dos dois sócios, que, pistola em mãos, levavam todo o dinheiro arrecadado.
O segundo passo que deram foi começar a roubar carros. E o faziam de várias maneiras. Uma delas consistia em levar veículos novos, recém-saídos da concessionária. O cúmplice era um despachante, que legalizava os documentos do novo dono e tirava escondido uma cópia da chave do carro e a entregava a meu pai. Quando o desprevenido proprietário recebia o carro, seguiam-no até sua casa, esperavam que ele o estacionasse e minutos depois levavam o veículo.
Outra modalidade de roubo que usaram muito foi a troca de carros novos por outros para os quais as seguradoras haviam declarado perda total. Meu pai e Gustavo compravam esses veículos “sinistrados”, isto é, estropiados, e os levavam a uma mecânica onde tiravam as plaquetas de identificação. Depois, roubavam um veículo novo e colocavam nele os registros numéricos do antigo.
Mas também utilizavam formas muito simples para roubar os carros; se a atividade não fosse um crime, qualquer um morreria de rir com elas. Como por exemplo a vez em que meu pai viu um senhor com um carro estacionado no meio da rua, perguntou qual era o problema e se ofereceu para consertá-lo. A seguir, disse que ficaria ao volante para tentar dar partida e pediu que o inocente dono empurrasse. Nesse momento arrancou e foi embora com o veículo.
Com o dinheiro que ganhavam roubando carros, meu pai e Gustavo compraram um barulhento Studebaker azul-escuro de teto branco, modelo 1955, com o qual ampliaram seu clube de fãs no bairro; os passeios de fim de semana com meninas e as longas viagens do grupo de amigos se tornaram um costume.
Conversei com vários dos correligionários de meu pai daquela época e eles lembram de uma viagem que fizeram até o município de Piendamó, no estado do Cauca, para ver se era verdade que uma virgem havia aparecido para uma menina em sua casa. Era Maio de 1971 e o país inteiro estava comovido com o suposto milagre. Minha avó Hermilda ficou entusiasmada com o motivo da viagem e pediu para ele trazer um pouco de água benta.
A peregrinação em Piendamó era de fato enorme e ele encheu uma garrafa com uma água que recolheu próximo ao local onde a imagem supostamente havia aparecido. Contudo, na volta, quando já estavam por chegar à serra de Minas, já muito perto de Medellín, o Studebaker esquentou e tiveram de despejar aquela água no radiador. Para não ficar mal, meu pai encheu novamente a garrafa com água de um rio e a entregou para minha avó, que ficou convencida de que o líquido era abençoado.
Poucos dias depois de voltar do Cauca, meu pai e Gustavo assinaram um contrato temporário com a Carvajal S.A. para distribuírem 3 mil listas telefônicas em Envigado e recolher as do ano anterior. Não demorou para serem reconhecidos como os melhores naquilo, pela velocidade com que realizavam o trabalho, mas ninguém percebeu que eles saíam entregando as listas indiscriminadamente, sem nem olhar os endereços.
Como ganhar dinheiro era sua prioridade, tiveram a ideia de arrancar metade das páginas das listas antigas para vendê-las como reciclagem. Isso lhes dava mais rendimentos do que a entrega das listas novas, mas o trabalho duraria apenas doze dias, porque alguém na Carvajal descobriu que as pilhas de listas telefônicas despencavam, porque todas estavam pela metade. O contrato que tinham foi cancelado.
Cometer crimes havia se tornado o pão de cada dia de meu pai e de seu primo Gustavo, e em pouco tempo já eram proprietários do Studebaker e de duas motos Lambretta.
A bonança econômica começava a ser mais visível, e o dinheiro foi enfim suficiente para ele abrir sua primeira conta poupança no Banco Industrial Colombiano, o BIC. Em Fevereiro de 1973, fez seu primeiro depósito, de 1160 pesos, que na época equivaliam a cinquenta dólares. Em Novembro, depositou mais 114.062 pesos, ou seja, 4740 dólares. Começava a ter uma boa condição econômica.
No fim desse ano, meu pai viu na rua uma jovem alta, esbelta, bonita e de pernas compridas, que vestia calças curtas – também chamados de shorts ou calções esportivos –, e cuja família havia chegado alguns anos antes ao bairro. Tinha treze anos, chamava-se Victoria Eugenia Henao Vallejo, estudava no colégio El Carmelo no município vizinho de Sabaneta, e era a sexta de oito irmãos, cinco mulheres e três homens.
Os Henao tinham talvez a melhor situação econômica do bairro de La Paz: Nora, a mãe, tinha uma próspera loja onde vendia tecidos para uniformes escolares, camisas, calças, eletrodomésticos, material escolar e loções que trazia da longínqua zona franca de Maicao, na fronteira com a Venezuela; Carlos Emilio, o pai, vendia docinhos numa caminhonete Ford do final dos anos 1950, muito bem cuidada. Os doces eram produzidos pela empresa La Piñata e por isso as Henao eram conhecidas no bairro como “as piñatas”.
Meu pai tinha 24 anos, onze a mais que ela, mas ficou tão encantado que dias depois soube que a melhor amiga de Victoria era Yolanda, de modo que foi procurá-la e pediu ajuda para convidar a amiga para sair. Nenhum dos dois sabia que naquele momento estavam prestes a iniciar um relacionamento intenso, cheio de bons e maus momentos, de fato mais maus que bons, que terminaria somente vinte anos depois, com a morte dele.
A estratégia funcionou, e meus futuros pais começaram a se encontrar às escondidas, embora o contraste entre os dois chamasse a atenção – ela era mais alta que ele e tinha um porte esbelto, pois nadava mil metros em piscinas olímpicas toda semana e andava de patins com muita frequência.
No começo, encontravam-se aos Sábados, das sete às nove horas da noite, tendo como cúmplices Yolanda e o grupo de amigos de meu pai. Durante a semana não se viam porque ele dizia que viajava a negócios. Ela ainda não desconfiava que seu pretendente andava por maus caminhos.
Yolanda foi o cupido da relação, que rapidamente encontrou uma opositora ferrenha: Nora, a mãe de Victoria, que ficou furiosa quando lhe disseram que a filha estava saindo com um tal de Pablo Escobar, mais velho que ela, mulherengo, sem ocupação definida, mal relacionado, um delinquente em potencial. O pai da menina e Mario, um dos irmãos, que além do mais já conhecia Pablo e tinha certo contato com ele, também não ficaram contentes com a coisa toda.
O casal continuou se encontrando apesar da dura oposição de minha avó Nora, que começou a opor obstáculos, como só deixar Victoria permanecer nas festas do bairro até certa hora e acompanhada dos irmãos. Entretanto, Pablo não iria se render, e começou a encher a moça de presentes, que eram enviados por intermédio de Yolanda. O primeiro foi um relógio de marca que ele usava, e depois um anel de pérolas com pedras turquesas que comprou numa joalheria de Medellín por 1600 pesos, uma fortuna na época.
Mas Nora não cedia, e suas dúvidas sobre o pretendente da filha só aumentavam a cada dia.
– Minha filha, para que se emperiquitar tanto e ficar tão bonita se você vai andar por aí com um rapaz que parece mais um motorista – disse certa vez.
– Fale para ele deixar o poncho em casa, porque aqui não vai entrar daquele jeito – disse meu avô Carlos.
– Trate de lembrar que você precisa respeitar muito a minha filha, porque dessa porta você não passa – Nora disse uma vez, quando permitiu enfim que ele deixasse minha mãe em casa, depois de saírem juntos numa tarde de Sábado.
A relação começou a ficar séria e os encontros se tornaram mais frequentes. Pablo se ofereceu para ensiná-la a dirigir em seu Renault 4 amarelo-mostarda – que logo trocou pelo Studebaker. E, muito à sua maneira, levou-a várias vezes para lugares perigosíssimos, inclusive alguns com precipícios, sempre terminando os passeios subindo pela estrada Las Palmas até o El Peñasco, um restaurante de beira de estrada que tinha uma imponente e romântica vista de Medellín.
Nunca pensei em perguntar a minha mãe por que ela se apaixonou por meu pai – até agora, quando estava terminando de escrever este livro. Foi uma paixão tão grande que a levou a perdoá-lo por tudo o que fez. Depois de pensar por um instante, ela respondeu:
– Por causa daquele sorriso maroto dele. Do olhar. Me apaixonei porque ele era muito romântico. Era um verdadeiro escritor e poeta comigo, muito detalhista; me conquistava com músicas românticas, sempre me dava discos de presente. Era muito de abraçar, muito carinhoso. Um grande sedutor. Um amante da natureza. Me encantei pela vontade que ele tinha de ajudar os outros e pela compaixão que sentia pelos dramas que as pessoas viviam. Quando já estávamos namorando, percorríamos no carro dele os lugares onde ele sonhava em construir universidades e escolas para os mais pobres. Do primeiro até o último dia em que estivemos juntos, nunca me insultou ou maltratou; sempre foi um cavalheiro comigo, até o fim.
O romance incipiente foi interrompido no segundo semestre de 1974, quando a polícia prendeu meu pai num Renault 4 que ele havia roubado de um depósito. Levaram-no para a prisão de La Ladera, onde conheceria uma figura-chave em sua carreira no crime: Alberto Prieto, o grande capo do contrabando da época, conhecido pelo apelido de “O Padrinho”.
Meu pai encontrara um personagem poderoso que ganhou uma fortuna contrabandeando uísque, cigarros, eletrodomésticos e outros produtos que trazia da fronteira de Urabá para vender em Medellín e em outros lugares do país. Mas também descobriu que seu companheiro de cela tinha contatos na classe política de Antioquia e se gabava de suas relações com congressistas e juízes de Bogotá.
Nos poucos meses que esteve detido, porque logo foi solto, meu pai se tornou amigo do “Padrinho” e aprendeu o negócio dele. Nunca falou desse assunto comigo, mas em minha pesquisa para escrever este livro soube que ele deu um jeito de sumir com as evidências do roubo do Renault 4 e por isso o juiz se viu obrigado a arquivar o processo.
Semanas depois, meu pai reencontrou o “Padrinho” – que também saíra da prisão – e ele ofereceu a meu pai o trabalho de escoltar os caminhões que traziam sua mercadoria de Urabá. Meu pai aceitou, com a condição de que seu primo Gustavo pudesse participar com ele. Em pouco tempo os dois fizeram fama no meio dos contrabandistas pela ousadia e pelo sangue-frio na hora de resolver problemas. Como na vez em que a polícia apreendeu cinco caminhões carregados com cigarros Marlboro quando saíam de Urabá, e meu pai e Gustavo foram até lá e os recuperaram em menos de 24 horas.
Guiados pelo “Padrinho”, meu pai e Gustavo se viram de repente num mundo em que os crimes menores não existiam mais, e a morte era um assunto comum e frequente. Esse ambiente obscuro e cada vez mais pesado levou meu pai a cometer seu primeiro assassinato. Há várias versões desse fato; mas os que acompanharam de perto o ocorrido me contaram que um homem cujo sobrenome era Sanín se autos-sequestrou e ficou trancado numa propriedade perto de Envigado, para tentar que seu irmão, um contrabandista milionário, pagasse o resgate.
Meu pai e meu tio Mario haviam aceitado participar do crime e por isso sabiam do plano; enquanto o primeiro ia recolher o dinheiro do contrabandista, o segundo ficaria acompanhando o suposto sequestrado. Por um azar terrível a polícia acabou indo até o local, pois alguns vizinhos ligaram para relatar movimentações estranhas. Sanín não pensou duas vezes e, sem a menor vergonha, disse para os policiais que havia sido sequestrado e que Mario, que estava com ele, era um dos responsáveis. Assim, meu tio acabou indo para a cadeia, onde ficou nove meses, mas meu pai não perdoou o ocorrido e uma noite seguiu Sanín até um prédio em Medellín, e, quando entrava na garagem, meu pai atirou várias vezes nele. Provavelmente esse foi o primeiro caso de um pistoleiro de moto na história de Medellín.
Enquanto isso, o “Padrinho”, satisfeito com os serviços de meu pai e Gustavo para a proteção de suas rotas de contrabando, deu-lhes outra responsabilidade: guiar caravanas de trinta a cinquenta veículos carregados de mercadorias que saíam do porto de Turbo, em Urabá, e iam até Medellín. O carregamento do “Padrinho” chegou a salvo depois de passar sem problema algum pelos controles da polícia, da Marinha e da Alfândega de Antioquia, graças à astúcia de Pablo e Gustavo.
Foi nessa época que minha mãe começou a sofrer com as contínuas ausências de meu pai, que desaparecia por vários dias e depois voltava com algum presente, sem dar maiores explicações. Chamou-lhe a atenção que de uma hora para outra começou a trazer cobertores de lã estampados com quatro tigres, feitos à mão por indígenas do Equador.
O que minha futura mãe não sabia naquele momento era que Pablo havia enfim descoberto o negócio que o tornaria milionário em pouco tempo: a cocaína.
Com efeito, conforme me contaram muitas pessoas que viveram naquela época ao lado dele, a proximidade com o “Padrinho” o levou a descobrir que em algumas casas de fazenda dos municípios de Caldas, La Estrella, Guarne e San Cristóbal, todos perto de Medellín, existiam pequenos lugares em que se processava uma pasta trazida do Equador, do Peru e da Bolívia, que ia se transformando num pó branco chamado cocaína.
Inquieto, meu pai logo localizou Atelio González, um homem já mais velho, e perguntou-lhe como poderia se envolver no negócio. Atelio contou que era responsável por um desses lugares, conhecido como “cozinha”, onde misturava o produto trazido de fora do país com algumas substâncias químicas, como éter e acetona, e o fervia em altas temperaturas para secá-lo. Disso resultava a cocaína.
O interesse de meu pai pelo assunto levou-o a descobrir rapidamente que os donos nas cozinhas eram três figuras absolutamente desconhecidas, que vendiam a cocaína para compradores que chegavam de avião dos Estados Unidos.
Tendo se inteirado do básico do negócio, meu pai não teve dúvidas: convocou Gustavo e partiram para a primeira viagem de carro até o porto de Guayaquil, no Equador, onde compraram os primeiros cinco quilos de pasta de cocaína. Para driblar a fiscalização na fronteira pela ponte Internacional Rumichaca, haviam mandado construir previamente um compartimento secreto em cima do tanque de gasolina do Renault 4 de meu pai.
Atelio González processou os cinco quilos de pasta e deles tirou um quilo de cocaína, que venderam a um comprador por 6 mil dólares. A partir desse momento, tudo ficou para trás: o roubo de carros, a entrega de listas telefônicas e as complicadas viagens para trazer o contrabando de Urabá. Meu pai e Gustavo acabavam de entrar para o tráfico de drogas. Como costumava acontecer com eles, não demoraram a montar sua própria cozinha numa fazenda próxima, da qual tornaram meu tio Mario – que ainda não estava de acordo com a relação entre Pablo e sua irmã Victoria – seu encarregado, e arrumaram alguém que lhes vendesse os produtos químicos necessários – em algumas ocasiões, tiveram de esconder essas substâncias nos laboratórios da escola de La Paz, com a ajuda de Alba Marina, sua irmã, que lecionava lá.
As viagens ao sul do país foram ficando muito frequentes, até que chegaram à província equatoriana de La Loja, na fronteira com o Peru, onde conheceram vários distribuidores de pasta de coca e se associaram a Jorge Galeano, um homem de Antioquia que tinha acabado de entrar no negócio e com quem começaram a trazer maiores quantidades de pasta, mas sempre em carros e correndo o risco de serem parados na fronteira, onde de vez em quando pequenos carregamentos da substância eram apreendidos.
Meu pai progredia lentamente no tráfico de cocaína e, embora acidentada, a relação com minha mãe continuava de vento em popa. Ela ficava furiosa com as viagens inesperadas e porque ele sempre arranjava uma desculpa para esconder suas verdadeiras motivações. Quando minha mãe completou quinze anos, em Setembro de 1975, tiveram uma briga grande, porque meu pai desapareceu por uma semana. Ele arruinou uma comemoração que para ela era importante. Depois soube que ele havia ido para o Equador.
Nesse ano, tendo processado e vendido uns bons quilos de cocaína, meu pai cumpriu com louvor sua antiga aspiração de ser rico antes dos trinta anos. Tinha 26 quando pediu a seu grupo de amigos que o acompanhassem até o Banco Industrial Colombiano, o BIC, no município de Sabaneta, para depositar não 1, mas 100 milhões de pesos em cheque (3.225 milhões de dólares).
Embora a situação econômica de meu pai melhorasse a cada dia, boa parte da família de minha mãe permanecia contra o romance entre os dois, ferozmente.
Minha avó Nora continuava pensando que Pablo não era o homem adequado para a filha, e por isso se opunha a seus encontros e tentava convencê-la de todas as maneiras possíveis a terminar com ele.
Até que uma saída proibida daria um rumo definitivo à relação.
Na tarde de um Sábado no fim de Março de 1976, meu pai deu um jeito de avisar Victoria que iria viajar e a convidou para se despedirem na sorveteria El Paso, não muito longe de sua casa. Ela pediu permissão à mãe, mas ela lhe disse para não sair, para deixar que ele fosse embora. Ansiosa por vê-lo, minha mãe saiu escondido e lhe contou o que havia ocorrido. Então meu pai se irritou profundamente com a sogra intransigente por não ter permitido que minha mãe fosse se despedir dele, já que sua viagem duraria vários meses; assim, ele resolveu arriscar tudo e disse que daquele jeito não conseguiriam desfrutar de sua relação, e propôs que fugissem para Pasto e se casassem lá. Minha mãe disse imediatamente que sim, sem pestanejar. Partiram e passaram a noite na casa de Gustavo Gaviria e sua esposa, que prontamente lhes deram abrigo. Já na casa de Gustavo, souberam que meu tio Mario estava furioso, procurando meu pai para matá-lo por levar “a menina”, como se referia à irmã, para o mau caminho. Então, decidiram ir para Pasto, e a única maneira de fazê-lo era viajar de avião até Cali e esperar a conexão. No bairro de La Paz, o alvoroço era geral. Desesperada, a família Henao interrogava a todos, até que alguém lhes disse que os fugitivos haviam viajado até Cali e que a saída para Pasto demoraria seis horas. Minha avó Nora ligou para a mãe dela, Lola, que morava perto da catedral de Palmira, e pediu-lhe que fosse até lá e os impedisse de partir.
Alfredo e Rigoberto, dois dos melhores amigos de meu pai, já haviam saído em direção a Cali numa caminhonete, com a esperança de encontrá-los. Assim aconteceu, e quando chegaram ao aeroporto viram minha bisavó com o casal e foram testemunhas do momento em que Pablo a convenceu de que queria se casar.
As palavras de meu pai foram tão convincentes que minha bisavó disse para irem a Palmira, pois tinha certeza de que conseguiria convencer o bispo de lá a casá-los. Ela era próxima dos religiosos porque há anos morava ao lado da catedral, e além do mais costumava visitar todos os presos e as pessoas mais pobres, oferecendo-lhes ajuda. Assim, não foi difícil conseguir a autorização, e Victoria e Pablo se casaram, sem nenhuma pompa. Minha mãe teve de usar por vários dias a mesma calça verde-militar de terlete – um tecido elástico que dispensava o ferro de passar – e um suéter laranja e bege que vestia quando fugiu de casa. Sem nunca abandonar o costume de fazer piadas pesadas entre si, os amigos Alfredo e Rigoberto deram o único presente de casamento que o casal recebeu: votos por escrito que tinham um tom de pêsames: “Pela péssima decisão que acabam de tomar.”
Os recém-casados passaram a lua de mel num quarto da casa de minha bisavó, e uma semana depois voltaram para o bairro de La Paz e se hospedaram por vários meses num pequeno quarto de uma casa que meu pai emprestara a minha tia Alba Marina.
Minha mãe sempre soube que meu pai adorava banana frita, e sempre que podia preparava o prato do jeito que ele gostava: a banana cortada em quadradinhos e mexida com ovo e cebolinha. Completavam a refeição arroz branco, carne assada e salada de beterraba, sua preferida. Para acompanhar, um copo de leite gelado e uma arepa redonda, pequena e grossa.
Embora minha mãe se feche e não goste de falar do assunto, como eu poderia não mencionar as muitas infidelidades de meu pai, que continuaram poucas semanas depois do casamento? Os rumores sobre suas andanças com mulheres chegavam aos ouvidos dela, que sofria e chorava em silêncio, mas ele, jeitoso, tranquilizava-a dizendo que era a mulher de sua vida, que o casamento deles duraria para sempre, e que ela não devia ligar para todas aquelas pessoas malintencionadas e invejosas que queriam vê-los separados. Em parte foi verdade: meu pai e minha mãe ficaram juntos até que a morte os separou, mas ele sempre foi infiel.
Um de seus primeiros romances paralelos foi com a diretora do colégio do bairro; depois, esteve por vários meses com uma morena jovem e bonita, viúva de um ladrão famoso. Conquistar mulheres era uma espécie de desafio para meu pai, que não deixava passar uma oportunidade de seduzi-las. Como na noite em que uma famosa empresa de Medellín fez uma festa de confraternização no salão Antioquia do hotel Intercontinental, à qual meu pai e várias de minhas tias compareceram. À meia-noite deu um jeito de que minha mãe voltasse para casa e continuou lá, dançando. Uma hora depois, já estava muito afetivo com a esposa de um de seus trabalhadores, o que levou à ira uma de minhas tias, que não hesitou em lhe dar uma bofetada.
Mas a relativa tranquilidade com que viviam em seu lar foi quebrada subitamente no dia 7 de Junho de 1976, quando meu pai recebeu uma ligação em que um de seus trabalhadores lhe informou que os agentes do DAS haviam interceptado o carregamento de cocaína que estavam trazendo do Equador num caminhão, mas o tranquilizou porque, segundo ele, os detetives estavam dispostos a receber dinheiro para deixar o caminhão chegar até Medellín. Meu pai confiou e aceitou o trato, e ficou esperando os homens chegarem à cidade para pagar o suborno.
Às cinco horas da manhã do dia seguinte, meu pai soube que os agentes do DAS o aguardavam numa sorveteria do La Mayorista, o mercado central de Medellín, para receberem o dinheiro. Meu pai ligou para meu tio Mario e pediu que ele o acompanhasse, e este por sua vez entrou em contato com Gustavo e ficaram de se encontrar no local indicado. Antes de entrarem, meu pai contou dentro do carro os 5 mil dólares com que se propunha a comprar o silêncio dos investigadores.
Mas era tudo uma armadilha; longe de se deixar subornar, os agentes tinham era montado uma emboscada para capturar toda a gangue em flagrante e apreender os oito quilos de pasta de coca escondidas dentro do estepe do caminhão. Assim, esperaram que meu pai oferecesse os dólares e naquele instante disseram que ele, Mario, Gustavo e os dois motoristas do caminhão estavam presos por tráfico de drogas e tentativa de suborno.
Foram imediatamente levados para a carceragem do DAS em Medellín, onde passaram a noite, e na manhã seguinte foram transferidos para a prisão Bellavista, no município de Bello, ao norte de Medellín. No registro de entrada da penitenciária meu pai foi identificado com o número 128482 e tiraram uma foto sua em que aparece sorrindo, talvez por ter certeza de que sua estadia ali
seria curta.
No entanto, os primeiros dias naquela prisão foram muito difíceis para meu pai, Mario e Gustavo, porque começou a correr o rumor de que eles eram agentes infiltrados da polícia que procuravam informações sobre as gangues ou pequenas facções que mandavam e desmandavam nos distintos pátios da penitenciária. O boato foi tão longe que alguém lhes disse que seriam atacados em breve durante a noite.
Contudo, as coisas mudaram de repente quando um homem detido ali, e que conhecia meu pai, esclareceu para os demais detentos que eles não eram “P-2”, e disse para deixarem-nos em paz. Assim ocorreu, e o perigo se foi. O inesperado benfeitor era Jorge “Negro” Pabón, um criminoso que cumpria uma pena curta e que de fato sabia quem era meu pai. Os dois dariam início ali a uma relação muito próxima, e anos mais tarde Pabón teria um papel-chave nos cartéis de Cali e Medellín.
Mesmo com a intervenção do “Negro” Pabón, que melhorou a situação carcerária de meu pai e de Mario e Gustavo, a verdade é que Bellavista era uma prisão muito hostil e perigosa. Foi lá, naquele ambiente terrivelmente malcheiroso e superlotado que minha mãe descobriu que estava grávida. Foi num dia de visita, quando estava indo vê-lo junto com a esposa de Gustavo e minha tia Alba Marina e começou a vomitar na fila da entrada.
Meu pai recebeu com grande alegria a notícia da gravidez de sua esposa, mas seu confinamento, que já lhe parecia longo demais, e as limitações econômicas forçaram minha mãe a voltar para a casa de sua família e abandonar a residência no bairro de Los Colores, pois não tinha dinheiro suficiente para continuar se mantendo ali.
Desesperado com o confinamento e com o regime restrito da prisão de Bellavista, meu pai pediu a seu advogado que fizesse o que fosse necessário – suborno inclusive – para que ele fosse transferido para outra prisão. A manobra da defesa foi efetiva, pois dias depois ele e Gustavo foram levados para uma casa de fazenda em que funcionava a prisão estadual de Yarumito, no município de Itagüí. Lá, as coisas melhoraram substancialmente, porque minha mãe e minha avó podiam ir todos os dias levar café da manhã e almoço para meu pai, mas mesmo assim ele não queria continuar preso. Um dia tomou coragem e resolveu fugir, escondendo-se na casa de um vizinho no bairro de La Paz. Escapou durante um jogo de futebol e com a cumplicidade de alguns dos jogadores, a quem pediu que chutassem a bola cada vez mais forte e para mais longe para ele fingir que iria buscá-la e fugir.
As coisas eram muito diferentes nessa época na Colômbia, e o diretor da prisão logo ligou para minha avó e contou que Pablo fugira; depois, pediu-lhe que o convencesse a voltar, garantindo que não sofreria punições. Algumas horas depois, Pablo ligou para a casa de minha avó Hermilda, que lhe disse para parar de fazer minha mãe sofrer, pois ela, grávida de três meses, estava só com quarenta quilos, se tanto; a seguir, meu pai ligou para minha mãe, que suplicou que ele voltasse à prisão imediatamente. Ele concordou e naquela mesma noite se apresentou na prisão, onde foi recebido pelo diretor.
Apesar das boas condições da prisão de Yarumito, meu pai estava muito preocupado porque a juíza do caso, Mariela Espinosa, se mostrava empenhada em condenar todos eles porque as provas eram contundentes.
Então combinaram com o advogado que ele moveria uma ação que viria a ser fundamental: pedir a transferência do processo para a cidade de Pasto, na fronteira com o Equador, onde o DAS havia interceptado o caminhão com pasta de coca. O Tribunal Superior do estado de Nariño deu razão ao advogado de defesa de meu pai, que argumentara que a coca havia sido comprada naquela cidade do sul do país e por isso o processo deveria ser julgado lá. Assim, os magistrados ordenaram a transferência imediata dos detentos para a penitenciária de Pasto, o que ocorreu justo quando minha mãe chegava para visitá-los em Yarumito. Meu pai estava algemado e se alegrou ao vê-la, mas ficou irado quando um policial bateu nela com o fuzil para tirá-la do caminho.
Nas semanas seguintes, minha mãe e minha avó viajaram com alguma frequência a Pasto para visitar meu pai, meu tio Mario e Gustavo Gaviria. Foi muito fácil para eles subornar os guardas, que por isso os tratavam bem. Permitiam inclusive que meu pai fosse ao hotel Morasurco, o mais conhecido da cidade, para passar os fins de semana com minha mãe.
A situação judicial dos três detentos começou a se resolver em Agosto de 1976, quando o juiz de Pasto mandou soltar meu tio Mario e Gustavo Gaviria. Em Novembro do mesmo ano, cinco meses depois de ter sido preso, meu pai foi dispensado e voltou imediatamente para sua terra.
Entretanto, sua captura deixaria consequências duradouras, porque pela primeira vez o nome de meu pai apareceu nas fichas criminais, e um meio de comunicação do porte do El Espectador de Bogotá revelou sua identidade. Sua carreira no crime não tinha mais volta, e ele sabia disso.
Meus pais se conheceram no bairro de La Paz, em Envigado. Ele era onze anos mais velho que ela. Mantiveram uma relação intensa e acidentada que só terminou com a morte dele. |
Manancial: Pablo Escobar, meu pai
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